segunda-feira, 31 de outubro de 2016

E aí que por todos os lados fervilha o teatro.

Eliane Colchetes

É certo que Artaud acentua ainda o aspecto estilístico. Assim, para Brueghel, ele acenteua "um clarão torrencial e vermelho, embora localizado em certas partes da tela" que "parece surgir de todos os lados e, através de um certo procedimento técnico, bloquear a um metro da tela o olho perplexo do espectador. E aí que por todos os lados fervilha o teatro".

Com efeito, a pintura histórica dos românticos era assim como muito da teoria do teatro de Schlegel, uma valorização de estilos, técnicas e procedimentos que na história da pintura haviam sido desvalorizados desde o classicismo consolidando-se como recusa e preconceito seja do que então se enfeixou sob o antipático rótulo de Idade Média, seja do que foi chamado "barroco. Revaloriza-se, inclusive Shakespeare, mas especialmente o gótico.

Schlegel constroi uma série opositiva: itália-classicismo, como tradição greco-romana idealizada; e alemanha-gótico, o que significa miscigenado e cristão. A posição do barroco se mostra difícil nessa localização como se vê, por exemplo, no tratamento que lhe dispensa Carpeaux na história da literatura, ou pelo fato de sua associação com Espanha versus França e Inglaterra. Carpeaux se ocupa no desfazimento das fronteiras do classicismo e do barroco, mostrando na França aquele como uma simples mudança de tonalidade sobre o que são os aspectos de fato conservados deste.

É nesse ponto de valorização do gótico, em todo caso, que Schlegel define todos os estilos como sistemas autônomos, uma linguagem simbólica auto-constituída, portanto todos igualmente artísticos, o que no entanto vai ser atenuado para o clássico quando se tratar da crítica romântica aos seus pressupostos de ser um cânon universal em comparação com o qual nada mais se pode afirmar cultural ou estético. A mesma noção de sistema esclarece a definição de uma arte, de modo que é por isso que se pode afirmar não existir teatro nos países onde não se praticam os códigos do sistema, o que é figurado exemplarmente em Borges pela ausência da palavra na mente do tradutor.


O neoromantismo do círculo de George instalará efetivamente, como se lê em Heidegger, esse vínculo: nenhuma coisa onde a palavra faltar, o que Heidegger interpreta primeiro como uma ambiguidade. Estaria o eu lírico afirmando a nulidade de objetos quaisquer, ou inversamente, da possibilidade de objetos? Que se trata da possibilidade de coisas, me parece o escopo de Heidegger demonstrar como o originário de que a outra interpretaçaõ seria apenas o derivado. Entre a rejeição da senhora palavra e a essencialidade do termo no sistema, como dois termos não antitéticos mas de mesmo sentido, estaria a chave da conexão do teatro de Artaud àqueles exemplos citados de homens de teatro com soluções bem opostas às suas e no entanto manifestando convergentes preocupações como vimos em Virmaux.

sábado, 29 de outubro de 2016

Os duplos no misticismo ocidental-moderno

O Romantismo, el Doble e o Fantástico

http://elianeoromantismoeldobleeofantstico.blogspot.com.br/2012/02/o-romantismo-el-doble-e-o-fantastico.html

2)  ) os duplos no misticismo ocidental-moderno

Eliane colchetes

     É interessante notar que o tema do homem duplo como incontornável à mística - não no sentido platônico de corpo e espírito, mas o que implica uma reconceituação radical  - podendo ser demarcado desde Swedenborg, permite também designar uma transformação nos motivos do gênero de texto "ocultismo". Curioso quanto possa parecer devido à proximidade das Luzes, o fato é que o misticismo ocidental só desde agora se  torna eivado de motivos fantásticos - como visita de seres de outros planetas ou de anjos, por consequencia, profusa antropomorfização desses seres presidindo aventuras exuberantes que se tornam incompreensíveis, ou apenas amostras das capacidades ultra-psíquicas de presenciar suas existências imprevisíveis no sistema da natureza conhecida,  viagens interplanetárias "astrais" e comunicações por via exclusivamente mental, etc.

 O homem dessas experiências swedenborgistas não se torna necessariamente um sábio no sentido convencional do termo, mas frequentemente um perplexo. Assim, ele  jamais se transforma num desses super-homens da para-normalidade televisiva atual. É mais o protótipo do que será o artista moderno, um ser que conhece o incognoscível e sofre as consequências dessa situação prometeica.

Borges saudou Swedenborg justamente por ser aquele visionário que conversa com anjos na rua. Na verdade, sua influência foi grande, com templos swedemborgistas na Europa e nos EUA, contando com adeptos como William Blake e Pernety. O que interpõe, portanto, a originalidade desse movimento, é a figuração de uma realidade sobrenatural antropomorfizada, habitada por legiões de seres que povoam todos os planetas conhecidos, acessível à experiência do homem pela faculdade mental interior - não menos do que os valores sociais e sentimentais que orientam, por exemplo, a ordenação do ritual religioso ou o juízo comum a propósito da excelência ou da injustiça das instituições e das leis. 

 A adesão agora se reveste de uma aura de testemunho, trata-se de experiência “mística”. O que é também curioso, posto que tanto mais profusamente fantástica se torna essa prosa de experiência, mais a liberação do imaginário é expressa justificada como resultando apenas da atitude de natural recepção do vivido no Real, suspensas as convenções dogmáticas pelo livre exame do existente na natureza espiritual.

Swedenborg inicia uma linha de “mestres” que se alonga pelo século XIX, entre os quais a temática dos duplos será cada vez mais proeminente até que, no Realismo, começa a proliferar outro tipo de resultado místico do livre exame da natureza espiritual, não mais marcado pelo fantástico mas por uma necessidade de ser suposto universalizável. É nesse ambiente realista, não naquele romântico, que emerge o espiritismo com a família Fox, por exemplo. Como já assinalei, desde aí os duplos se tornam tematizáveis somente quando se trata de expressa influência dos românticos, ou então eles são reduzidos às doutrinas orientais de um modo tal que a terminologia não se assinala.

 O que nos interessa sobremodo nessas doutrinas de variado matiz, que não se devem supor como linhagem de uma mesma escola, sobrevive como o traço comum da multiplicidade de naturezas do humano. Uma história da filosofia oculta que quisesse reunir esses místicos da era contemporânea, teria a meu ver seu ponto de convergência justamente nesse tema. O homem duplo, geralmente observado pela maioria dos pensadores referenciais ao romantismo, e que vai se expressar inclusive em Biran, torna-se triplo, com Papus. Este já se insere num cenário de concomitância ao realismo, e mais contextualizado no que chamaríamos hoje história e filosofia da religião, com acentuado uso de informações a propósito dos Sastras orientais, característica que atinge seu ápice em René Guenon. 

Assim, desde Guenon já no século XX,  postula-se o hiato entre misticismo e esoterismo. Aquele sendo veículo de atos e elementos fantásticos possibilitados pela natureza astral, este envolvendo somente o conhecimento espiritual. Como deve ter ficado nítido, entre Swedenborg e o ambiente romântico as duas coisas são entre-implicadas. É pela experiência, não pelos textos já existentes, que se deveria haurir o conteúdo do conhecimento, assim como vimos o escritor registrando a fala imprevisível do seu duplo. Mas a ambiguidade entre "ser" duplo, no sentido de atuar em planos formalmente irredutíveis do Real, e "ter" um duplo enquanto um ser que se apresenta ao sujeito consciente como paradoxalmente indiscernível dele, permanece intematizado nesse continuum de época em que só o que se enuncia é o vínculo das crenças ou das perspectivas, da mística à literatura.  

A triplicidade do homem postulada por Papus, como vimos,corresponde à  pluralidade de corpos oriental, pois os três domínios são corpóreos, diferindo conforme o grau de sutileza da matéria, desde o físico, ao astral e ao anímico.

 Em Swedemborg, de onde se inicia a postulação da pluralidade na restrição desse misticismo moderno, é a realidade mental aquilo que se duplica, para ser postulada uma natureza especificamente espiritual que liga a faculdade de sentir à percepção do que é atingido ou realizado, independente da razão calculadora.

 Sendo assim, essa duplicidade já embasaria uma triplicidade, pois a essas duas naturezas deveria corresponder um ser físico. Contudo, Swedenborg não parece redutível, pelo que seria o outro viés de interpretação, a Saint-Martin, que afirma o homem duplo como veremos em Biran, nos termos da oposição entre sensível ou físico, e intelectual ou espiritual.

Não se pode reduzir essa oposição de Biran à tradicional de corpo e espírito, porque o físico é agora o orgânico, como já assinalei, uma realidade não abstraível, de modo que quando se trata do outro aporte,  o que pertence meramente à razão calculadora estará ainda afetado pelo físico, enquanto só o exclusivamente espiritual se mostra necessitar de conceituação e apreensão autônoma para efeitos de conhecimento.

A percepção empírica que está na base dos raciocínios, já se sabe relativa a leis orgânicas, por exemplo em Biran, mas isso vindo de uma interlocução aos problemas postos pelos conhecimentos  disponíveis desde o Iluminismo, transformados pela problemática da subjetividade. Em todo caso,  em Biran, que estuda a percepção, há essa autonomia do corpo, e  ela é inerente a processos mentais, enquanto por outro lado há a emergência do sentido estritamente cultural e pessoal, artístico, religioso, místico, etc., isso que já não se trata de julgar "em si", se fantasioso ou útil à razão, etc., mas historicamente, como determinantes do devir de cada povo e cada sujeito, em cada uma das suas épocas.

Então, seja o corte entre as áreas, como entre misticismo, antropologia, etc.,  seja no interior de cada área, o que varia é como situar a duplicidade, a autonomia dos processos de constituição de sentido e suas reapreensões, subjetiva e  histórico-política, por um lado; com os determinantes individuais e puramente naturais, por outro lado. A oposição entre ciências da natureza e ciências do espírito, que se pratica no Romantismo, como em Coleridge, em termos de metodologias requeridas irredutíveis, vemos como está interligada à inteligibilidade do homem duplo que não restitui o universal do humano, mas inversamente, sendo o que faz a partição do que nele é universal e do que nele é histórico. Por esse viés compreendemos também a interconexão de que os autores lançam mão, entre as áreas.


Swedenborg, ainda relacionável ao ambiente pré-romântico percorrente das Luzes, não permite evidenciar com tanta ênfase a terminologia dos duplos, quanto os místicos que se tornam proeminentes do romantismo. Nele, como vimos, há um aspecto de indefinição da duplicidade no que tange ao corpóreo, mas é interessante que essa indefinição atinge também a experiência mística porque, se ela é tão profusamente fantástica, envolve a habitação do corpo ele mesmo pelos seres astrais. Na progressão dos místicos importantes dessa época, inversamente, vai haver junto à demarcação mais precisa da duplicidade, que se interconecta à constituição de uma história mística explicando o presente estado de coisas, um aporte consignável ao vínculo do espiritual com a linguagem.

Assim, Saint Martin que se auto-designava o "filósofo desconhecido", é um dos mais importantes personagens nessa progressão. A reinterpretação do humano na dependência da via interior de acesso à revelação espiritual, que já não é como em Bonald, uma inteligência que se serve de um corpo, mas como lhe contrapôs Biran, duas realidades autônomas e igualmetne afirmáveis do humano, em Saint Martin comporta a via do Verbo como acesso à realidade espiritual.  

A faculdade sublime de acesso à realidade superior é a palavra, o Verbo que se manifesta como um culto interior: "verbar" é empreender esse uso do verbo que se manifesta em nós, em vez de falar como se a palavra se limitasse aos imperativos de nossa natureza terrena. Saint Martin não procura mais que elevar seus centros espirituais a um nível que lhe proporcione acesso ao sentimento da presença superior, que é Deus, o que sente, um pouco como o predecessor dessa mística, Bohéme, como amor íntimo ou comunhão com o espírito, não comportando qualquer busca de sinais exteriores como as "maravilhas" ou as "profecias", contra que ele cuidava de prevenir seus adeptos. 

O martinismo será muito influente no espiritualismo, e contém questionamentos acerca da natureza obscura do humano, motivo pelo qual o sugerem, por vezes, como precursor de Kirkegaard - assim, o Verbo manifesta desde o interior o sentido pleno que é apanágio da realidade superior, mas também o faz o sentimento de angústia, e em seu seguidor, Joseph de Maistre, a perversidade do homem decaído não pode ser ignorada.

 Esse movimento místico é o que mais impele à temática do espiritual no sentido de uma reinterpretação do humano - Ecce-homo e Le ministére de l'homme são títulos  significativos de Saint Martin, quanto a isso, sendo sua posição política generalizada como afeita à teocracia - mas como é comum nesse domínio, as teocracias são sugeridas como termo de uma evolução espiritual da humanidade, não como algo que pudesse ser arquitetado por alguns, para além do planejamento de suas ordens religiosas, o que por vezes desenboca em utopias socialistas e igualitaristas, o inverso do que se poderia predicar pela referência ao reacionário  de Maistre.


Em Martines de Pasqualy, a duplicidade é atribuída à mudança de natureza de Adão, o que conduz a deslocar sua tradicional correlação a Eva. Antes da queda, Adão tem uma natureza oposta à que será a nossa comum, que é o que Adão se torna depois. Ele era homem-deus, habitando um paraíso onde a materialidade, que poderíamos atribuir à potencialidade aristotélica, não precisa ser postulada uma vez que nada precisa ser feito. A queda consiste, outrossim, na propulsão ao agir no sentido de produzir, logo, à precipitação na materialidade.

Mas o ato, aqui, inversamente a Aristóteles, não é o que se opõe à matéria. Esse ponto é capital para entendermos a necessidade das humanities pensáveis autônomas. A ação é o que, na história, implica os determinismos físicos e a liberdade do signo em termos da emergência do sentido, que não está como desde o Realismo, reduzido a uma denotação pura. O que não se precisava produzir antes da queda, era o que só devém do espírito, e é esse sentido espiritual que Aristóteles nunca poderia ter pensado, bem inversamente, era para a metafísica o que não deveria ser pensável.

Eva, no mito bíblico sendo derivada da materialidade de Adão, não poderia ser pensada segundo Pasqualy, como intrinsecamente relacionada a ele sem participar de sua verdadeira natureza, só aparentemente a mesma antes e depois da queda. Pasqualy a supõe derivando das emanações espirituais de Adão, até mudando seu nome (Howea ou Homena), pois ela manifesta a natureza do que é produzido.

A ambiguidade desse elemento feminino de Pasqualy, correlato adâmico mas não podendo ser senão produzida e por isso irredutível a ele, parece-me traduzir a ambiguidade do elemento físico, pioneiramente dado a pensar numa complementaridade constitutiva ao sentido. Mas, como nesse pensamento de Pasqualy  precisamente o que transita é um devir como esse ato material cindido do sentido histórico, a ambiguidade se resolve pelo caráter polissêmico do par. O mesmo termo se aplica a ambos, como par originário, mas a conotação de Eva é inversa à de Adão, como momentos de um vir a ser, de modo que Eva é o elemento que personifica, afinal, o próprio devir onde o conceito se instala, sendo a destinação polissêmica mediadora do universal concreto que o termo não poderia deixar de traduzir na síntese pensável desse devir.

Eva, inverso de Adão, símbolo da queda por que só produzida desde que algo se torna imanente na região de toda produção, a materialidade, está como um momento de incompletude para Adão que é o ser da completude no seu estado edênico. Vemos como a consistência dessa démarche inclusiva do devir é irredutível à postulação simples de duas companheiras de Adão, antes da queda (Sofia), e depois (Eva), como já havia sido antes conceituado em Jacob Bohéme, não obstante ser ressaltável que este já havia pensado Cristo andrógino.

 A duplicidade do antes e do depois, reposta entre Adão e Eva, se conecta em Pasqualy a algo não muito parecido à positividade da experiência astral de Swdenborg, pois com Pasqualy teremos o indeterminismo como correlato da realidade espiritual - não se sabe o que ela é, e mesmo as experiências místicas só a fornecem numa parcialidade. Quanto ao humano, cumpre aprofundar a reinterpretação do seu ser em relação àquele que pensávamos na limitação de corpo e intelecto racional, e é para isso que a duplicidade em devir se torna conceituada como vínculo expressável a um nível superior. 

Pode ser que nesse desdobramento do duplo em devir possamos localizar o nexo entre o ser e o ter quanto à temática dos dobles. Assim Borges, em Livro de Areia, como reporta Selma Rodrigues, transcreve em O outro, seu encontro com um homem que lhe narra detalhes autobiográficos exatamente iguais aos seus, pelo que ele precisa deduzir que o nome do homem é o seu mesmo, Jorge Luis Borges.

Enquanto o misticismo é ele mesmo um conhecimento da realidade “superior” do sentido, de Swedenborg a Fabre d'Olivet, a duplicidade do humano é o resíduo conceituado que se comunica à filosofia e à literatura dessa época, isto é, algo que tem uma ressonância no panorama histórico. O que se compreende se lembrarmos que em filosofia trata-se de localizar a substancialização, ou inversamente, apenas a demonstração do caráter necessário,  dos conteúdos de crenças e valores espirituais socialmente institucionalizados pela tradição e pela religião.

Como d'Olivet supõe um homem arquetípico, conceito de universo cujo reino se concebe como agência da vontade entre o produzido (natura naturada) e o produtor (natura naturante), sendo esse universo tripartido conforme o esquema usual de físico, racional e espiritual, a duplicidade se coloca como limite entre o material e os dois níveis da interioridade, já que a esta somente corresponde a semelhança com a natureza antropomorfizada do universo.

Aqui as figuras que estruturam o texto hegeliano, como o espírito absoluto e o devir que o realiza tornam-se reconhecíveis. Especialmente Fabre d'Olivet supõe um homem arquetípico, conceito de universo cujo reino se concebe como agência da vontade entre o produzido (“natura naturada”) e o produtor (“natura naturante”), sendo esse universo duplicado em três folhetos, conforme o esquema bem epistêmico-romântico de físico, racional e espiritual.

D'Olivet  postula três mundos que constituem o universo: o físico, o intelectual e aquele dos princípios eternos que são agora  realidades supostas espirituais, não princípios racionais, pois as essências pertencem apenas ao domínio intelectual.

A caracterização desse universo tripartido é algo dúbia. Ele inteiro é uma esfera e é Deus, mas é também dependente da existência do homem universal. Contudo, o reino hominal, desse homem arquetípico, situa-se num meio que é o da Vontade ou da força agente, entre o destino como natura naturada e a providência como natura naturante.

O deslocamento teórico relativo a que me parece constar esse movimento místico se deixa ver pela contraposição de Fabre d'Olivet a Mesmer, este mais relacionado ao influxo materialista, mais próximo das Luzes, que interpreta a corrente universal como tendo um correspondente magnético e por aí as operações místicas seriam manipulações dessa força naturalizada. Em d'Olivet, nos decênios iniciais do século XIX, em ambiente transformista, a realidade superior que liga todos os seres dotando com sentido a natureza é apenas o homem universal colocado em movimento, e são suas emanações que se interpretam como fluído universal de que depende a "psicurgia" como arte de utilizar a energia mental, "ciência" com a qual ele se propunha curar, por sugestão hipnótica.

A mulher anterior à Eva, em Fabre d'Olivet, é Aisha, expressão da Vontade do homem universal, sua faculdade criadora. O mito da divindade de Adão travestido de homem universal se transforma numa interpretação mística da história. Esta desenvolve-se como história do reino hominal e d'Olivet postula a superioridade da raça céltica, cujo herói Ram tipifica o estado original e menos decaído da humanidade, no que teria sido a teocracia fundada pelo druída que, emigrando devido às vicissitudes da condição terrestre, torna-se Rama, na Índia, Dionísios na Grécia, etc..

A influência dessa história mística de Fabre d'Olivet será efetiva, alcançando o domínio literário, enquanto a prática do hipnotismo com propósitos místicos se estende em Willermoz - que a empreende para obter oráculos - mas daí à “escrita automática”, que hoje se designa “psicografia”, da família Fox na Inglaterra e de Guldenstubbé na França. Prática rejeitada nas ramificações posteriores do misticismo, como em Eliphas Levi, Papus e Guenon.

 Ora, a sistematização realista, operando num plano de intenções bem irredutível ao dos românticos, convive com o desdobramento socialista desses movimentos pioneiros cujos templos foram tão frequentados, e cuja influência intelectual tão marcante.

Benjamin, escrevendo sobre Baudelaire, registrou algo do liame místico dos socialismos assim chamado utópicos, onde o caráter de transposição do romântico me parece assinalável pelas figuras de duplicidade, por exemplo, postulando o tempo duplo, para eles na acepção de andrógino,  transpondo para a problemática da anteposição de feminino e masculino a questão da duplicidade.

 Aqui era o caráter singular do tempo enquanto de uma modernidade em ruptura para com um passado marcado por uma falsa inteligibilidade do mundo e da sociedade, o que era preciso presentificar como substrato do lema revolucionário ou reformista. O feminino e o masculino seriam transmutáveis no presente pela subsunção da sua oposição à modernidade que iria depurar o idealismo das tradições. A ojeriza da gravidez ou da maternidade, o elogio da mulher subversiva do papel social, são temas tanto desses grupos, saint-simonistas ou fourieristas, quanto de Baudelaire.

Já mais tardiamente, o duplo é interpretado em Alester Crowley, de um modo que deve modernizar o que se atribui agora a um locus da história da magia, a essa altura gênero praticado comum nos referenciais esotéricos, ora reportada suas origens míticas, como a visitação bíblica das mulheres por anjos, em Eliphas Levi; ora mais prosaicamente limitado à Antiguidade ou ao Renascimento, quando em vez dos persongens míticos, os protagonistas são magos eles mesmos históricos, como Agripa, o Trimegistos do corpus hermeticum, a cabala, a mística cristã de Dionísio Aeropagita. Sobretudo, os autores de grimórios à exemplo da Chave de Salomão, e Abramelim, o Mago, este tendo superado a lei do círculo que presidia naquele a invocação dos espíritos, pela consagração a Deus.

A lei do círculo continha um caráter de prova iniciática contudo sempre renovada, pois uma vez traçado, tratava-se do mago ter poder para não ser ele mesmo disperso pelos espíritos, continuando dentro do círculo. A auto-consagração a Deus, de Abramelim, conservava apenas uma menção ao uso de um par de assistentes espirituais, um bom (anjo) e um mau (diabo). Então Crowley vê nesse par um duplo, e os reinterpreta, em vez de seres místicos ligados à alma, como vimos uma versão no neoplatonismo plotiniano, como  projeções do inconsciente que é definido sobre-humano no sentido de algo não designável pela limitação humana da consciência.

 Já a generalização desse conceito de inconsciente, no entanto como se estivesse claro que implica a sinonímia com o infinito, e tudo isso denotando uma realidade prévia e "superior" num sentido idealista, é o que encontramos amiúde reportado na atualidade, aos que desde a transição ao século XIX e entre os romãnticos, praticam a terminologia do "inconsciente". 

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

'' Ele nada faz, mas não deixa nada por ser feito''


O Romantismo, el Doble e o Fantástico


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Eliane Colchete

Entre o ser e o não-ser, creio que o mais conspícuo da irredutibilidade do que poderíamos tematizar entre um pensamento oriental não-confucionista, mais associável ao budismo e ao taoísmo, e a tradição greco-platônica-cristão-dogmática, é que se nesta seria inserível o sentido (ideal/significado), naquela o inserível seria o conceito de vazio.

A descontinuidade é algo aversivo à tradição ocidental por que é sempre redutível ao não-ser, o que é destituído de realidade ou concretude, literalmente o que não existe, enquanto o pensamento oriental a tematiza como o que é articulado à forma, ambos integrando a realidade fenomênica – assim, a escola de pintura taoísta ensina a conjugar o traço ao vazio, não a reproduzir o objeto pleno, de modo que a imagem deve fazer ressaltar essa conjugação, deve transmitir a articulação e fazer ressaltar o vazio de que a forma surge, em vez de resultar como representação da plenitude.

A forma, contudo, é afinal redutível ao vazio quando o pensado é a realidade não-fenomênica. O não-ser não é o vazio, é o que podemos associar ao fenomênico por oposição ao em si não fenomênico (real), no sentido do que é transitório em relação ao que é permanente. Aqui subsiste uma opção no sentido de ler o pensamento oriental como o de um tempo cíclico, pelo que o não-ser não é o nada de ser, mas a alternâncias das formas; ou também expressando a impermanência da forma como o aleatório do que sobrevém na duração. Assim, o crisântemo que simboliza no oriente algo que dura muito, inversamente ao simbolismo ocidental da rosa como exemplar do efêmero, é que se registra como o motivo da perplexidade do poeta taoísta, o que o incomoda como um fenômeno atípico.
A alternância não é tanto cíclica, quanto devirenesca nesse sentido que desloca o modus operandi do pensamento ocidental assim como plasmado na socrática, segundo o que pensamos sempre atribuindo predicados a um objeto. Essa unidade do objeto é o que a alternância dessas escolas orientais não postula ao pensamento, os termos não sendo pares de opostos substancialmente apreendidos, mas realidades pensáveis somente em transformação um no outro: o frio é o que está para se tornar quente, o escuro é o que está se tornando claro, o inverno é o que está para se tornar verão, e vice-versa, para todos os pares que o pensamento ocidental iria supor de opostos estanques. Isso foi ressaltado por Richard Wilhelm como até mesmo uma particularidade da língua chinesa. Quando se pergunta algo precedendo-se o fato pelo que se pergunta com a partícula não, a resposta é sim, se a negativa for o caso (- Ele não foi? - Sim.).

No verso de Lao Tze, essa alternância das coisas aparece como sendo sua natureza em vez desta ser a identidade fixa de cada coisa pensável una – justamente é a coisa una que não é pensável. Sendo essa natureza “o tao do céu”, ela é expressa pela metáfora do arqueiro que empurra para baixo o que está em cima, e empurra para cima o que está em baixo, ao inverter com a flecha a posição das duas bordas do arco. Os opostos não sendo identidades contrapostas, há contudo algo de naturalmente recíproco na polaridade, os termos não são sobreponíveis ao acaso, mas inerem a processos reais.
Em todo caso, esse não parece ser um pensamento “histórico” no sentido científico-social, mas de fato ele está mais inserido no plano do que ocorre efetivamente do que num plano de abstração do devir para depuração do ser. Isso em termos do que é inteligível, posto que a todo-permanência não é a condição do fenomênico ou de sua inteligibilidade,

Essa distinção do fenomênico e do não-fenomênico não se apreende facilmente no pensamento ocidental, contudo, posto que por vezes a articulação de vazio e forma é expressa como se ela mesma fosse real em si, não apenas fenomênica, como na metáfora taoísta da flauta, instrumento oco que somente por isso, se soprada, mais e mais sons (forma) produz, conforme Lao Tze. O vazio é o lugar ativo, não passivo, da forma.

O caminho é o vazio, pois do contrário seria intransitável, mas ele é percorrido e nesse ínterim converte-se nesse paradoxo de uma obstrução que o percorre sem preenchê-lo. Creio que lidamos assim com um pensamento “filosófico” mas que é sem princípios, o “princípio” sendo o vazio como a articulação de todos os conteúdos que poderiam ser dados ao pensar. Isso pressupõe ao filósofo que sua linguagem deve ser formada como cultivo de paradoxos.

Mas também ser nesse sentido, sem princípios, acarreta a impossibilidade expressa por Lao Tze, do tao ser definível, em termos de ser possível dar-lhe um nome. Conhecer o tao, palavra chinesa que se traduz habitualmente por caminho ou sentido da caminhada, é saber impossível predicar-lhe um ser nomeável; “o que fala” – predica um nome assim ao tao - “não sabe”. Mas se “o que sabe não fala”, não é por ser a doutrina esotérica no sentido da magia ocidental onde o segredo iniciático é obrigatório, comporta punições se revelado, e sim por que é impossível confundi-lo com uma realidade determinada individualmente - não obstante aqui não ser o caso de pretender reduzir ao uno a variação poética inesgotável quanto às interpretações possíveis desse verso.

Inversamente a poder ser delimitado o Real, em Chuang Tzu assistimos uma conversa que inverte a negação platônica de haver ideia – realidade em si – nas coisas desprezíveis como o pelo ou a lama. Ali o sábio a quem se faz essa mesma pergunta, num crescendo dos exemplos de coisas desprezíveis até as mais repugnantes, afirma cada vez mais entusiasmado que é nessas coisas mesmas que o tao se encontra.

Não parece haver segredo possível quanto ao tao, e é nessa sua imediatez que reside a ironia de ser tão revolucionário ser nele iniciado: mais precisamente, “ter tido o caminho” ou “ouvir falar no caminho”. É por isso, talvez, que se torna tão enigmático a ponto de perfazer um koan, o fato de ter um sábio zen negado que o cão possua a natureza do Buda, logo depois de ter assentido que tudo tem a natureza do buda, num meio em que o paradoxo é o instrumento linguístico da filosofia, em vez da definição conceitual.

Se bem que no zen haja o esoterismo decorrente, não obstante, apenas do fato de ser pessoal e inalienável a relação do discípulo ao mestre assim como a trajetória de cada estudante, de modo que o koan tem uma resposta que o mestre conhece e que cabe ao estudante atinar por sua conta até que o mestre lhe conceda ter acertado, parece-me que podemos compreender o enigma. Ele decorre da individualidade com que o cão foi referenciado na capciosa pergunta do antagonista do sábio: “Você disse que tudo tem a natureza do buda. Tem o cão a natureza do buda?”, ao que a resposta foi “Mu”, que geralmente se interpreta “Não”.

Enquanto individualidade, nada, justamente, tem a natureza do Buda, como vemos no taoísmo em relação ao caminho que é vazio. Nada nomeável é o caminho. "Tudo" significa aquilo que não é alguma coisa nomeável. A individualidade é o enganoso da predicação substancial da parte em relação à processualidade imanente da natureza que envolve tudo, mas que por isso mesmo não pode ser pensada como alguma coisa em si acima das coisas que conhecemos.

Por exemplo, o vazio é associado à subjetividade, como o que deve ser cultivado pelo sábio no seu interior, ou melhor, como o que é o real da interioridade, como de tudo mais. Por outro lado, essa destituição de um sentido autônomo do “ego” não deve resultar numa despersonalização do sábio, ou num quietismo abstrato, mas inversamente resultar numa personalidade presente, ativa, engajada na experiência, que é contudo expressa como irredutível ao que se deve evitar, a saber, a individualidade, um “ponto de vista pessoal” a propósito da realidade.

 Assim também, o que vimos sobre os opostos que são alternâncias não elide que a percepção seja extremamente acurada quanto à singularidade dos eventos, ou para a forma na sua complementaridade ao vazio – como no hai ku em que da quietude perfeita da natureza o salto da rã seja captado na extrema singularidade do seu evento contrastante com o meio, o vazio que na verdade é comunicado pela linguagem do hai ku como o vazio da mente que percebe o quadro natural na ausência de pontos de vista sobre o que vê, assim como o poema mesmo é essa neutralidade do que ele proporciona à visão até que a rã salte e surpreenda a visão.

Ou no exemplo do sábio zen que após varrer criteriosamente o quintal, sacode uma árvore para que as folhas nele tornem a se presentar – não houve uma ação pessoal nesse fato de tudo estar limpo, a ação se desenvolve no meio que envolve o sábio apenas como mais um elemento na sua interação contínua.

O ego vazio é então o veículo excelente da forma que a meu ver, o pensamento oriental não abstrai no sentido do impessoal, mas inversamente capta como autenticamente realizada, como de um sábio, se está eivada de sua personalidade e singularidade (estilo) pensáveis em termos da sua inserção no aqui e agora, ou seja, não decorrente da sua individualidade e sim do que os românticos chamavam o histórico em pintura, o seu evento, a circunstância do mundo que o trouxe a esse presente em que se desenrola a cena na qual ele “é”, ou seja, ele atua o wu-wei (não-ação).

Quanto ao estilo ou o singular, o apreendemos na anedota em que dois sábios estão à beira de um tanque observando os peixes e um deles comenta a propósito da alegria dos animais na água, ao que o outro retruca: “não és peixe, como poderias saber o que eles sentem”? E o outro responde: “Não és eu, como sabes o que eu não sei”?

Assim também a resposta de Chuant-tzu ao lógico que se ocupava do problema da atribuição: “um homem destituído dos atributos humanos é ainda um homem”? E Chuang-Tu afirma veementemente que sim, depois defende pormenorizadamente sua concepção por meio de uma enunciação eivada de paradoxos. Esse lógico é personagem histórico, no cenário do século IV ou III ac., mas   costumeiramente ridicularizado no Chuang-tzu – pois sem compreender a complexidade, ele se ocupa do “branco” e do “duro” (atributos e sua ligação com o sujeito da proposição).

Como se prtaica na na relatividade, a impossibilidade dos corpos ocuparem o mesmo espaço implica na impossibilidade do conceito de simultaneidade. Se o ego não está obstruído por sua identificação como algo que deve ser substancialmente referido como ele Mesmo, devido à ignorância do caráter fluente da natureza, o que é atuado ou realizado, a performance, é o absoluto da sua inserção nessa fluência.

O ego a depurar é correlato do engano da forma como um em si, do mundo todo contínuo de coisas individuadas, como se o sujeito pudesse ser entendido ele também como essa plenitude cuja imagem como aquilo a ser ultrapassado, é fornecida pela metáfora da recusa da ação. Esta não pode ser entendida como a produção de algo, inversamente, o obstáculo à produção de alto autêntico no sentido da personalidade do sábio e do que é esteticamente valorizado. O que é preciso enfatizar aqui é que isso implica o inconsciente de um modo que no Ocidente só veio a se enunciar com o Romantismo. A metafísica, desde Platão, pratica a impossibilidade dessa apreensão porque aquilo que é permanente em oposição ao transitório, na verdade é apenas o transitório fixado.

As ideias são ideias daquilo que vemos no transitório, como a ideia da rosa seria a rosa eterna. Assim pode-se realmente afirmar que Platão decalca o transcendental do empírico. Ao mesmo tempo que nega a aparência, toda a imagem que faz do eterno lhe provém dessa mesma aparência. Já no taoísmo, aquilo que vemos no transitório não corresponde à realidade do permanente. Nós vemos a rosa porque é isso que ressalta no jogo das demais coisas transitórias, incluindo a relatividade da nossa observação.

O permanente é o que está além dos elementos dos lances do jogo, é o jogo mesmo, o que vimos como o “tudo”, a natureza do buda ou o caminho, que não tem comensurabilidade com nada no visível, pois não tem ponto de fixidez, se está além de toda perspectiva individual ou relativa a uma posição pensável.

Creio que isso é bem parecido com a relatividade, contra o parecer do bergsonismo. Todo tempo apreensível ser relativo a uma posição pensável não implica um tempo absoluto ele mesmo pensável, inversamente implica o impensável. Uma realidade em si que não está limitado por nenhuma perspectiva pensável.

Quando nos instalamos na concepção de que essa realidade é o que subjaz a qualquer perspectiva pensável como na objeção bergsoniana, não estamos referenciando o mesmo nível do real, posto que já situamos no pensar alguma perspectiva. Este nível não sobrepõe de fato, nem de direito, aquele.
Assim, como assinalamos, o pensamento taoísta não admite qualquer princípio ontológico, somente o vazio como o impensável, impredicável, indizível, assinala o limite depois do qual se pode começar a postular algo da realidade visível. Por outro lado, o inconsciente não é um esquema do visível. Entre o transitório visível e o permanente se instaura o limite do finito ao infinito. Pensamos aquilo que está no finito,mas o que subjaz como o infinito já não pode fornecer qualquer esquema, plausibilidade ou fundamento do real. O sábio que sonha ser uma borboleta não tem como garantir que  é ele que sonha, ou é a borboleta que o sonha.

Mas isso, como vimos insistindo, não significa uma doutrina de quietismo, bem inversamente. Onão-princípio ou limite do finito e inefável é aplicável utilmente em vários domínios, como já exemplificamos com a estética e com a questão da subjetividade. Podemos agora ver a aplicação do não-princípio (vazio) na teoria política.

O mal não é ser governante, mas confundir o governo, que é o vazio em que aquilo que transita é a sociedade com suas necessidades a serem satisfeitas, logo tornando-se a necessidade em plenitude para depois tornar a ser preciso preenchê-la, e assim ao infinito encadeando-se a necessidade e a providência, com o poder que é algo suposto pleno como uma realidade em si mesma atribuível a alguém como ao governante. Nesse caso as instituições seriam não só artificiais, mas inúteis por que só existiriam como meios de honrar aquilo que por si só não existe, um poder governante que não se concebe em função do governado, assim como aquele que se pensa como substância toma tudo como se devesse seu sentido ao modo como se presta ou não à sua vontade, o que precipita a decepção contínua perante um mundo neutro e opaco à sua individualidade.

Aqui não creio haver ambiguidade no fato de que o sábio taoísta provê uma teoria do governo, mas ele recusa ostensivamente governar ou ser funcionário da corte. O sábio é um estatuto próprio assim como se supõe haver o do governante. Mas não há dúvida de que podemos ler nessa recusa um desdobramento da teoria política como crítica das instituições reais – a corte é um lugar do Poder, historicamente, não obstante a essência do governo não o ser. Intervem também aqui provavelmente a circunstância extremamente adversa dos conflitos sociais da China antiga, ambiente de constantes guerras entre impérios e dinastias farisaicas, cuja concepção de poder era a expressão da máxima crueldade contra os vencidos ou potencialmente rebeldes.

Os personagens da literatura taoísta, sábios ou ouvintes, são geralmente pessoas simples, das classes populares, preferencialmente muito feias -“ de estarrecer”, conforme Chuang Tzu a propósito de um sábio especialmente estimado - ou a mulher idosa,  ou até mesmo marginais que sofreram punição como o homem a quem havia a lei imperial amputado um pé pelo delito cometido, e que ouve o sábio.

Nessa anedota de Chuang-tuzu, Confúcio, que seria o sábio, é ridicularizado porque perante esse homem procedeu comentando ele já havia perdido a virtude, ainda que lhe restasse a possibilidade de consertar-se ou regenerar-se, quando na perspectiva taoísta a condição exterior é o que menos importa à atitude presente do ouvinte em relação à doutrina. Conforme a resposta desse homem, a qual desconcerta Confucio, podemos depreender que ele expressou ter vindo ouvir o sábio como alguém, qualquer pessoa, que desejava se iniciar na virtude, ou compreendê-la, não como alguém que cometeu um delito, até pelo que ele já havia pago – não há lugar para o arrependimento quando se trata de compreender a doutrina, quanto a isso trata-se sempre da mesma possibilidade em todos nós. O homem anuncia então que não ouvirá Confúcio, e se dispõe a ir-se embora. Confucio se desculpa com o homem, mas ele não permanece.

O comentário do texto afirma nitidamente que, sendo o que tenha sido, tanto faltoso como grande dignatário, a doutrina o transforma e se isso ocorre ele percebe que é participante da virtude celeste; mas um homem cultivado, socialmente um sucesso, que julga ser assim por sua natureza individual, é o objeto da gargalhada do sábio,, verdaderiamente um objeto de zombaria,  também numa anedota do Chuang-Tzu.

Ora, sabendo como era o estado de coisas político, não temos como saber se a pena aplicada significa realmente que o homem a quem a lei imperial decepara o pé era desonesto. Provavelmente, não. Os poderosos são impunes, as pessoas simples são objeto da chacota do sistema como alvo da exibição de poder dos farisaicos ocupantes das cortes.

Que a doutrina taoista ensine os pobres a porem-se de fora do caminho das intrigas sociais, eis o que tem uma relevância num meio social como aquele, a meu ver. O antagonismo de confucionismo e taoísmo teria, conforme essa opinião, um sentido obviamente filosófico de amplo alcance, mas seria assim também expressão de uma ambientação social bem localizável historicamente. Visto assim, o confucionismo se torna ainda mais criticável, porque no tocante às pessoas pobres, ele é um caminho inteiramente falso, uma doutrina hipócrita. Essas pessoas não tem realmente o mesmo meio social que aquelas destinadas a se tornarem veículos do poder imperial. Para elas, um conteúdo verdadeiro a propósito da sociedade teria que abranger a situação de limitação de expectativas e conflito potencial a que estão permanentemente expostas.

Tanto assim que quando o império unificado se firmou na China, após o quadro das constantes guerras pelo poder entre os Estados, a destinação dos letrados foi reduzida a integrar a classe dos “estudiosos-cavalheiros” totalmente posta a serviço da propaganda do império unificado, subentendendo-se ser a proveniência deles da nobreza.

Entre os estudiosos-cavalheiros dessa época imperial,  era obrigatório o confucionismo, junto com a adoção das  lições pre-adaptadas pelo império, severamente censurado todo outro conteúdo de cultura no território ou até mesmo qualquer interpretação das escrituras confucionistas destoante da aceita por aquela cartilha pré-adaptada, oficialmente utilizada. O que circulava além disso, não podia aparecer como “cultura”, ou seria objeto da punição ou eliminação por parte do império. O que implicou não apenas a marginalização do táoísmo, mas a censura de um intertexto cultural muito antigo, posto que antes da unificação imperial, e em eras bem precedentes à emergência das escolas filosóficas do século IV, o conteúdo histórico relativo aos Estados não grafava apenas, como se diz erroneamente, registros burocráticos, mas invariavelmente continha informação sobre a mentalidade do governante, o rei, e alguns destes foram considerados sábios e iniciadores, como o atribuído autor do I Ching.

Há aqui, segundo creio, também uma relação com o fato de que num ambiente assim,  ressalta mais do que o esperado, o fato do lote dos méritos e defeitos não ser realmente imputável às pessoas, mas quase que automaticamente derivável das condições sociais e do nascimento. Isso então obtem um relevo quanto às  consequências, coerente com a teoria social de conflito adequada às classes em que o taoísmo viceja. Uma pessoa culta nasce num meio esclarecido, assim, se ela se transformar num bom funcionário em vez de um farisaico exibicionista do poder, ela não tem verdadeiramente mérito, é o que se esperaria dela por não ser um bárbaro no sentido de ter crescido num ambiente exposto a valores brutais pelos motivos compreensíveis da necessidade e ausência de instrução, ainda que o desvio do exibicionista farisaico seja o mais comum, também por influência do meio, desta vez por sua corrupção generalizada.

Em todo caso, a transformação por ouvir a doutrina não é da pessoa, da sua virtude que o taoísmo não diferencia muito da imagem do vigor do corpo, não reduzindo porém a virtude à força física, bem inversamente, mas como o lote do destino, o que recebemos com o nascimento, tanto a condições sociais quanto os dotes do intelecto e do corpo; e sim da sua compreensão dessa natureza, o que automaticamente implica a felicidade qualquer que sejam as condições do nosso lote pessoal, posto que o iniciado não mais se coloca como algo à parte do mundo, ainda que evite o que não lhe convém, mas integra a realidade permanente, justamente inalienável. O encadeamento das ações não é individualmente atribuível – fazer o bem ou o mal não é sempre evitável pelo indivíduo, por estar ele num encadeamento contínuo que lhe ultrapassa, seja pela força da natureza, sendo fraco ou forte fisicamente; ou da realidade política em que está envolvido como pobre ou rico, como numa posição de receber educação ou não, ser bem ou mal influenciada, etc.

O que a sabedoria haurida na doutrina permite é o envolvimento mínimo dessas coerções existenciais, posto que o sujeito na fluência a nada se agarra, ou seja, por nada é induzido ao engano da individualidade causativa. Ele nada faz, mas não deixa nada por ser feito. Aparentemente podemos deduzir que abstendo-se do que não faz parte realmente do nosso caminho, a doutrina conduz à evitação do envolvimento com a corrupção, e do mesmo modo, com a arrogância, ostentação ou apego ao domínio. Nesse paradoxo da não-ação, presume-se que somente aquilo de que não há sentido em se esquivar, posto que inere ao nosso estar em vez de ser algo evitável, é aquilo com que nos é benéfico permanecer envolvido ativamente. Nada na ação assim neutralizada no aspecto individualizante, traz louvor ou desprestígio ao sujeito.

Tudo lhe é conatural, mas relativamente ao caminho algo tem relevância, e geralmente as ocupações dos que conhecem o caminho são transformadas em arte, como no exemplo do exímio cozinheiro. Aqui não se trata apenas de fazer algo bem ou mal, mas da aplicação do princípio do vazio, articulação da ocupação com os ensinamentos acerca da postura, respiração e estado interior correspondente ao que se faz, de modo que o resultado , sempre excelente, surge no entanto como que independente do esforço pessoal. O mesmo comentário do cozinheiro, no Chuang-Tzu, ressoa com o do marceneiro, e especialmente no zen budismo essa ligação da doutrina com a prática é muito importante, originando os ensinos de artes específicas - como na arte do arqueiro zen, em que iniciou-se o ocidental Eugen Herrigel, a quem muito espantava o ensino porque a posição que se pratica é avessa ao senso comum, como também há a arte da cerimônia do chá, dos arranjos florais, da pintura, etc.. A ênfase exclusiva na meditação também é um dos desdobramentos do zen.    

 Entre China e Japão, de fato, alguns elementos são peculiares, por exemplo, a ênfase japonesa nos aspectos rituais, tendo havido a progressão a um caráter oficial da doutrina, e na valorização da maturidade que se reveste de um aspecto estético e poético específico. Taoísmo e zen budismo não são de fato a mesma prática, e mesmo internamente eles se diferenciam em escolas no decorrer de sua longa história, mas esses traços do não-princípio, do uso de paradoxos, e de uma doutrina que só se desdobra do desfazimento de todo situamento de princípio, permanece em comum a ambos.

   Paralelamente ao taoismo e ao confucionismo, a filosofia chinesa é bastante variada, sendo um processo que pode ser estudado com a coerência que atribuímos normalmente à filosofia grega, por ter uma abrangência semelhante de pensamento especulativo. Aqui é interessante registrar que uma das escolas efetivamente tematizou a duplicidade,     

O pensamento budista chinês da escola do lotus (fa hua) – que se considera bem original, não obstante ser inspirada no sadharma pundarika sutra (sutra do lotus) interpretado por Tche kiai - já apresenta algo menos transitivo em termos de duplicidade do que o dualismo de alma e corpo habitualmente envolvido nos sistemas antigos. Na escola dolotus, o Espírito (“Sin”), é conceituado Tchen ju (“Real assim”) que se manifesta na duplicidade do puro e do impuro. Essa manifestação é real, mas o tchen ju nele mesmo é o espírito universal de que dependem todos os “dharmas”, a existência das coisas singulares, que no entanto em si são aparência, só o tchen ju sendo real.

Ora, sendo decorrência do espírito manifesto, todos os seres ou dharmas tem natureza dupla, pura e impura, sejam os seres comuns ou os Budas. O impuro encadeia no karma, o puro conserva a conexão com o espírito, pelo que entende-se que os comuns tenderam à sua natureza impura, enquanto os budas inversamente, produzem atos puros. Mas sempre os seres comuns podem converter-se a limitar seus atos aos puros, enquanto os budas podem deixar-se tentar pelos impuros e encadear-se novamente no karma. É a instrução espiritual que permite compreender a duplicidade e estabelecer-se no que é puro, mas como estamos notando, se bem que real, ela tende a um mais real do imanifesto que não é duplo, e sim o espiritual em si.

Essa alternância parece instaurar um pensamento não maniqueísta, onde a duplicidade do bem e do mal já está interpondo uma contraposição explícita, de feitio irredutível ao que estamos observando típica de escolas de pensamento oriental. Assim, o maniqueísmo encerra uma  orientação mais dualista que duplicada, pois acarreta a consequência da confrontação direta dos dois aspectos opostos, subentendendo a redução ao uno. Na região da antiga centro-américa o maniqueísmo era extenso a todos os poderes da natureza, como entre a noite e o dia. Mas não está clara a relação inteligível que era assim expressa. Não parece haver o sentido de uma personificação a encarregar-se da redução, ao menos num plano ético, ao uno.

      Alguma ressonância do maniqueísmo por vezes se insinua como interpretação dos duplos, como vimos em Rosset, como se um fosse bom e outro mal, mas de fato nessa literatura as amostras são muito variadas, interditando que se possa reduzir a um esquema único. Em Hoffman há até mesmo menção ao  duplo deliberadamente produzido pelo feiticeiro que assim se beneficia contra o jovem Nathanael. Pelo modo como essa informação é manejada na trama, deduz-se que a crença no duplo  produzido por meios esotéricos era corrente, de modo que as amostras distópicas do duplo podem ser vistas como  derivação imprevista, fortuita ou devido ao conflito desencadeado pelo comportamento do personagem, de algo tido por natural pela crença comum.

Nesse conto hoffmaniano, o duplo é apens mencionado como uma hipótese, no entanto, enigmática à recepção, porque trata-se da hipótese da identidade do antagonista do jovem ser o mesmo da sua infância. O que a noiva racionalista do rapaz trata de negar como hipótese válida não é portanto que o feitceiro da infância do rapaz tenha um duplo, mas de que o homem que o obseda atualmente seja esse duplo enquanto o mesmo feiticeiro da infância do rapaz, para ela sendo apenas outra pessoa sem vínculo com o antagonista da infância, vinculo esse devido apenas à imaginação exacerbada ou fraqueza psicológica do rapaz que ela o admoesta a abandonar. Inversamente, toda a trama parece conspirar para que a recepção apreenda o antagonista como duplo/mesmo da infância, no entanto isso permanece não-decidível.


Há aqui um apelo mais nítido da literatura do duplo romântica ao que será a literatura do tipo, realista. Se era a mesma pessoa ou não, em todo caso sem dúvida é a mesma feitiçaria. A qual  implica, nesse conto,  a inexorável desdefinição/duplicação da identidade não só funcionalmente, do feiticeiro, mas disfuncionalmente daquele a quem ele projeta seus prodígios: o pai do rapaz, na infância deste; a fabricação de um autômato que o rapaz confunde com uma moça, na idade adulta; a fabricação de lentes que distorcem a visão. 

sábado, 8 de outubro de 2016

La VERTICAL atrae la HOSTILIDAD y la INCOMPREENSIÓN de MEDIO.

      
MMMiiiiiiiiiii¡¡¡¡¡¡¡¡ Maese (!)

"(...) G. y E. fueron perseguidos por alguien que poseía poderes superiores a los meramente humanos y estos poderes, si bien pudieron influir sobre ellos físicamente, en ningún momento lograron doblegarlos, ni desviarlos del camino que habían iniciado y que se prolongaría por múltiples décadas. Más aun, podemos decir que el testimonio de su vida ratifica su intuición más honda cual es la percepción de la existencia de un intenso y sostenido combate metafísico en el seno de nuestra historia, como una proyección a su vez del que acontece en lo interior de nosotros.(...)"!!!!!!!!!

Sólo con prosodia, una triple batería , he considerado JUSTO Y PERFECTO, expresar el CONTENTO y la SATISFACCIÓN, de los obreros que asisten a la logia, hasta ahora , dispersa o itinerante, del Maestro GHIO, en este 5to libro.
La función de Guénon y Evola  por Marcos Ghio
(Conferencia dictada el pasado 11/08/04 en ocasión de celebrarse la Tercera Semana Guénoniana en la ciudad de Buenos Aires).

Ambos autores, de quienes hoy hablaremos, representan los exponentes principales del pensamiento tradicional alternativo, también llamado tradicionalismo integral, en tanto antitético de la modernidad, pues la niega no tan sólo en accidentes aislados o en aspectos solitarios y parciales, sino en su esencia, en la totalidad de su ser, no encontrando ante la misma ningún tipo de conciliación posible y siendo su consecuencia práctica la realización de una acción que coadyuve hacia su final irreversible. Frente a ello y ante la prolífica obra desarrollada por Evola y Guénon, la que ha abarcado una pluralidad múltiple de aspectos fundamentales relativos a un mismo problema, sea en una labor de crítica como de afirmación de alternativas posibles, la actitud de la modernidad, su enemigo declarado e irreconciliable, ha debido ser de abierta e incondicional hostilidad, acudiendo a una serie de procedimientos concurrentes y disuasorios a fin de que la misma no pudiese ser conocida suficientemente o en caso de hacerse imposible evitarlo, tratar de que lo fuera de manera distorsionada. Digamos también que todos estos procedimientos han sido efectuados y camuflados en el contexto de una muy democrática competencia que ha actuado pregonando una pseudo libertad de prensa que tan sólo difunde aquello que es concordante con el sistema vigente, contando para ello con el potencial de una gran pluralidad de instrumentos. En primer término, gracias al imponente poderío tecnológico desarrollado hoy en día a través de los llamados medios masivos de comunicación, el procedimiento ha sido el de silenciarlos, evitando primeramente que, sea en las universidades, como en restantes ámbitos académicos y científicos, los mismos pudiesen ser conocidos de manera correspondiente y sin matices que trataran de anularlos o hacerlos inofensivos. Y esto aconteció ya en vida de ambos; así pues Guénon pudo ver como su tesis doctoral sobre el pensamiento hindú, texto hoy conocido como “Introducción general al estudio de las doctrinas hindúes”, presentada en su momento en la Sorbona de París, fue víctima de un contundente rechazo por no cumplir con “requisitos científicos de conocimiento” acordes con los cánones propios de la ciencia oficial y moderna, es decir, por no adaptarse a las modas vigentes impuestas totalitariamente por la modernidad y su policía de pensamiento que nos indican aquello que resulta conveniente pensar; lo mismo aconteció con Evola con su monumental tesis de más de 400 páginas, Teoría y Fenomenología del Individuo absoluto, pasada prácticamente inadvertida, a pesar y justamente por destruir y ridiculizar con argumentos irrebatibles y demoledores a los principales popes del idealismo italiano, en ese entonces la filosofía oficial del régimen. Tan sólo a la muerte de ambos autores, gracias a la ímproba tarea emprendida por distintas figuras encargadas de traducir sus obras y difundirlas, a pesar de tal boicot de silencio capcioso e intencionado, lograron abrirse una serie de grietas en el muro de contención y hoy en día, cuando los mismos ya comienzan a ser conocidos en mayor o menor medida, y habiendo aumentado su popularidad en los últimos años, en tanto que todo lo que han dicho y previsto ha sido corroborado en abundancia con pruebas contundentes e inobjetables, la táctica siguiente ha debido ser diferente. Por un lado había que tratar de hacerlos inofensivos, silenciando sus cosas principales, es decir intentando incluirlos, a través de una cierta tarea de adaptación, en la ciencia oficial y admitida, caso que ha sucedido principalmente con G. debido a ciertas características de su obra y de no haber adherido en vida a ningún bando político inconveniente. Por el otro, justamente en función de silenciar tales aspectos conflictivos hacia la modernidad vigente, es decir aquello que representa lo principal en la obra de ambos, tratar de confrontarlos entre sí, poniendo un acento exagerado en ciertas discrepancias que pudieron haber tenido en vida; tarea ésta de la cual lamentablemente no han podido escapar algunos autores tradicionales, especialmente guénonianos de estricta observancia, que se han encargado de resaltar tales diferencias hasta límites insólitos, descartando sin más a Evola al que se ha llegado incluso a calificar como anti-iniciático o luciférico, pasando de este modo sin darse cuenta a hacer un mismo coro con el sistema.

Dichos autores, en su sectarismo y cerrazón, tal como hemos demostrado en otra oportunidad (1), le hacen el juego a la modernidad, la cual no es meramente una cosa que hay que estudiar o investigar, sino una verdadera anomalía y enfermedad que hay que combatir, a riesgo de que, en caso contrario, se termine colaborando con su obra deletérea y expansiva, ante la cual, como veremos, sólo cabe una terapia. Digamos pues que estas diferencias entre ambos, que en verdad han existido, son en última instancia secundarias en relación al conjunto de su doctrina y que su estereotipación exasperada sirve únicamente para escindir un bloque sólido y necesario de pensamiento alternativo que en los tiempos actuales necesita constituirse a través de la armonización entre las grandes intuiciones que tuvieran ambos autores en vida. La doctrina tradicional alternativa e integral exige en nuestros días, más que una simple coherencia lógica en el plano de la formulación de los principios, cuyo énfasis excesivo conduce a una actitud meramente escolástica y sectaria, muchas veces puramente verbalista y por lo tanto inofensiva, una confluencia necesaria entre lo expresado por tales autores, los cuales, en tanto representan ecuaciones existenciales diferentes y hasta antitéticas en algunos aspectos, por lo tanto han formulado los mismos principios con léxicos variados, acentuando así de una misma problemática un aspecto distinto a fin de poder hacerla accesible a espíritus dispares y aplicando consecuentemente tácticas disímiles en la acción emprendida para rectificar el rumbo descendente de la historia.

Ante tal cuestión representa pues para nosotros un deber fundamental, en vez de la actitud antes aludida, la de tratar de contestar a las siguientes preguntas: ¿Cuál es la semejanza esencial entre ambos autores? Y también ¿Cuál es el meollo común que unifica a estos dos pensamientos? Al respecto digamos previamente que, si bien la Tradición es una, múltiples son las maneras por las cuales ésta se expresa históricamente. Así como a nivel religioso sostenemos que las religiones son caminos distintos para alcanzar la divinidad, que es una, y los mismos se adaptan a la idiosincrasia de cada pueblo o cultura permitiendo así, a través de su especificidad propia, acceder a una misma meta trascendente, del mismo modo guenonismo y evolianismo son modalidades diferentes de ser por las cuales, en este mundo moderno y en ruinas, se accede a la dimensión metafísica hoy vedada al común de las personas. Y a su vez la vida y acción de cada exponente de la Tradición, y no meramente su exposición doctrinaria, es lo que representa un camino que nos induce a pensar, desde perspectivas distintas, en los grandes problemas que plantea tal escuela.

Hecha esta primera e indispensable advertencia, Evola nos dice que el proceso de la subversión moderna, movimiento por el cual se intentan destruir los caracteres tradicionales de las distintas sociedades, exige referirse a una trama mucho más vasta de fuerzas ocultas y pervertidoras, que nosotros hasta nos inclinamos a no limitar a elementos puramente humanos. De este modo si por un lado él percibe que por detrás del la modernidad ostensible se encuentra la existencia de una intencionalidad oculta, de una acción que se desarrolla por detrás de los bastidores del acontecer histórico para conducirlo hacia una meta fijada con antelación, él piensa también que el origen último de la misma en el fondo no es humano.


Pues bien ¿cuál es la sustancia última de este elemento misterioso que actúa en el trasfondo histórico de la modernidad?. La profundización de esta temática compleja que trataremos de revelar aquí nos remite forzosamente a un hecho personal acontecido en la vida de Evola, de capitales consecuencias para su futuro, y es el relativo al accidente que él sufriera en la ciudad de Viena, ya finalizando la contienda bélica de 1945, justo en el momento en el que revisaba un pormenorizado archivo requisado por la policía, referente al accionar en el mundo de ciertas sociedades secretas y a partir del cual, debido a su importancia significativa, tenía pensado elaborar una obra esencial que se habría titulado Historia secreta de las sociedades secretas. Si tuviésemos que ubicarnos en la circunstancia que viviera en ese momento clave y decisivo de su existencia debemos suponer que en ese instante se hallaba tremendamente asombrado por lo que estaba leyendo y por los increíbles descubrimientos que venía realizando, los que le estaban develando quizás la naturaleza de este enemigo no-humano del cual él venía desde hace tiempo siguiendo sus rastros, por lo que con seguridad no debe haber alcanzado a oír la alarma que anunciaba la inminencia de un extraño e imprevisto bombardeo en una ciudad que, debido a su escasa importancia estratégica, había sido ahorrada por tales trágicos eventos y que además se hallaba prácticamente a punto de ser ocupada, justamente en el final mismo de la contienda. Sin embargo ni el fragor, ni la cercanía con la que las bombas se incrustaban por las calles aledañas a su despacho, buscando con insistencia un determinado objetivo, lo impulsaron a retirarse hacia un refugio seguro. La explicación que Evola nos dará luego en El camino del cinabrio respecto del por qué no se fue de allí para guarecerse resulta sumamente poco creíble. Creemos más bien que el asombro por lo descubierto fue lo que lo dejó paralizado y ensimismado en sus pensamientos por lo que le resultaba imposible abandonar la lectura. Minutos más tarde su edificio es alcanzado en pleno por una de las bombas y un pesado anaquel, repleto de libros, caerá entonces sobre el cuerpo de Evola produciéndole un daño físico irreparable. Despertará al día siguiente en el hospital con la columna fracturada y una consecuente parálisis de la cintura por debajo de su cuerpo que lo acompañará hasta el final de sus días. ¿Pero cuál había sido el descubrimiento realizado por Evola y qué decían esos archivos secretos que estaba develando en ese instante? Eso es algo que nuestro autor se habrá llevado consigo a la tumba, ya que nunca más volverá a tratar ese tema y el aludido libro nunca se llegará a escribir.

Sin embargo nosotros intentaremos develar aunque sea parcialmente el meollo de dicho problema justamente acudiendo a la figura del otro gran maestro de la Tradición, R. Guénon, pues, tal como dijéramos, ambos se complementan recíprocamente y acuden en ayuda el uno del otro cuando cierto aspecto de su cuerpo doctrinario resulta poco comprensible. Acotemos también que ambos venían desarrollando desde hacía unos veinte años una muy prolífica correspondencia. Y al respecto es bueno resaltar aquí que quienes quieren confrontar a estas dos figuras suelen decirnos que sus cartas fueron en cambio ocasionales y muy escasas; todo lo contrario, su intercambio se remontó hasta la muerte misma del francés, habiendo sido interrumpida tan sólo por la guerra y el aludido accidente del primero. Justamente en una de estas esquelas notamos cómo E., tras haberle narrado tal insólito hecho a G., éste le manifiesta la posibilidad expresa de que el mismo pudiese haber sido inducido por fuerzas ocultas y oscuras con ciertas posibilidades de acción que escapan a lo que suele considerarse como lo meramente normal. Es decir, posiblemente por ese enemigo no-humano que Evola había denunciado en obras anteriores. Y al respecto, para ratificar tal idea, nos relata cómo también a él le había acontecido una misteriosa parálisis en la totalidad de su cuerpo que lo dejó postrado por varios días sin poder moverse siquiera, pero que ese inconveniente pudo ser eliminado justamente en el momento en el cual se hizo desaparecer a una determinada persona que, habiéndose acercado al círculo íntimo del autor, actuaba mágicamente sobre el mismo. También le relató que en otra circunstancia similar había circulado por Egipto, lugar donde G. se encontraba, un abogado que intentaba infructuosamente hacerse con una foto de nuestro pensador (2). Las razones de tal hecho son fácilmente imaginables. Y ante la pregunta de E. respecto de cómo podía ser que una persona de espiritualidad altísima como G. pudiese ser afectada por tales poderes maléficos y ocultos, éste le recuerda que en su asedio los mismos pueden atacar tan sólo físicamente a quienes se han elevado a una dimensión superior pues les está absolutamente vedada la esfera espiritual. Al mismo Mahoma, nos recuerda, le fueron infligidos en vida terribles dolores por parte de estos adversarios.

Ahora bien, ¿cuáles son las razones de esta persecución a la que alude G. y a la que han sido sometidos ambos autores en vida? Porque es a partir de aquí, a través del relato de esta breve anécdota, y no en el contraste entre determinadas formulaciones doctrinarias, en donde podemos encontrar la estrecha vinculación que existe entre los dos. Una cosa nos resulta clara: G. y E. fueron perseguidos por alguien que poseía poderes superiores a los meramente humanos y estos poderes, si bien pudieron influir sobre ellos físicamente, en ningún momento lograron doblegarlos, ni desviarlos del camino que habían iniciado y que se prolongaría por múltiples décadas. Más aun, podemos decir que el testimonio de su vida ratifica su intuición más honda cual es la percepción de la existencia de un intenso y sostenido combate metafísico en el seno de nuestra historia, como una proyección a su vez del que acontece en lo interior de nosotros. El mismo acaece sin que el común de las personas tenga noticia alguna, sucediendo habitualmente que éstas vivan y mueran sin siquiera sospecharlo mínimamente. Pero aclaremos en qué consiste este asedio y sobre quienes en cambio el mismo tiene sin duda alguna éxito. Dicho combate metafísico está formulado como trasfondo en todas las grandes religiones cuando nos hablan de una lucha incesante entre fuerzas del cosmos y del caos, del bien y del mal, y si tuviésemos que expresarnos con categorías propias de los autores mencionados, entre tradición y modernidad, es decir entre quienes sostienen un orden sustentado en valores espirituales y perennes, por un lado, y aquellos que en cambio se afincan en lo que siempre cambia, en lo que es tiempo y materia, es decir en aquello que, en tanto es incesante mutación y devenir, en realidad en el fondo no es, representando en última instancia una mera ilusión.

Pero además es indispensable que, para que muchos sean victimas de tal sugestión en que se asienta la modernidad, se haya inculcado previamente en forma colectiva el verdadero absurdo de que el espíritu, esto es, lo que es permanente y eterno, aquello que representa la única realidad verdadera, es en cambio lo que no existe en manera alguna, y que lo único que en vez posee realidad es el devenir y no el ser. De este modo, al extirparse en el hombre la percepción de aquello que es verdadero, consecuentemente también se lo priva de su esencia más íntima cual es la libertad convirtiéndoselo así en un mero objeto o parte de un proceso que lo conduce ilimitadamente a lo largo de toda su vida y sin sentido alguno que lo trascienda, como incluido en una ciega voluntad irracional de vivir que siempre lo juega y se le sobrepone incesantemente. E incluso se llega hasta el absurdo de confundirse lo que es la libertad, que es lo propio del espíritu, con ese mismo ciego e irracional sumergirse en la vorágine tumultuosa de este mundo del devenir y de la mera “vida” que siempre transcurre y fluye. El hombre producto, el hombre en serie, el animal social, tal es pues la meta de dichos poderes ocultos.

Nos preguntamos seguidamente ¿Cuál es la táctica principal que se ha adoptado para obtener esta degradación y anomalía en el hombre? Ello acontece sembrando en el seno de las sociedades humanas un conjunto de sofismas y falsificaciones, pero a sabiendas de que lo son. De este modo tales poderes se aseguran el objetivo central cual es el de destruirlas y de esta manera destruir también en el hombre su naturaleza espiritual y libre, cual es su capacidad de discernimiento y asombro, para convertirlo en cambio en un esclavo, en un ser dependiente e insuficiente que siempre necesita de otro para ser. Un ejemplo ostensible de lo que aquí decimos lo tenemos en nuestros días y al alcance de cualquiera mínimamente advertido cuando, a nivel económico por ejemplo, un organismo como el FMI nos acaba de reconocer, ya cuando la evidencia golpea a las puertas de una manera harto ostensible y más de la mitad de la población de un país de incalculable pluralidad de recursos vive por debajo del índice de pobreza, que sus políticas económicas “sugeridas” (eufemismo para no decirnos impuestas) fueron rotundos fracasos. Sin embargo se cuida de decirnos que ya lo sabían en el momento en que las “sugerían” y, más aun, ellos fueron los encargados también de hacernos creer en la seriedad y “cientificidad” de las mismas a través de verdaderas puestas en escena por las que se ensalzaba hasta límites inverosímiles a todos nuestros ministros gestores de tales fracasos (el mago de hoz fue por ejemplo el apelativo elogioso que recibiera el ministro Martínez de Hoz, el gran milagro argentino fueron así llamados tanto el plan austral como la convertibilidad de Cavallo, etc.). Y en función de ello también varios premios nobeles, al servicio de tales poderes ocultos, que entre sí se premian para emitir imágenes de seriedad, venían a nuestras tierras con la expresa finalidad de ratificarlos, dándole así un viso de eficiencia a lo ensayado, en modo tal de inculcarnos la idea respecto de la infalibilidad del proyecto y ridiculizando así cualquier posibilidad de oponerse al mismo, a pesar de todas las evidencias, lo cual era equivalente a pecar de desinformado y estúpido. Es decir, la imagen fabricada, el miedo al ridículo eran los sustitutos de esa realidad humana esencial que es la libertad de pensar y de expresar el propio discernimiento. Tales lavados de cerebro son pues posibles en un universo en el cual a las personas se les ha suprimido previamente la esfera propia del espíritu. Amputada tal dimensión en el hombre, siendo negada su existencia y comprendido el ser humano como un mero compuesto de cuerpo y alma, y a su vez reducida ésta, a través de sugestiones tales como el conductismo o el psicoanálisis, a mero juguete de lo corpóreo o del inconsciente instintivo, será posible luego manejarlo a través de actos reflejos y condicionados como podría acontecer con una simple marioneta o con el perrito de Pavlov ensayado en laboratorio, jugando en todo este contexto un rol decisivo e imprescindible en tal tarea de reblandecimiento ese aparatejo maldito cual es la televisión. Claro que los únicos que no pueden ser determinados por tales lavados de cerebro colectivo son aquellos seres minoritarios en los cuales aun subsiste el espíritu y especialmente quienes, en función de tal dimensión superior a la que han accedido, han sido capaces de ordenar hacia el mismo la propia existencia. Para evitar que éstos puedan en algún momento despertar al hombre del letargo en que se encuentra y de este modo echar a perder así el plan diabólico tan prolijamente pergeñado es que van dirigidos los procedimientos especiales antes aludidos consistentes en lo que se conoce habitualmente como magianegra.

Ahora bien, volvamos a la figura de G. que es quien, por lo que hemos visto, había tenido una visión más precisa respecto de las causas de tal asedio, justamente por haber frecuentado en mayor medida que E. ciertos círculos secretos en los cuales tales poderes solían organizarse y recabar sus procedimientos de acción. Se trataba de grupos en los cuales, junto a una pretendida evocación de fenómenos espirituales, acontecía en manera ilícita también la de aquellos que en cambio se referían a regiones más oscuras y bajas de la conciencia humana, aquello que, para hacerlo comprensible al gran público, sería el equivalente a lo que el psicoanálisis ha denominado como el inconsciente, o que la teología católica califica como preternaturales, en tanto situados en una esfera intermedia entre lo natural y lo sobrenatural, y que el esoterismo señala a su vez como las regiones intermedias o ínferas del yo, que se encuentran ubicadas entre la conciencia psicológica racional y la supraconciencia espiritual, entre el tiempo y la eternidad. Nos referimos al accionar de sectores que, amparados en la estructura de organizaciones que de espiritual tienen tan sólo la cáscara, mezclaban ilícitamente estas dos esferas, es decir, los que confundían lo que es propiamente espiritual con lo que en cambio es preternatural, en tanto pertenecientes a las regiones ínferas e intermedias del yo. G. vivió un largo asedio por parte de los mismos, del que hablaremos seguidamente.

Retrocedamos pues en su biografía a la primera época del Guénon joven, al período que abarca entre los años 1908 y 1928, momento en el cual, antes de su ida definitiva a Egipto, nuestro autor frecuentó sucesivamente distintas instituciones de reconocido carácter pseudo-iniciático, es decir de aquellas que, tomando categorías tradicionales válidas, como la magia o la iniciación, las mezclaban y confundían con las pertenecientes al orden moderno de la materia, tales como la Iglesia gnóstica así como la Orden del Templo Renovado (que estaba inscripta en una logia masónica irregular de origen español llamada Humanidad) y otros grupos del mismo tenor vinculados con el teosofismo y el ocultismo. Luego de una participación activa en tales estructuras, saldrá de todas ellas de manera conflictiva y se granjeará una serie de enemigos irreconciliables. Debido a lo secreto de tales actividades, ignoramos con certeza cuáles fueron las causas de dichos inconvenientes, pero lo que con seguridad conocemos son las consecuencias que el autor sacó de este importante período de su vida, las que han sido formuladas en una serie de obras magistrales en las cuales separó las aguas entre lo que era una autentica espiritualidad de lo que en cambio significaba una parodia de la misma, a través de la intromisión de elementos modernos en el seno de disciplinas tradicionales. Así fue como, del accionar de tal periodo, surgieron El teosofismo, historia de una pseudo-religión, El error espiritista, y finalmente una obra esencial sobre la Masonería en la cual diferenciaba lo que era una masonería operativa, vinculada al saber iniciático y tradicional, de lo que en cambio había sido su desviación en el siglo XVIII con la creación de la masonería especulativa, de neto corte moderno. En el trabajo sobre el teosofismo se dedicará principalmente a destruir la creencia principal en que se fundaba tal pseudo-espiritualidad, la doctrina de la reencarnación, falsamente atribuida al Oriente; y en la obra sobre el espiritismo tratará de demostrar que lo que los espiritistas pretendían señalar como espíritu eran nada más que residuos psíquicos cadavéricos en espera de la segunda muerte y simultáneamente varios de ellos a la búsqueda de un cuerpo, en este caso los médium, sobre el cual descargarse.

Es indudable que una obra de semejante envergadura, que develaba una trama de infiltraciones y falsificaciones en el seno mismo de lo que debería haber sido la guardia celosa del saber tradicional e iniciático, efectuando en cambio mezclas espurias, debía generar conflictos adentro de tales estructuras, entre las cuales no estuvo ajena la misma Iglesia católica oficial, en especial a través de la figura de Maritain, expresión ostensible del sector modernista que desdeñaba todo tipo de esoterismo, del mismo modo que otro sector conservador, en apariencias antagónico al primero, que, anidado en una revista especializada en la caza de masones y ocultistas, la RISS (Revista de investigación sobre las sociedades secretas), ponía a todos en una misma bolsa aunque emprendiéndola de manera especial y llamativa en contra de Guénon, soslayando sus críticas a todas estas vertientes pseudo-iniciáticas y su colaboración estrecha con revistas católicas tradicionalistas como Regnabit.

Pero henos aquí aparecer otra semejanza con E.. También este último había elaborado un par de obras críticas hacia tales sectores seudo-espirituales, en especial luego de su actuación en el Grupo de Ur, grupo iniciático y tradicional, con la finalidad él también de separar aguas. El espiritismo y el teosofismo entre otros aparecerán criticados en Máscara y rostro del espiritualismo contemporáneo, en el cual también se incluía el Psicoanálisis y, a diferencia de G., también elaborará una obra de crítica al modernismo cristiano güelfo que es su monumental Imperialismo pagano. Sin embargo en todos estos textos, sea de E. como de G., quedará flotando siempre la idea de la existencia de un enemigo no-humano del que apenas existen alusiones, pero nunca una obra exhaustiva que lo demuela y delate definitivamente. Y será quizás el francés quien tendrá una mayor precisión en señalarlo; tal era el que se expresaba bajo la forma de una organización muy peculiar denominada el ocultismo. El mismo está aludido expresamente en su obra El reino de la cantidad cuando hace mención al factor demoníaco anticrístico, representado por lo que él llama la contrainiciación. ¿Qué es lo que la caracteriza? Representa en manera aviesa y conciente el espíritu de la confusión y de la mezcla y es el que campea en todas las desviaciones anteriormente mentadas, pero de manera expresa y deliberada; es aquello que teológicamente se conoce como el satanismo. Es decir que, mientras que en los casos anteriores la confusión es el producto de una ignorancia, aquí nuevamente ello se lo hace pero a sabiendas de que se confunde. Así pues el reencarnacionismo por ejemplo introduce en el seno de la espiritualidad algo que en cambio es propio de ciertas disciplinas del ámbito de las ciencias profanas, la teoría del progreso o de la evolución, por la cual todo acontecimiento va necesariamente de lo que es menos a lo que es más, de lo que es peor a lo que es mejor. He aquí pues una primera confusión. El espiritismo lo es en tanto confunde lo espiritual con lo psíquico tomando a su vez de éste a la zona más baja relativa al inconsciente irracional, tal como el psicoanálisis en sus diferentes vertientes en un nivel científico y académico. El ocultismo representa pues el paso más audaz y peligroso dirigido esta vez al núcleo mismo de la Tradición. Utiliza procedimientos propios de la ciencia sagrada, sus ritos mágicos, pero con una finalidad no espiritual, sino a la inversa, al servicio de la materia, del mero instinto de poder y de dominio. Y ésta es la mayor de las perversiones. Justamente su nombre mismo indica su carácter secreto y misterioso. Significa la inversión de los ritos, la utilización de fuerzas que en algún momento fueron superiores, pero desviadas con una finalidad espuria y destructiva. Su instrumento es principalmente la magia, pero no la blanca comprendida como metafísica práctica, como posibilidad iniciática de acceder a las cumbres más elevadas del espíritu, sino a la inversa la luciférica y negra. Ya hablaremos de quiénes se trata.

Desbaratar la trama principal de esta subversión no humana era la meta última que tenía proyectado G. desde dentro de tales cuevas de la Contrainiciación cuyos secretos él había ido develando en una ardua tarea de esclarecimiento, de lo cual son fruto no sólo las obras antes aludidas, sino unos 350 artículos que compondrán luego distintos libros recopilados después de su muerte. Más aun, hasta ha habido algunos que han llegado a decir, sin que lo podamos corroborar expresamente, que la tarea de G. fue de infiltración efectuada para desactivar y delatar a tales grupos. Toda esta labor abnegada habría de converger hacia una obra definitiva de develamiento, similar a la que iba a emprender E. con las sociedades secretas y que se tendría que haber llamado El error ocultista, la cual debía develar la clave última y decisiva que se escondía en el trasfondo no-humano del movimiento moderno. Pero he aquí que, de la misma manera que con la redacción de la primera, coartada luego de un misterioso bombardeo, tales poderes actúan también sobre G. impidiendo de manera semejante la consumación de la misma con las revelaciones que habrían de asombrar al mundo entero. Una serie de inconvenientes personales repercuten decididamente en su persona, invadiendo hasta su vida privada más íntima. Tras una llamativa persecución partida desde una serie de revistas en apariencias discrepantes como la aludida RISS y otras pertenecientes al ámbito del teosofismo, es decir desde sectores católicos güelfos hasta decididamente ocultistas, se le asocia un también curioso sucederse de desgracias personales que inducen a pensar en una verdadera y propia acción de maleficio. En un lapso de muy pocos meses desaparece toda su familia. Su esposa muere de un repentino derrame cerebral, así como una hija adoptiva que venía criando desde la infancia le es retirada la guarda por parte de su madre originaria. Y en ese mismo período también como por arte de magia todas las puertas laborales se le cierran. Y entonces es que sobreviene su ida a Egipto, lo cual no nos cabe duda alguna de que se trató de un exilio forzoso determinado por la antes aludida persecución, semejante a la padecida por E.. ¿Pero por qué elegirá Egipto? Trataremos de develarlo seguidamente.

Llegamos así a la pregunta decisiva. ¿Quiénes y qué cosa representan estos individuos? ¿Cuál era trasfondo oculto que había que esconder a cualquier precio, sin reparar en medio de acción ofensiva? Jean Robin, un autor que en lo esencial de su obra puede encuadrarse entre aquellos que E. en vida describiera como escolásticos guénonianos, es decir entre quienes se han preocupado por resaltar las diferencias entre los dos autores que aquí comentamos, en una obra de singular valor, que en castellano se titularía René Guénon, testigo de la Tradición, nos da los nombres completos de sus perseguidores, los que no reproducimos aquí por carecer de importancia respecto al tema a tratar. Sin embargo es interesante resaltar la hipótesis que él baraja en relación al origen que habría tenido su iniciación, es decir, de dónde habría provenido el aprendizaje de sus prácticas de magia negra por el cual les resultaba indispensable mantener oculto su secreto. Él está convencido de que todas ellas derivan de una civilización perdida, fenecida en el más remoto pasado a causa de una corrupción y posterior decadencia. Es decir de una civilización que, tradicional en sus orígenes, en tanto desviada luego de su rumbo espiritual, puso al servicio de fuerzas impuras todo el elemento ritual y mágico que poseía. Acotemos aquí que, a diferencia de la cosmovisión moderna por la que se sostiene que la actual humanidad desciende del animal, el esoterismo considera, a partir de concordancias habidas en los textos sagrados de las principales religiones y de filósofos de la antigüedad, el origen divino de la especie humana, siendo en cambio la humanidad actual, en vez del producto de un progreso, el de una decadencia acontecida por un desvío o una mezcla. Así pues, de acuerdo a tal convicción, Robin cree hallar tal origen en la Atlántida. Tal civilización, de la cual nos hablan diferentes tradiciones y pensadores, entre los cuales Platón, y que correspondería al período histórico conocido como la Edad de plata, decae y sucumbe luego de una profunda decadencia por la cual sus integrantes se mezclan con seres de origen animal. Es en efecto Platón quien nos dice en el Critias refiriéndose a la decadencia de la Atlántida: “Pero cuando el elemento divino se fue extinguiendo en los atlantídeos, mezclándose cada vez más con el transcurso del tiempo con el elemento mortal y prevaleciendo éste en el elemento humano, entonces, al no saber equilibrar más la propia prosperidad, degeneraron.... Pero el dios de los dioses, Zeus, quien gobierna según la leyes, al poder juzgar tal situación y al comprender cómo degeneraba miserablemente tal estirpe, que en un determinado momento fue espléndida, quiso imponerle un castigo a fin de hacerla volver hacia los justos límites gracias a la lección que habría de infligirle” (121, b-c). Y esto mismo según Guénon se vincula con el diluvio bíblico que correspondería también a la caída de la Atlántida, hecho por lo demás testimoniado por otras tradiciones, todas las cuales convergen en narrar un mismo acontecimiento extraordinario. Ahora bien, siguiendo con lo referente al lugar elegido por G. para su exilio, nos preguntamos seguidamente: ¿en dónde se encontraba la Atlántida? Nuevamente leyéndolo a Platón encontramos la siguiente indicación: “En la isla de Atlántida se había formado una gran potencia regia; la misma dominaba toda la isla, pero también a otras islas y partes del continente (aquí sin lugar a dudas se refiere al continente americano con las civilizaciones maya y tolteca, y sus herederas posteriores los aztecas y los incas); además de éstas también de este lado del estrecho (es decir el de Gibraltar, denominado en ese entonces las Columnas de Hércules), ellos reinaban desde Libia hasta Egipto, y en Europa hasta Tirrenia (que es la provincia Etrusca de Italia Occidental)” (Timeo, 25 a-b). Vemos pues cómo, de acuerdo a tal indicación conocida y revelada a Platón en sus viajes, Egipto, por su ubicación geográfica, constituía un receptáculo privilegiado para la herencia atlantídea, sea en sus aspectos positivos, como negativos. Nos vamos de este modo aproximando al esclarecimiento del por qué G. elige justamente Egipto para instalarse. Pero ¿qué es lo que allí descubre? Su caracterización no puede haber sido más lapidaria. “Hoy en día la única cosa que subsiste del Egipto antiguo es una forma de magia muy peligrosa y de un orden sumamente bajo; la misma se vincula a los misterios del famoso dios con cabeza de asno, el cual no es otro que Set o Tifón. Ésta ha alcanzado un grado de mayor degradación en ciertas regiones de Sudán, en donde acontecen cosas realmente extraordinarias. Por ejemplo parece que allí exista una región en la cual todos sus habitantes, cerca de veinte mil, poseen la facultad de asumir durante la noche semblanzas de animales; hasta se ha llegado al extremo de tener que cercar el lugar a fin de impedir que éstos pudiesen salir para efectuar incursiones, durante las cuales hasta llegaban a devorar a seres humanos. Supe de una persona de mi más plena confianza que al haber empleado como doméstica a un alguien de este pueblo tuvo que despedirla inmediatamente al notar tales anomalías” (carta del 22-04-32). De acuerdo a la analogía que existe entre las grandes religiones, en la egipcia, Set cumple una función similar a la de Caín en la Biblia. Así como éste mata a Abel, que expresa el principio divino, Set hace lo mismo con Osiris, representando pues ambos, Caín y Set, los principios impuros de la decadencia y el materialismo.

En su lucha incondicional en contra del enemigo moderno G. había pues arribado a su origen mismo, a la cuna en donde se inspiraba el elemento no humano del mismo contra el que combatía. Egipto pues representaba, en el momento de su arribo, el centro principal de la Contrainiciación y habría sido por tal razón que él habría decidido establecerse en tal territorio. Fue entonces para llevar a cabo la lucha en contra los adoradores de Set, el dios de cabeza de asno, símbolo de la Contrainiciación, por lo tanto el principal adversario de la iniciación y tradición, que G. arribará a su cuna misma, en Egipto a fin de poder develar el gran secreto. Pero sobrellevar este combate le significará una serie sucesiva de nuevos inconvenientes narrados siempre por Robin, los que se le suman a los que le relatara a E.. Vayamos a algunos casos concretos. Un día G., presagiando un ataque, había salido de su casa para evitarlo. Pero al regresar en compañía de un amigo, constataron que uno de los vidrios de su estudio estaba hecho pedazos, como si se le hubiese lanzado un pesado objeto, pero con esta particularidad, que los trozos de vidrio se encontraban, no adentro de la casa, sino afuera en el umbral de la ventana. Otras veces los ataques se materializaron bajo la forma de animales negros, cosa ésta que nos remite justamente a los misterios tifonianos. En una carta a un amigo, quien también sufriera tales inconvenientes, de abril de 1932, G. vinculaba expresamente tales ataques con el dios de cabeza de asno. “Reputo que éste sea el verdadero centro de todas las cosas maléficas de las cuales Ud. conoce su existencia. Me he podido dar cuenta de que en ciertos ritos se emplea la sangre de animales negros.” Y agregaba en otra carta del 22 de mayo: “Una vez he padecido el ataque de un oso.. habiéndome permanecido por un tiempo la marca de una mordida en el cuello”. Ahora bien la sangre de los animales negros era utilizada en la magia sethiana, tal como lo certifica entre otros aquel papiro mágico en el que se representa un cráneo de asno denominado Tyfonos Cranion y trazado con la sangre de un perro negro. Pero nada de todo esto padecido era en valor equivalente a la obra victoriosa por él emprendida, la de haber sido capaz de arribar hasta las fuentes últimas de la subversión moderna, esto es, al centro energético y geográfico en el que se nutre el enemigo no humano.

He aquí pues develado el misterio del que E. y G. nos hablaban, aunque nunca pudieron llegar a escribir una obra completa y exhaustiva sobre el mismo, por más que fueron sí capaces de aproximársele hasta su guarida más secreta, ayudándonos de este modo a revelar su esencia más íntima. Y he aquí pues la clave para responder al secreto que Evola nos mencionaba en su introducción a los Protocolos. Una fuerza maléfica y anti humana campea por la historia para conducirla hacia un rumbo de destrucción; fuerza universal que nada ahorra, llegando hasta la utilización de medios mágicos pertinentes de los que nuestros autores por su existencia han sido claros testigos.

Y para finalizar nos preguntamos ¿Es que en la República Argentina hemos estado ajenos a este combate metafísico? ¿No ha actuado también en nuestro suelo el enemigo no-humano que combatieran al unísono los dos grandes maestros? Vayamos para concluir a un par de detalles de nuestra historia más reciente que nos indican tal accionar. Fue en 1983, en vísperas de inaugurarse una era de profunda decadencia, que en nuestros días campea con su mayor vigor, cuando en un billete de cinco pesos apareció, justo en el reverso de nuestro monumento a la bandera, la efigie de un diablo con horquilla, junto a tres seis graficados en la cabeza de nuestro prócer principal, una tiara papal invertida y varios machos cabríos apuntando hacia la misma. Era éste un rito propiciatorio a fin de acelerar los tiempos de nuestra destrucción. Luego de este rito nuestra moneda fue devaluada en trece millones respecto de su valor originario, nuestra deuda alcanzó límites inauditos, la pobreza y la miseria arribaron a extremos jamás concebidos para un país rico con capacidades de alimentar al mundo entero. Luego en 1987 acontecieron en cambio sucesivamente tres ritos evocatorios ejecutados con precisión durante tres meses consecutivos. Se serrucharon las manos del general Perón un 28 de junio, se asesinó y desangró a un periodista de orientación patriótica un nueve de julio y un 17 de agosto, fecha evocativa del mismo prócer que ornaba antes a nuestros billetes, nuestro obelisco, centro energético de la república, será simbólicamente circuncidado (se dice que con la sangre de tal periodista). Las secuelas de tales actos no precisan explicarse, la realidad con su crudeza nos habla por sí misma. Y podríamos considerarnos privilegiados y como testigos de un destino significativo por el hecho de que estas cosas sucedan o puedan ser percibidas hoy en día solamente en estas tierras a las cuales los adoradores del dios con cabeza de asno le han reservado una atención muy especial. Pero fracasarán. A pesar de sus esmeros y ritos contrainiciáticos, la enseñanza de los dos grandes maestros permitirá romper la madeja impenetrable que nos han armado. Es por ello que reputamos como un signo esperanzador el hecho de que, a pesar de todos los males que vivimos, haya sido también este país el único en el mundo en realizar por tres años consecutivos estas jornadas de evocación de René Guénon, nada menos que en una sede del Congreso de la Nación y que también haya sido el único en el cual exista, y desde hace varios años, un Centro de Estudios Evolianos, el que tengo el orgullo de presidir.

NOTA:


(1) Conferencia dictada en el 2001 en ocasión de recordarse los cincuenta años del fallecimiento de R. Guénon. La misma ha sido editada como apéndice en la obra de J. Evola, René Guénon, un maestro de los tiempos últimos. Ed. Heracles, Buenos Aires, 2001.