segunda-feira, 31 de outubro de 2016

E aí que por todos os lados fervilha o teatro.

Eliane Colchetes

É certo que Artaud acentua ainda o aspecto estilístico. Assim, para Brueghel, ele acenteua "um clarão torrencial e vermelho, embora localizado em certas partes da tela" que "parece surgir de todos os lados e, através de um certo procedimento técnico, bloquear a um metro da tela o olho perplexo do espectador. E aí que por todos os lados fervilha o teatro".

Com efeito, a pintura histórica dos românticos era assim como muito da teoria do teatro de Schlegel, uma valorização de estilos, técnicas e procedimentos que na história da pintura haviam sido desvalorizados desde o classicismo consolidando-se como recusa e preconceito seja do que então se enfeixou sob o antipático rótulo de Idade Média, seja do que foi chamado "barroco. Revaloriza-se, inclusive Shakespeare, mas especialmente o gótico.

Schlegel constroi uma série opositiva: itália-classicismo, como tradição greco-romana idealizada; e alemanha-gótico, o que significa miscigenado e cristão. A posição do barroco se mostra difícil nessa localização como se vê, por exemplo, no tratamento que lhe dispensa Carpeaux na história da literatura, ou pelo fato de sua associação com Espanha versus França e Inglaterra. Carpeaux se ocupa no desfazimento das fronteiras do classicismo e do barroco, mostrando na França aquele como uma simples mudança de tonalidade sobre o que são os aspectos de fato conservados deste.

É nesse ponto de valorização do gótico, em todo caso, que Schlegel define todos os estilos como sistemas autônomos, uma linguagem simbólica auto-constituída, portanto todos igualmente artísticos, o que no entanto vai ser atenuado para o clássico quando se tratar da crítica romântica aos seus pressupostos de ser um cânon universal em comparação com o qual nada mais se pode afirmar cultural ou estético. A mesma noção de sistema esclarece a definição de uma arte, de modo que é por isso que se pode afirmar não existir teatro nos países onde não se praticam os códigos do sistema, o que é figurado exemplarmente em Borges pela ausência da palavra na mente do tradutor.


O neoromantismo do círculo de George instalará efetivamente, como se lê em Heidegger, esse vínculo: nenhuma coisa onde a palavra faltar, o que Heidegger interpreta primeiro como uma ambiguidade. Estaria o eu lírico afirmando a nulidade de objetos quaisquer, ou inversamente, da possibilidade de objetos? Que se trata da possibilidade de coisas, me parece o escopo de Heidegger demonstrar como o originário de que a outra interpretaçaõ seria apenas o derivado. Entre a rejeição da senhora palavra e a essencialidade do termo no sistema, como dois termos não antitéticos mas de mesmo sentido, estaria a chave da conexão do teatro de Artaud àqueles exemplos citados de homens de teatro com soluções bem opostas às suas e no entanto manifestando convergentes preocupações como vimos em Virmaux.

Nenhum comentário:

Postar um comentário