Gualter de Souza Andrade Júnior.
A experiência é poder-ser e isso significa projetar, de modo que, essencialmente, a existência é transcendência, vista por Heidegger como superação. Destarte, para Heidegger, as coisas do mundo são utensílios em função do homem que é projeto. Heidegger emprega importante conceito acerca do dasein que é o ser-no-mundo. O homem, por estar-no-mundo, como existência, poder-ser, projeto, transcendência, significa, originalmente que faz do mundo o projeto de seu agir. “É a transcendência que institui o projeto ou esboço de um mundo: esse é ato de liberdade – aliás, para Heidegger, é a própria liberdade.” Entretanto, nesse ato de liberdade, o homem é limitado pelos utensílios que são o mundo. Portanto, ao se dizer que o homem está-no-mundo, tal fato traduz o cuidado do dasein quanto aos acontecimentos concernentes ao seu projeto, em face de uma realidade-utensílio, que é plataforma de ação. O homem não é espectador inerte do mundo, mas se relaciona com o que nele ocorre de modo a modificá-lo e, por consequência, o dasein modifica-se. No mundo, as coisas são instrumentos, mas podem ser úteis para a composição de um projeto quando compreendidas cientificamente. “[...] O homem compreende uma coisa quando sabe o que fazer dela, do mesmo modo como compreende a si mesmo quando sabe o que pode fazer consigo, isto é, quando sabe o que pode ser”. Heidegger desconstitui a certeza gnosiológica da Idade Moderna de que o conhecimento ocorre no interior da mente e encerra-se nela, centrada na qualidade interior do sujeito, como se fosse mônada, modo originário de compreensão do mundo. Ao contrário, o sujeito é aberto ao conhecimento. Dessa forma, o ser-com-os outros também é existencial, pois não há sujeito individual sem os outros e sem mundo. Assim “[...] como o ser-no-mundo do homem se expressa pelo cuidar das coisas, do mesmo modo o seu ser-com-osoutros se expressa pelo cuidar dos outros [...]”. Diante disso, o sujeito pode optar por dois caminhos: deixar de ocupar-se com os outros ou ajudá-los “[...] a conquistar a liberdade de assumir seus próprios cuidados”. A primeira hipótese denota atitude inautêntica, pois há apenas um estar junto. A segunda traz a compreensão de ação autêntica pelo coexistir. (REALE; ANTISERI, 1990b, p. 583-585).
Em “Ser e Tempo”, Martin Heidegger explica que a
[...] fundamentação dos modos de ser-no-mundo constitutivos do conhecimento de mundo evidencia que, ao conhecer, a presença adquire um novo estado de ser, no tocante ao mundo já sempre descoberto. Esta nova possibilidade de ser pode desenvolver-se autonomamente, pode tornar-se uma tarefa e, como ciência, assumir a direção do ser-no-mundo. Todavia, não é o conhecimento quem cria pela primeira vez um “commercium” do sujeito com um mundo e nem este commercium surge de uma ação exercida pelo mundo sobre o sujeito. Conhecer, ao contrário, é um modo de presença fundado no ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2007, p.109).
quarta-feira, 31 de agosto de 2016
Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 23
A mudança de Lancaster para York fôra agradável o suficiente para que Gisele sentisse uma elevação feliz na região abaixo do umbigo. Eu me perguntava agora o que poderia acontecer caso usássemos curare no decurso de uma de suas crises maníacas agudas ? Mas ela era rápida como um sabujo para pressentir quando haveria companhia feminina por perto. Não era só a campainha da casa de York que a deixava alerta, agora. Era como quando levamos uma cotovelada nas costelas, sabe ? Começa-se a sentir calafrios e só se consegue pensar em enfiar a bunda na privada. E naquela manhã, aquela campainha atingiu minhas tripas em cheio, com um som borbulhante, um som que Gisele conseguira até mesmo farejar. Quando saí do banheiro, vislumbrei uma garota debruçada na janela da sala, me aguardando. Ela fôra enviada pelos sabichões de Nova York para me ajudar a tanger os votos dos negros para dentro de um curral eleitoral onde (segundo ela) eu deveria oferecer um espetáculo de ventriloquismo no mínimo ''inovador''. ----- Mas Giovanna (eu disse) essa gente não aceita minha teoria da ''Vontade dos Céus'' pacificamente; muito menos a dos ''Funcionários sempre inteligentes e as massas sempre burras''. Andaram lendo o Anti-Duhring, de Engels, e seus rostos se converteram em dois tipos execráveis de cartazes ambulantes: ou realistas-banais ou panorâmicos-naifs. Preto no branco: as cores sem pulsões, como ''verossímeis'' demais ou de menos (.) ----, eu disse, enquanto meus passos me levavam até a porta. Sem café até o momento, seguia preso dentro do meu próprio crânio, totalmente lacrado... se não fossem pelos olhos dela, entende ? Mas, uma vez mais, o faro do sabujo não o havia traído. Gisele se plantou no vão da porta que eu abrira para fumar, prematuramente ensandecida pelo ciúme, não demonstrando mais simpatia pela italiana quanto o olho de um caranguejo pendurado na extremidade de um pendúnculo. Não eram os olhos que eu precisava, naquela manhã. Giovanna tinha a mesma altura que ela, e feições tão lindas e agradáveis quanto as suas; mas era recatada, bem formada de corpo, com uma cabeça de cabelos castanhos abundantes e os os olhos mais azuis que eu já vira na vida . Fiz uma mesura quase imperceptível e, mesmo assim, os olhos de Gisele esguicharam como furúnculos estourados que lançam glóbulos de T.in-D para todos os lados e caem no chão da sala reproduzindo horrendas imagens de vingança aleatória. ----- A democracia é cancerosa (Giovanna disse) e a burocracia é o seu câncer; Ela cria raízes no Estado e se expande para reproduzir cada vez mais indivíduos à sua imagem e semelhança, cujas carências a justifiquem. Apenas as Cooperativas conseguem viver desligadas do Estado, esse é o caminho a ser seguido (.) ------, rematou ela, misteriosamente. Como eu precisava daqueles olhos ! Assim que me separei do poderoso abraço possessivo de Gisele, e de todo um conjunto de beijos vaporosos que ela deixou na minha boca com sua ciumenta saliva, arrisquei uma nova mesura na direção de Giovanna. Giovanaa aproximou-se de mim e acrescentou, impassível: ----- Formação de unidades independentes para satisfazer as necessidades de quem colabora para o funcionamento dessas mesmas unidades. A burocracia estatal funciona com base no princípio inverso, ocupando-se de ''inventar necessidades'' que a façam ter sentido. Deus não pára de nos punir por nossos pecados (.) ------, só então percebi que ela estava nervosa. A Itália espetando a Alemanha ? Inenarrável: a conversa avançava como um carro de corrida sobre a multidão densa, organizada de desempregados e trabalhadores pobres da Europa, escoltados pelos Mil de Garibaldi dentro de sua mente. Fiz o que pude para acalma-la: ------ A política de crescimento da Alemanha é baseada no tipo ''empobreça seu vizinho '' e ''culpe a vítima '' quando o trem sair dos trilhos. Quando a demanda geral e o potencial de crescimento estremecerem, culpe a proteção do mercado de trabalho e as políticas públicas dos outros países, e não as reformas estruturais mal direcionadas da União Européia.
K.M.
K.M.
GUIDO SEVERINI: o anti-óbvio.
Obstinação em obter o máximo de consciência do artesanato. Numa época em que projetavam as grandes sombras noturnas do romantismo e, posteriormente, do surrealismo, Severini se afirma como artista diurno, madrugador, vigilante, erudito, pesquisador infatigável programando a própria obra. Trata-se de um apóstolo da mais alta modernidade, inclinado a evitar adesões esternas a teorias divergentes de seu instinto profundo. Instinto este continuamente controlado por um lúcido espírito crítico, severo como seu nome, dirigido por uma constante tensão crítica. Este revolucionário da pintura era no fundo um homem da grande tradição grega-mediterrânea e cristã medieval.
Gentilhomem do grupo futurista durante toda sua mocidade, encarnando a idéia-força do movimento, gerador de civilização, gerador de novos tipo de obras de arte, está na raiz de sua personalidade evitar o que é banal, fácil e óbvio, criando através do futurismo sua dinâmica pessoal. Cedo entretanto sua intuição aumentada pela cultura supera o que há de efêmero e exterior na doutrina. Ao longo do tempo a idéia matriz do movimento subsistirá em suas pesquisas de fôlego, não se podendo desligar seu nome dos de Marinetti, Bála, Carrá; acha-se, portanto, vinculado a uma das fases mais agudas da modernidade: a Primeira Guerra Mundial. Mas o forte espírito polêmico e destruidor evolui para uma solução do conflito entre '' a existencialidade das coisas e a independência reivindicada pela arte''.
Altíssimo conceito da missão da arte, do indissolúvel caráter poético de toda criação autêntica. Ele foi levado a estudar não só as obras, mas todas as teorias do mestres antigos, medievais e modernos, por isso sobressai entre seus contemporâneos, como sinônimo refinamento e alquimia. Isso ajudou-o a fundar suas próprias teorias, todas firmadas em livros que hoje constituem depoimentos importantes do espírito crítico e elucidador de sua época e da nossa. Severini sempre soube que a verdadeira obra de arte derivava de uma série de operações de infinita complexidade, não podendo portanto aceitar as limitações de ordem puramente sensorial, que põem o artista no mesmo nível do ''chapeleiro, da costureira e grafiteiro ''. Com razão entendia ele que o verdadeiro artista torna-se conscientemente um centro universal de relações as mais vastas e intricadas, capaz de atuar como vértice definidor do equilíbrio de valores, e não como um pedinte de verbas públicas para a cultura.
Apollinaire, em seu livro ''Les Peíntres Cubistes '', elenca Severini entre os cubistas instintivos. Mas ignoro até que ponto tal definição possa ser considerada exata; sei, entretanto, que alguns dos melhores quadros de Severini executados entre 1910 e 1920 ---- eu citaria por exemplo Il suonatore di fisarmonica e Le Lettrici ----- acusam nitidamente a filtragem da lição cubista. Indicam as novas concepções do espaço, de acordo com as teorias da física de então, e atestam o que foi chamado de ''a construção da visão'', bem como o universo autônomo e auto-consciente da arte. Situa-se de resto ao lado das mais puras criações de Picasso, Braque, Juan Gris, Matzinger, Gleizes.
É um pintor ''du côté des poétes. Não é um divertimento mas um fato colossal da cultura, uma fonte de criação diretamente influenciada por S. Mallarmé, cuja proposta de subdivisão prismática das idéias o ajudou a compor algumas de suas melhores telas. Assim atingiu a glória o pintor nascido em Cortona, ao mesmo tempo discreto e radiante, com certas figuras de seus amados mosaicos ravenenses. Segundo a fórmula definitiva de Nietzsche: um espírito que dança.
K.M
terça-feira, 30 de agosto de 2016
Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 21
----- Why so pale and wan, fond lover (?) ----, Gisele perguntou-me, sentada ao meu lado no caminhão. Meu pau estava mais duro que um nó de pinho, pulsando por debaixo do meu jeans. A passagem de uma moça de óculos escuros na rua me deixara assim. Ela não me olhara intensamente (é verdade) mas tinha uma curiosidade fascinante, incrível, no olhar. É que o olhar dela não se dirigia a minha pessoa, nem ao meu corpo como eros, mas abstrata e especialmente à minha ''espécie espiritual'' ; ela havia me despojado do meu corpo com seu olhar, em prol do germe raro do meu espírito. Gisele não gostou nada daquilo: ------ Provavelmente, ela só precisa lançar um rolo de tripa desde o quarto dela até o bar francês que a bichinha aqui começa a bombear sangue na pica(.) -----, ela disse. Passou a mão na minha braguilha e berrou nos meus ouvidos : ------ Posso tomar seu pulso, com a mão aqui (.) -----, infelizmente, naquele momento, Gisele estava dominada por preconceitos visíveis: materialismo rasteiro, ausência de simbolismo, nível significante restrito. Todos sabiam (no meu comitê de campanha) que aquele tipo de grosseria baixava o moral de nossos quadros. No entanto, fiz bem em não rejeitar de imediato o instinto primitivo revelado por suas palavras. Depois de alguma reflexão, concluí que fôra uma amostra bem-sucedida de zombaria. ----- Ainda pulsando (?) ----- , ela contestou, com sangue no olhar. Os freios do caminhão cuspiam ozônio enquanto ela delirava com as entranhas violáceas da passante escapando por um talho de vinte centímetros que a conectava à minha mente animal. ----- She is trampling out the vintage where the grapes of wrath are stored; she has loosed the fatefull lightning of his terrible swift sword (.) ------, eu disse. Pintura do ciúme na base do realismo socialista. Gisele com o dedo erguido, dominadora, proscrevendo todo significante com fúria. Ela passava o tempo todo em que estávamos juntos preocupada com sua reputação de designer de moda, materialismo dogmático e escotomização da linguagem andando de mãos dadas. Fechei os olhos e exalei lentamente, como se precisasse expelir cada palavra xula dela dos meus pulmões. '' As crises de ciúme próximas demais '', pensei ''' são realmente perigosas para uma campanha eleitoral ''. Mal sabia eu que, de volta ao hotel, minhas observações seriam multiplicadas por uma ordem de magnitude intolerável. Quando Gisele estava prestes a incrustar uma pedra preciosa em uma jóia de sua coleção chinesa, aconteceu o óbvio: ----- Diamantes, esmeraldas, pérolas, rubis e safiras de ''haute monde'', tudo empenhado uma a uma e substituídas por réplicas de qualidade duvidosa (.) Até quando, K (?!) ------, ela protestou. Histérica, começou a examinar suas pedras preciosas como um cidadão procurando lepra no próprio corpo. ----- Meu rubi-sangue-de-galinha (!) Minhas opalas negras (!) Minha SAFIRA (!!) -----, poule de luxe quase pré-histórico. ------ E você aí (continuou ela) como uma espécie de michê barato (!) ------
Naquele momento, entraram em cena as forças do Mal. ----- Um Cinturão (expliquei-lhe) Uma Rota. A demanda chinesa vai intensificar os conflitos no Mar do Sul e as estatais deles abrirão novos mercados no exterior comprando tudo que puderem mundo afora. Tudo subvencionado pelo Governo, invocando a velha Rota da Seda. Eles barrarão o repatriamento de lucros das empresas estrangeiras na China e passarão a se comportar perante o mundo como uma Coréia do Norte atômica e gigantesca. Hálitos militares fortes e certa loucura de multiplicação de mercados. ''Eu sou o cão imperialista, eu sou o verme dos arrozais '' (!) -----, concluí.
K.M.
Naquele momento, entraram em cena as forças do Mal. ----- Um Cinturão (expliquei-lhe) Uma Rota. A demanda chinesa vai intensificar os conflitos no Mar do Sul e as estatais deles abrirão novos mercados no exterior comprando tudo que puderem mundo afora. Tudo subvencionado pelo Governo, invocando a velha Rota da Seda. Eles barrarão o repatriamento de lucros das empresas estrangeiras na China e passarão a se comportar perante o mundo como uma Coréia do Norte atômica e gigantesca. Hálitos militares fortes e certa loucura de multiplicação de mercados. ''Eu sou o cão imperialista, eu sou o verme dos arrozais '' (!) -----, concluí.
K.M.
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 20
Eu via a mim mesmo exatamente assim: tranquilo, duro, branco, definido e maquinal, tal como devia ser um instrumento. Apenas não estava raciocinando de modo normal, naquela atmosfera intensa, ainda que tênue, das coisas derradeiras da minha campanha. Era um visita a uma usina de mineração. 28% de operárias mulheres, mas nenhum eros ali. Minha mente se fundira com o fluxo do tráfico matinal cotidiano, depois que o caminhão partiu. A cidade, agora totalmente desperta, cintilava e oscilava à minha volta. Minha garganta a pulsar perante o sol da manhã. Clarie, Gisele e eu não conversávamos entre nós enquanto aquele motorista falava em tom de negro de gangue. ------ Então eu disse à ele (ele disse) porque você não procura uma farmácia, cara (?) Tinha um sujeito detestável lá no bairro que também era assim. Um velho telepata, que ficava sentado sem fazer nada até melar as roupas de porra. Era um nojo (!) ------ , ele disse. Muitas vezes, quando eu deixava minha mente brincar com a invasão do inimigo, tinha uma imagem recorrente de mim mesmo sentado na minha American Place, aos dezoito anos, no décimo sétimo andar de um prédio comercial de Nova York, cercado pelos quadros de Joe Marin. Hje, passo a maior parte do meu tempo deitado de costas em qualquer cubículo. Quando não estou fazendo campanha, estou meditando num espaço suficiente apenas para ir da cama para a poltrona. ----- Enquanto isso (continuou o motorista) os traficantes metralham uns aos outros nas ruas de noite (.) ------, nosso caminhão parecia um retângulo cercado numa cena de perseguição de carro vista de um helicóptero, singrando as ruas, parando nos semáforos. ----- Em termos práticos (eu disse) o Jihad e a Revolução Americana são o mesmo tipo de guerra, assim como as guerras internas do tráfico . A guerra desesperada e suja do oprimido; o opressor a criticando com base nas regras que ele formula em benefício próprio. Também a inflação é um jogo como esse. Um jogo de desconfiança entre o público e o Banco Central. Se a inflação dispara, o público desconfia. Se ela se mantém estável, o pública a monitora, desconfiado. E se o BC faz testes com revisão de metas, a desconfiança dispara, seguida, provavelmente, da própria inflação. As ferramentas disponíveis dos manuais de ciência econômica não são mais capazes de solucionar as crises. A falta de regulação para as finanças do mundo desajustou todas as instituições, que não dominam mais os movimentos do sistema de acumulação financeirizada. Em nossa sociedade demoníaca, não há mais nenhum conselho que sirva para um Presidente de Banco Central ouvir em sua última hora antes de tomar uma decisão. O silêncio é melhor, pois dá à autoridade monetária a impressão de que ela está sentada no pescoço de um elefante desprovido de simpatia. O volante da economia não se encaixa mais em suas mãos, mas o marfim do elefante possui uma radiância perfeita e letal. (.) ------- eu só precisava, naquele momento, de voz bastante para sussurrar minhas próprias convicções, aspirando a fumaça do asfalto para dentro dos pulmões. Ao chegarmos na usina, encontrava-me pronto para entrar no miolo da coisa: Um grande galpão. Um quadro de avisos. O instituto politécnico. Os operários pararam e me olharam, curiosos, andando entre aços brilhantes e limalhas. Então eu tirei meu bloco de anotações do bolso, desta vez com caligrafia bonita, estilo erva. E disse: ----- Isso não é uma história em quadrinhos, folks, com episódios e tal (.) ------, e parei diante do microfone. A multidão composta de operárias estava organizada em várias fileiras. Continuei: ----- Somos seres feitos de linguagem, certo (?) E a verdadeira questão a ser perguntada aqui é como o brilho de nossa Visão Espiritual pode ser protegida de ser embaçada por essa mistura colossal de Quadros de Avisos e Máquinas a todo vapor. Isso, aliás, está implícito no processo da própria reprodução humana. Pois para cada espermatozóide nadando no mar uterino, o óvulo avulta como um cruzador de guerra. A mesma disposição para o auto-sacrifício que leva os homens em guerra a um ataque morro acima contra uma crista ameaçadora deve existir no espermatozóide vencedor (.) -----, naquele instante, me perguntei se aqueles operários estavam sendo capazes de compartilhar minha excitação. Há uma semana, Gisele anunciara sua ''gravidez psicológica'', e desde então eu não conseguia parar de vislumbrar a cena. Havia quase setecentos operários me olhando ''sentados sem fazer nada'', gratos a mim unicamente por isso. ----- Bom (prossegui ), e onde está ele: O DONO (?) -----, e eles começaram a rir. Mas eu estava falando absolutamente sério. Vasto, interminável, vazio, pouco iluminado, o refeitório era no fim do mundo. Cerveja, café, pão e geléia. Comemos sozinhos num refeitório enorme como um salão de baile. No dia seguinte, fotografias do evento foram publicadas nas primeiras páginas de muitos jornais.
Impeachment.
Os erros que levaram ao impeachment da Presidente Dilma Roussef vão muito além da gastança irresponsável e a aversão à escolha entre objetivos contraditórios de conter os déficts públicos e impulsionar o crescimento econômico. Incapaz de adotar uma política de contenção da crise, o Governo que ora capitula não conseguiu sequer estabelecer prioridades nesse sentido. As desonerações equivocadas, o estímulo ao endividamento dos Estados, as mudanças no marco regulatório de óleo e gás, a política de ''campeões nacionais'' financiada pelo BNDES, a redução artificial dos juros e interferências políticas nos investimentos da Petrobrás e da Vale, entre outros problemas, sacramentaram o impedimento definitivo dessa que, talvez, tenha sido a pior Presidente de nossa história. Nomeio aqui também o congelamento dos preços administrados; a proteção setorial e o fechamento não-estratégico da economia; as concessões mal desenhadas e a fragilização das agências reguladoras; o aumento da inflação presente e futura; aumento do risco de crédito nos três níveis de governo e aumento da taxa de juros de equilíbrio e incerteza quanto à trajetória dos juros futuros. O desemprego disparou. A população empobreceu. A recessão é a pior da história. O Estado quebrou. A crise fiscal é um sinistro insolúvel. A dívida pública é uma bomba relógio que não será desarmada a tempo. A Previdência , os gastos, a s quimeras. Nenhuma reforma sairá do papel. Os sinais de recuperação econômica são pueris e ilusórios . Comprovamos que não existe mais nenhuma esperança. Resta-nos o consolo de destruir nosso algoz. OMERTÁ !
K.M.
K.M.
domingo, 28 de agosto de 2016
A arte de conversar – existência, epistemologia e comunicação.
www.compos.org.br - nº do documento: 175A67EA-40B5-40AC-8E71-4FA9638D12A5
http://www.compos.org.br/biblioteca/compos-2015-175a67ea-40b5-40ac-8e71-4fa9638d12a5_2916.pdf
Por : Daniel Christino
A tratadística francesa e italiana do século XVI e XVII refletiu sobre o problema da comunicação como uma phronesis, uma racionalidade de corte, em manuais e breviários que circulavam ao final do barroco. Nestas reflexões podemos vislumbrar uma abordagem epistemológica ao problema comunicacional ainda anterior ao advento do iluminismo e, por isso, mais comprometida com os elementos existenciais que caracterizam o fenômeno. Partindo deste deslocamento epistêmico, o artigo procura desenhar uma reflexão sobre o conceito de comunicação, situado na crítica da filosofia de Heidegger e Gadamer, que seja capaz de articular elementos existenciais e epistemológicos e de sustentar-se como alternativa à abordagem tradicional dentro do escopo de uma ciência social aplicada.
(...)
Quando Heidegger e Gadamer abordam o fenômeno comunicativo o fazem a partir de uma crítica radical à racionalidade iluminista. Em Heidegger esta crítica está associada ao problema da técnica, mas também ao conceito de ciência e à lógica. Em Gadamer o debate está associado à crítica romântica ao iluminismo e ao resgate de uma epistemologia capaz de retomar a integridade do fenômeno e abordá-la em sua totalidade. Os conceitos de comunicação derivados da filosofia destes autores têm em comum a mesma visada adotada pelos sagazes filósofos da conversação do século XVI: trata-se de abordar o fenômeno em sua raiz humanística.
(...)
Na dinâmica histórica da formação, aquilo que, a princípio, deixa-se entrever como possibilidade acaba assumido pela consciência numa visão ampla de si mesma e do seu mundo. Em certo sentido a dinâmica da formação guarda, e isso é proposital, uma estreita homologia com a dinâmica do jogo. Somos formados por aquilo que nos envolve e nos atravessa, pela linguagem, pela cultura, pela história. Este tomar consciência de si é, para Gadamer, também um afloramento – à maneira de Hegel – da historicidade do homem. Na formação o que é formado recebe sua “forma” a partir do horizonte de sentido de seu tempo. Rigorosamente falando, o processo de formação é em si mesmo hermenêutico, pois parte-se do que já está dado enquanto herança para se chegar à autonomia que, por sua vez, nada mais é do que confirmação, mesmo se elaborada enquanto crítica, pois brota do solo da tradição.
(..)
A certa altura, em VM, Gadamer diz: “o ser que pode ser compreendido é linguagem”. Além da clara alusão à dimensão ontológica da hermenêutica, a frase indica a centralidade da experiência lingüística para sua filosofia. De certa forma, em oposição a Heidegger, o papel das tonalidades afetivas, tão pronunciado em ST, torna-se secundário. Mesmo quando Gadamer aborda a poética – no Heidegger de ST, juntamente com a retórica, uma forma atrelada à disposição –, sua reflexão desenvolve-se no sentido de considerar o texto poético uma forma altamente especulativa da linguagem. Em certo sentido, ao dirigir-se para a parte final de VM, Gadamer deixa-se influenciar cada vez mais por Hegel e Platão, embora nunca abandone a centralidade da abertura existencial em sua hermenêutica filosófica.
A arquitetura conceitual que dá forma à noção de linguagem em Gadamer vale-se, fundamentalmente, da metáfora do jogo. Inspirado em Huizinga, Gadamer vê no jogo um elemento estrutural das formas culturais desde suas expressões mais simples até as mais sofisticadas. Ressalta, entretanto, sua dinâmica circular. Todo jogo é uma cena na qual o foco luminoso está sobre os jogadores, mas que não pode existir sem todo o aparato circunstancial à ação destes jogadores. Mais além, da interação entre os jogadores emerge a totalidade do jogo. Ela, por sua vez, transcende tal interação e se afirma como totalidade. Parafraseando Gadamer, não são os jogadores que jogam o jogo, mas é o jogo que, nas ações dos jogadores, conforma-se como tal. Há, portanto, uma tensão entre todo e parte nos jogos e este vai-e-vem – seja entre os jogadores, seja entre a ação deles e a totalidade do jogo – produz um movimento constante de articulação de sentido. Sem os jogadores não há jogo, sem o jogo não há jogadores.
(..)
Contudo, é apenas na efetivação do diálogo – ou, pragmaticamente falando, em seu uso – que a linguagem atualiza sua possibilidade, porque no diálogo entra em jogo a herança semântica e gramatical que tal língua possui. O decisivo aqui é que toda e qualquer língua é vivida – ou melhor, enraíza-se existencialmente – quando no diálogo, na conversação Mesmo que depois Gadamer vá derivar uma homologia entre o diálogo e o texto, dando à hermenêutica uma dimensão prática e universal enquanto teoria da história, o elemento pronunciativo (já visto por Heidegger) põe a linguagem para funcionar. Assim como o jogo, a linguagem só é linguagem efetivamente quando “em movimento”, e é exatamente no diálogo que ela excede os próprios falantes, alçando vôo sobre as paisagens culturais em nome de um horizonte temporal mais amplo.
(...)
Para as pessoas engajadas numa situação de interação comunicativa também a experiência do diálogo torna-se formativa, no sentido exato em que imaginava o Adabe Trublet, ou seja, como constituição do espírito. Para tanto é necessário ter em mente que a comunicação não se deixa entender plenamente como troca de vivências, mas como um modo de ser do homem, na linguagem, enraizado numa totalidade (da história, da cultura, do Ser) que lhe transcende e, por isso, pode proporcionar-lhe uma configuração. Esta é a concepção de comunicação em James Carey, por exemplo. Ao definir comunicação “as a symbolic process whereby reality is produced, maintained, repaired, and transformed” (Carey, 2009), Carey se aproxima da noção de horizonte simbólico de Gadamer. Uma noção já presente na ensaísta de corte, embora ainda ontologicamente ingênua. Ao tratar a conversação como arte, os barrocos estavam se referindo exatamente a esse caráter prático que Gadamer associa à metáfora do jogo. Carey, por sua vez, vê na comunicação um processo cultural de amplo aspecto, embora ele também não avance na direção de uma ontologia propriamente dita. Com Gadamer e Heidegger o fenômeno da comunicação encontra elementos para olhar com mais clareza seus próprios fundamentos. Carey indica, igualmente, que o “pôr-se de acordo” fenomênico é um elemento da cultura Entretanto, em Heidegger a existencialidade do ser humano é, ela mesma, um fundamento ainda mais profundo. Desde o ponto de vista heideggeriano, Carey ainda se move numa dimensão ôntica, na qual a cultura ainda não se vê associada à significância da totalidade conjuntural. A reflexão de Carey para no conceito antropológico de cultura, enquanto Heidegger e Gadamer pretendem discutir seus fundamentos ontológicos. Estes fundamentos estão associados à abertura do homem enquanto Dasein. Colocamos-nos de acordo sobre o que vem ao nosso encontro no mundo, isto é, na ocupação aberta e compreensiva que, mergulhada na linguagem e através do logos “deixa e faz ver” o ente em seu ser. Em outros termos, nos entendemos sobre o sentido da nossa própria humanidade, sobre o nosso ser-aí em conjunto.
Doutor, Universidade Federal de Goiás - Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
dchristino@gmail.com
[1] Cf. o exemplo clássico no livro I da Ética a Nicômacos no qual Aristóteles discute as potencialidades para o ensino
da excelência através do exemplo da pedra. Segundo ele, uma pedra tem, por natureza, a finalidade de, quando jogada para
cima, cair de volta ao chão. Seria ridículo imaginar que ela poderia acostumar-se a ficar no alto se jogada inúmeras vezes.
Não está na natureza da pedra fazer outra coisa senão cair.
[2] Cf. (Macdowell, 1970)
ACCETTO, T. Da dissimulação honesta. São Paulo : Martins Fontes, 2001.
CAREY, J. Communication as Culture. New York: Routledge, 2009.
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http://www.compos.org.br/biblioteca/compos-2015-175a67ea-40b5-40ac-8e71-4fa9638d12a5_2916.pdf
Por : Daniel Christino
A tratadística francesa e italiana do século XVI e XVII refletiu sobre o problema da comunicação como uma phronesis, uma racionalidade de corte, em manuais e breviários que circulavam ao final do barroco. Nestas reflexões podemos vislumbrar uma abordagem epistemológica ao problema comunicacional ainda anterior ao advento do iluminismo e, por isso, mais comprometida com os elementos existenciais que caracterizam o fenômeno. Partindo deste deslocamento epistêmico, o artigo procura desenhar uma reflexão sobre o conceito de comunicação, situado na crítica da filosofia de Heidegger e Gadamer, que seja capaz de articular elementos existenciais e epistemológicos e de sustentar-se como alternativa à abordagem tradicional dentro do escopo de uma ciência social aplicada.
(...)
Quando Heidegger e Gadamer abordam o fenômeno comunicativo o fazem a partir de uma crítica radical à racionalidade iluminista. Em Heidegger esta crítica está associada ao problema da técnica, mas também ao conceito de ciência e à lógica. Em Gadamer o debate está associado à crítica romântica ao iluminismo e ao resgate de uma epistemologia capaz de retomar a integridade do fenômeno e abordá-la em sua totalidade. Os conceitos de comunicação derivados da filosofia destes autores têm em comum a mesma visada adotada pelos sagazes filósofos da conversação do século XVI: trata-se de abordar o fenômeno em sua raiz humanística.
(...)
Na dinâmica histórica da formação, aquilo que, a princípio, deixa-se entrever como possibilidade acaba assumido pela consciência numa visão ampla de si mesma e do seu mundo. Em certo sentido a dinâmica da formação guarda, e isso é proposital, uma estreita homologia com a dinâmica do jogo. Somos formados por aquilo que nos envolve e nos atravessa, pela linguagem, pela cultura, pela história. Este tomar consciência de si é, para Gadamer, também um afloramento – à maneira de Hegel – da historicidade do homem. Na formação o que é formado recebe sua “forma” a partir do horizonte de sentido de seu tempo. Rigorosamente falando, o processo de formação é em si mesmo hermenêutico, pois parte-se do que já está dado enquanto herança para se chegar à autonomia que, por sua vez, nada mais é do que confirmação, mesmo se elaborada enquanto crítica, pois brota do solo da tradição.
(..)
A certa altura, em VM, Gadamer diz: “o ser que pode ser compreendido é linguagem”. Além da clara alusão à dimensão ontológica da hermenêutica, a frase indica a centralidade da experiência lingüística para sua filosofia. De certa forma, em oposição a Heidegger, o papel das tonalidades afetivas, tão pronunciado em ST, torna-se secundário. Mesmo quando Gadamer aborda a poética – no Heidegger de ST, juntamente com a retórica, uma forma atrelada à disposição –, sua reflexão desenvolve-se no sentido de considerar o texto poético uma forma altamente especulativa da linguagem. Em certo sentido, ao dirigir-se para a parte final de VM, Gadamer deixa-se influenciar cada vez mais por Hegel e Platão, embora nunca abandone a centralidade da abertura existencial em sua hermenêutica filosófica.
A arquitetura conceitual que dá forma à noção de linguagem em Gadamer vale-se, fundamentalmente, da metáfora do jogo. Inspirado em Huizinga, Gadamer vê no jogo um elemento estrutural das formas culturais desde suas expressões mais simples até as mais sofisticadas. Ressalta, entretanto, sua dinâmica circular. Todo jogo é uma cena na qual o foco luminoso está sobre os jogadores, mas que não pode existir sem todo o aparato circunstancial à ação destes jogadores. Mais além, da interação entre os jogadores emerge a totalidade do jogo. Ela, por sua vez, transcende tal interação e se afirma como totalidade. Parafraseando Gadamer, não são os jogadores que jogam o jogo, mas é o jogo que, nas ações dos jogadores, conforma-se como tal. Há, portanto, uma tensão entre todo e parte nos jogos e este vai-e-vem – seja entre os jogadores, seja entre a ação deles e a totalidade do jogo – produz um movimento constante de articulação de sentido. Sem os jogadores não há jogo, sem o jogo não há jogadores.
(..)
Contudo, é apenas na efetivação do diálogo – ou, pragmaticamente falando, em seu uso – que a linguagem atualiza sua possibilidade, porque no diálogo entra em jogo a herança semântica e gramatical que tal língua possui. O decisivo aqui é que toda e qualquer língua é vivida – ou melhor, enraíza-se existencialmente – quando no diálogo, na conversação Mesmo que depois Gadamer vá derivar uma homologia entre o diálogo e o texto, dando à hermenêutica uma dimensão prática e universal enquanto teoria da história, o elemento pronunciativo (já visto por Heidegger) põe a linguagem para funcionar. Assim como o jogo, a linguagem só é linguagem efetivamente quando “em movimento”, e é exatamente no diálogo que ela excede os próprios falantes, alçando vôo sobre as paisagens culturais em nome de um horizonte temporal mais amplo.
(...)
Para as pessoas engajadas numa situação de interação comunicativa também a experiência do diálogo torna-se formativa, no sentido exato em que imaginava o Adabe Trublet, ou seja, como constituição do espírito. Para tanto é necessário ter em mente que a comunicação não se deixa entender plenamente como troca de vivências, mas como um modo de ser do homem, na linguagem, enraizado numa totalidade (da história, da cultura, do Ser) que lhe transcende e, por isso, pode proporcionar-lhe uma configuração. Esta é a concepção de comunicação em James Carey, por exemplo. Ao definir comunicação “as a symbolic process whereby reality is produced, maintained, repaired, and transformed” (Carey, 2009), Carey se aproxima da noção de horizonte simbólico de Gadamer. Uma noção já presente na ensaísta de corte, embora ainda ontologicamente ingênua. Ao tratar a conversação como arte, os barrocos estavam se referindo exatamente a esse caráter prático que Gadamer associa à metáfora do jogo. Carey, por sua vez, vê na comunicação um processo cultural de amplo aspecto, embora ele também não avance na direção de uma ontologia propriamente dita. Com Gadamer e Heidegger o fenômeno da comunicação encontra elementos para olhar com mais clareza seus próprios fundamentos. Carey indica, igualmente, que o “pôr-se de acordo” fenomênico é um elemento da cultura Entretanto, em Heidegger a existencialidade do ser humano é, ela mesma, um fundamento ainda mais profundo. Desde o ponto de vista heideggeriano, Carey ainda se move numa dimensão ôntica, na qual a cultura ainda não se vê associada à significância da totalidade conjuntural. A reflexão de Carey para no conceito antropológico de cultura, enquanto Heidegger e Gadamer pretendem discutir seus fundamentos ontológicos. Estes fundamentos estão associados à abertura do homem enquanto Dasein. Colocamos-nos de acordo sobre o que vem ao nosso encontro no mundo, isto é, na ocupação aberta e compreensiva que, mergulhada na linguagem e através do logos “deixa e faz ver” o ente em seu ser. Em outros termos, nos entendemos sobre o sentido da nossa própria humanidade, sobre o nosso ser-aí em conjunto.
Doutor, Universidade Federal de Goiás - Programa de Pós-Graduação em Comunicação,
dchristino@gmail.com
[1] Cf. o exemplo clássico no livro I da Ética a Nicômacos no qual Aristóteles discute as potencialidades para o ensino
da excelência através do exemplo da pedra. Segundo ele, uma pedra tem, por natureza, a finalidade de, quando jogada para
cima, cair de volta ao chão. Seria ridículo imaginar que ela poderia acostumar-se a ficar no alto se jogada inúmeras vezes.
Não está na natureza da pedra fazer outra coisa senão cair.
[2] Cf. (Macdowell, 1970)
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Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 19
Gisele seguia captando notícias americanas em chinês. ------ Será que o sinal está sendo enviado (?) ------, perguntei. ----- Não (ela disse) mas os salgadinhos, comprimidos, iogurtes, remédios, chocolates, cigarros e outros produtos americanos continuam sendo embalados no alumínio que não pára de chegar da China e falir o setor nacional. Diga o nome de uma cidade chinesa que não cheire a artifício (...) -----, ela disse. Havia um pouco de aguardente de arroz entre nós no quarto. A elocução dela, cheia de idiomatismos preciosistas, continuava meio histérico. O segundo almoço com as francesas do Partido Socialista seria num terraço com vista para o Mercado do Porco de Lancaster. O universo (eu pensava) estava de fato se contraindo numa entidade unitária que estava se completando a si mesma através da destruição da humanidade. No Mercado, às 14:00h, charutos, cigarros, scoth e arrotos muito polidos.... vestida como uma pessoa da classe trabalhadora em época de alta especulação, Clarie, uma figura francesa de moça de pernas rápidas, e no entanto com um vestígio nativo do passo espaçoso dos americanos, fumava seu cigarro numa piteira de ponta metálica. ----- Se você me der uma pitada do seu seleto cigarro Maccoboy (... ) ------, eu disse. Na ocasião, eu estava calçando sapatos ingleses muito caros, com meias berrantes e ligas que contrastavam com minhas pernas musculosas, um efeito geral de gangster bem sucedido que resolveu usar uma fantasia. O assunto do encontro seria o ''Imperialismo ''', ninguém sabia explicar direito qual ou porquê. Apontando com um gesto dramático, Claire disse: ----- Dê só uma olhada. O que você enxerga lá embaixo (?) -----, pessoas zanzando pela margem luminosa de um stand de salsichas defumadas, num galpão de zinco ao longe. Relação com a imagem (?) Coisas descabidas de um filme romeno ? ----- Ora (respondi) enxergo o Mercado do Porco de Lancaster (.) ------, o olhar de Claire era como o meu, procedia apenas por ''campanhas ''; periodicamente, batendo sempre na mesma tecla, com variações apenas de exemplos de provas, piadas, etc. Atualmente era : ''Roland Barthes como agente idealista ''. ------ Resposta errada (protestou ela). O que você enxerga ali são homens e mulheres comuns, cuidando de suas tarefas cotidianas comuns. E se eles votarem como mandam seus patrões, votarão pela propriedade destes e não por sua própria classe, que carecem de controle sobre a emissão de papel-moeda, e não extraem nenhum proveito das imensas reservas internacionais da América, nem dos negociantes que não confessam o excesso de estoque e a disposição para especularem (.) olhe de novo e diga: o que você enxerga agora (?) ------, insistiu ela. Nos olhos de Gisele, parada ao meu lado, eu lia furtivamente uma série de prescrições instantâneas contra a loucura: ''A palavra desordenada dos demônios'', pareciam dizer-me eles. Olhei de novo e vi, nas ruas, esqualidez, lixo de lanchonetes e brinquedos de plástico quebrados, escadas e varandas sem pintura, ainda escuras com a umidade da tarde chuvosa, janelas rachadas que nunca tinham sido consertadas. Ao longo dos meios fios sucediam-se automóveis americanos do século Xx, grandes demais, agora caindo aos pedaços, lanternas traseiras rachadas, rodas sem calotas, pneus furados nas sarjetas. Vozes de mulheres vinham dos alojamentos dos fundos, queixando-se sem parar de crianças que nasceram sem que ninguém as quisesse e que agora se aglomeravam, abandonadas, em torno das únicas vozes simpáticas que haviam em suas casas, as que vinham do aparelho de televisão. ----- Fume um Maccoboy (Clarie disse) Beba alguma coisa. O que você acha de nós, o s franceses (?) ------, ela me perguntou. ------Nunca vi gente tão disposta a arriscar o geral em favor de interesses privados. Em favor deles, o Social -Liberalismo autoritário do momento faz de tudo para não ceder à chantagem do povo desesperado, propenso à intimidação e ao terror. Os franceses são uns colonialistas, em conivência com o imperialismo corporativista e seu cardápio de revisionismos liberais modernos (.) ------, eu disse. Clarie mostrou as gengivas com uma risada cruel e febril. ----- Não é a toa que em Marselhe, sou conhecida como Nellie Tomadevolta (.) Os negros do Caribe ou de Cabo Verde plantam flores e pintam varandas por aqui, e se sentem esperançosos e cheios de energia por estarem nos Estados Unidos, mas os nascidos aqui abraçam há muito tempo a sujeira e a preguiça como forma de protesto, um protesto de escravos que agora persiste como desejo de degradação diante das opções eleitorais disponíveis, pulsão de morte freudiana desafiando aquela injunção básica de todas as tradições espirituais do mundo: ''SEJA LIMPO ''. Além do mais, quando algum americano começa a me falar do seu câncer de próstata ou sobre seu septo que entrou em putrefação e começou a escorrer pus, eu digo: ''Tenho nojo dessas pessoas''. Odeio os americanos porque são um povo doente e ignorante. Meu psiquiatra diz que meu ódio é metabólico, culpa de alguma coisa que tenho no sangue, mesmo assim, a olhos vistos os americanos incham e enegrecem , e seus souks inteiros começam a feder a mijo e lixo hospitalar: eles sofrem em proporções imensas de indigestão, impotência, calvície precoce, e vivem fazendo xixi nas calças e tendo assaduras no cu. São incorrigíveis,ouça oque estou dizendo (.) ------, ela disse. Após ouví-la, senti o banho frio que eu havia tomado de manhã perdurando em mim como uma segunda pele a brilhar sob minhas roupas, uma libação de grande limpeza que desejei repetir imediatamente. Meus pulmões estavam ardendo pelo esforço de conversar com Claire e Emmanuelle, miragens femininas que recuavam na minha mente como uma conspiração contra o público americano em geral. O GRAU ZERO DA ESCRITA. Eu havia sorvido uma bola de fogo (a traverso le foglie). Minha mente trabalhava numa pulsação frenética do tipo ''liga''e ''desliga'', tentando fornecer à conversa fragmentos de coisa julgada, impondo à elas o culto stalinista da minha personalidade e a leitura imediata de minhas condenações. Logomaquia pós-política, multidão falante, alienação de gestos repetitivos, mídia madura para a malta. Uma cacofonia explodia em meu espírito; e uma explosão (lembrem-se) é uma passagem rápida de um sólido ou líquido para o estado gasoso, ganhando um volume centenas de vezes maior que o original em menos de um segundo.
Aquelas francesas estavam bem maquiadas, sorridentes e decididas, bem jeito de matriarcado americano, por sinal. Tinham ainda (ironicamente) um olhar de democracia burguesa misturada com Peyrefitte, como uma caixa de ressonância para um bloco político impossível: admiração pelo Estado forte, Perfomance, Condenações doutrinárias na ponta da língua. ----- Esse ponto de vista (disse Clarie) pode ser defendido também fora daqui. Estar no Mercado do Porco não muda nada. Talvez apenas meu humor. E seria melhor aliviarmo-nos antes da longa viagem que temos pela frente (.) -----, , acelerando de leve e saindo da garagem ao lado em marcha ré, um caminhão estacionou junto ao meio fio com o motor em ponto morto. Clarie e Emmanuelle nos olharam de soslaio, um olhar vindo do interior do Socialismo Liberal. ----- Na França (disse ela) debatemos sobre burocracia, luta de classes, mundos patronais, sindicatos reformistas, alta administração, baixo clero, finanças, jornalismo de mercado, instante pregnante de Lessing e intelectuais no poder, livre-comércio e União Européia, Referendo Italiano e atlantismo , guerras humanitárias e jihadismo. Os militantes franceses, está claro, só querem rir. Neles , há ainda grande reserva de sensibilidade, atenção e jovialidade após o achatamento ideológico de 1980. Sofremos hoje de uma grande expectativa de talentos que sempre nos rende boas comédias, enquanto não chegam, Mas ocorre-nos atualmente um abacaxi político que, está claro, vai nos deixar sem emprego durante muito tempo (.) -----
Aquelas francesas estavam bem maquiadas, sorridentes e decididas, bem jeito de matriarcado americano, por sinal. Tinham ainda (ironicamente) um olhar de democracia burguesa misturada com Peyrefitte, como uma caixa de ressonância para um bloco político impossível: admiração pelo Estado forte, Perfomance, Condenações doutrinárias na ponta da língua. ----- Esse ponto de vista (disse Clarie) pode ser defendido também fora daqui. Estar no Mercado do Porco não muda nada. Talvez apenas meu humor. E seria melhor aliviarmo-nos antes da longa viagem que temos pela frente (.) -----, , acelerando de leve e saindo da garagem ao lado em marcha ré, um caminhão estacionou junto ao meio fio com o motor em ponto morto. Clarie e Emmanuelle nos olharam de soslaio, um olhar vindo do interior do Socialismo Liberal. ----- Na França (disse ela) debatemos sobre burocracia, luta de classes, mundos patronais, sindicatos reformistas, alta administração, baixo clero, finanças, jornalismo de mercado, instante pregnante de Lessing e intelectuais no poder, livre-comércio e União Européia, Referendo Italiano e atlantismo , guerras humanitárias e jihadismo. Os militantes franceses, está claro, só querem rir. Neles , há ainda grande reserva de sensibilidade, atenção e jovialidade após o achatamento ideológico de 1980. Sofremos hoje de uma grande expectativa de talentos que sempre nos rende boas comédias, enquanto não chegam, Mas ocorre-nos atualmente um abacaxi político que, está claro, vai nos deixar sem emprego durante muito tempo (.) -----
sábado, 27 de agosto de 2016
El buen gusto siempre está seguro de su juicio.
Por Alberto J.L. Carillo Canán.
http://www.uma.es/Gadamer/resources/Carillo-Canan.pdf
El rechazo del "concepto" tiene dos funciones estratégicas. Por un lado, la de postular un sentido no conceptual y, por otro, complementariamente, la de postular que existe una verdad no conceptual y no predicativa. Ciertamente, ambas cosas, en su modelo más básico, no las introdujo Gadamer, ni tampoco su maestro Heidegger, sino el maestro de éste último, Husserl. Pero antes de cualquier referencia a la versión husserliana de esta problemática conviene resaltar la consecuencia básica del movimiento estratégico heideggero gadameriano de eliminar el "concepto" sustituyéndolo por el "sentido". El "concepto" y la predicación implican conocimiento y verdad, en su caso, universales, mientras que el "sentido" tiene un carácter si bien no meramente "privado" (G1 41) sí meramente "comunitario". El "sentido" de que aquí se trata es básicamente sentido para los miembros de una "comunidad" determinada (G1 30, 78): es su "sensus communis" (G1 29ss., c. a.) (3). Con ello el "conocimiento" y la "verdad" pasan a tener un carácter no privado pero si meramente grupal, como lo podemos comprobar en una de las primeras versiones del "sentido" que Gadamer nos ofrece en Wahrheit und Methode, a saber, el "gusto".
Gadamer nos dice, en efecto: "Con el concepto de gusto se hace, pues, sin duda alguna, referencia a un modo de conocimiento. (...) Por ello, en su esencia más propia el gusto no tiene nada de privado sino que es un fenómeno social de primer orden." (G1 41, c. a.) Y aquí hay que estar muy atentos al hecho de que "social" no significa "universal" o simplemente "humano", pues el sensus communis le interesa a Gadamer expresamente "(...) no a la manera de los derecho humanos, no como un atributo dado a todos lo hombres, sino como una virtud social, una virtud del corazón más que de la cabeza (...)" (G1 30). Se trata, más bien, de un "sentido" de grupo que, en todo caso, no es racional o conceptual pero si emotivo. Y este es el otro aspecto al que nos hemos venido refiriendo pero que ahora hay que corroborar de una manera plenamente explícita, es decir, la polémica "sentido" contra "concepto".
Gadamer nos dice, en verdad, que en su "aceptar y repudiar" el gusto "(...) no titubea y (...) no conoce el buscar razones. [Nuevo párrafo] (4). Antes bien, el gusto es algo así como un sentido. No dispone previamente de un conocimiento basado en razones." (G1 42). En otras palabras, con el "gusto" tenemos una de las primeras versiones de un "sentido" el cual, nos dice Gadamer apenas una página más adelante, "(...) reconoce algo - y ciertamente de una manera (...) que no admite ser llevado ni a reglas ni a conceptos." (G1 43). Con esto último se hace patente el resultado estratégico de la eliminación del "concepto": "razones" y "reglas" implican silogismos basados en conceptos, es decir, proposiciones en sentido estricto. Por lo tanto, el constructum gadameriano de un "sentido" que es un "conocimiento" no "basado en razones", equivale a postular una "conocimiento" y una "verdad" no predicativas. Y especialmente importante es el hecho ya apuntado de que se trata de un "conocimiento" con carácter de grupo. Del conocimiento conceptual universal, digamos kantiano, arribamos a un "sentido" que es "conocimiento" o "reconocimiento" grupal no conceptual pero sí emotivo, el cual, de hecho "(...) nos determina a tomar partido (...) en términos morales y religiosos (...)" (G1 91).
El concepto gadameriano de "sentido"
Por supuesto, la exposición anterior exige aclarar dos puntos. El primero es la ambigüedad, podríamos decir fenomenológica, del término "sentido". Por un lado se tiene el "sentido" entendido como una capacidad de "conocimiento" o "reconocimiento" (G1 119), por otro lado se tiene, en términos fenomenológicos, el "correlato objetivo" de esta capacidad o "logro subjetivo", es decir, el "sentido" efectivamente "reconocido", es decir, el "sentido" como "correlato de la conciencia". Esta es la dualidad fenomenológica típica de toda estructura de la conciencia: lo visto es el correlato del ver, lo amado el correlato del amar y, de manera análoga, el "sentido" "reconocido" es el correlato de un "sentido" que "conoce" o "reconoce", por ejemplo, del "gusto": éste es un "sentido" que, según lo ya citado, - sin "reglas ni conceptos" - "reconoce algo" (G1 43), mientras que el "algo" reconocido es el "sentido" reconocido o comprendido. Así pues, el "sentido" que reconoce y el "sentido" reconocido son correlativos. En particular, esto significa que si el "sentido" en términos subjetivos de la capacidad de "reconocer algo" no se basa en "razones", no se atiene "ni a reglas ni a conceptos", entonces, el "sentido" reconocido no es conceptual o, como según vimos, "no puede ser recogido en el concepto". Es decir, de acuerdo a todas la reglas de la fenomenología husserliana de la conciencia, se trata de una capacidad no conceptual que, correlativamente, tiene "logros" no conceptuales - tal como ocurre con la percepción o los sentidos en general, los cuales tienen "logros" no conceptuales -.
Con base en lo anterior podemos aclarar el segundo punto, que es el más importante. A saber, la concepción gadameriana del "sentido" como "conocer" o "reconocer". Apuntando hacia el concepto de "gusto" según lo hemos visto arriba, Gadamer se refiere a la "capacidad de juzgar" (5) kantiana y nos dice que ésta "(...) en general, no puede ser enseñada, sino solamente ejercida de caso en caso y, en esta medida, es más una capacidad como lo son los sentidos. Ella es algo lo cual absolutamente no puede ser aprendido ya que ninguna demostración a partir de conceptos puede guiar (...) [su] aplicación (...)" (G1 36). Por supuesto, de acuerdo a su proyecto de una "estética de contenido" que supere el formalismo kantiano (6), Gadamer extiende el "gusto", es decir, el "sentido" más allá de lo puramente estético o, si se prefiere, a una estética ampliada que abarca lo moral y lo religioso (cf. G1 90s.). Por ello nos dice que "(...) todas las decisiones morales exigen gusto (...)", un gusto tal que es "tacto indemostrable" (G1 45), es decir, como arriba, independiente de toda demostración o regla articulable mediante conceptos, mediante proposiciones. En efecto: el "gusto" es un "juicio" sobre "lo singular con vistas a un todo respecto de si [esto singular] (...) combina con él o no. Y para esto hay que tener el »sentido« correspondiente - en todo caso, no se puede demostrar nada -." (G1 43). Y la aquí imperante " (...) seguridad en el aceptar (...) y el repudiar (...) es la mayor posible." (G1 45). De hecho, se trata de una imperiosidad que, a pesar de implicar conocimiento, no necesita de razones, por lo que ahora resulta útil completar lo ya citado arriba: "El fallo del gusto posee (...) una imperiosidad peculiar.
Consabidamente, en materia de gusto no existe ninguna posibilidad de argumentar (...). Se tiene que tener gusto y ya (...). La imperiosidad del juicio del gusto incluye su validez. El buen gusto siempre está seguro de su juicio, (...) es un aceptar y repudiar que no titubea (...) y no conoce el buscar razones." (G1 42). Es decir: "Se sigue (...) que el gusto conoce algo - y, a decir verdad, de una manera que (...) no admite ser compatibilizada con reglas o conceptos." (G1 43). (7)
Este recuento de las características del "sentido" o "gusto" gadameriano no estaría completo sin recalcar de una manera más explícita su carácter comunitario, de grupo. Gadamer dice: "(...) la unidad de un ideal de gusto el cual distingue y une a una sociedad, es diferente de lo que constituye la figura de la formación estética [en su carácter tradicional kantiano, es decir, meramente formal]. El gusto se rige todavía [en este caso "social"] por un criterio de contenido. Lo que una sociedad reconoce, cuál gusto domina en ella, esto crea la comunidad de la vida social. Tal sociedad elige y sabe lo que le pertenece y lo que no. Tampoco el poseer intereses artísticos es para ella algo arbitrario [individual, particular] ni universal (...), sino que lo que los artistas crean y la sociedad valora forma parte de la unidad de un estilo de vida y de un ideal del gusto." (G1 90). Gadamer pasa, pues, de la sobria figura kantiana de los juicios que expresan la "afición" de grupo o "general" (U 20), al ente consistente en "una sociedad" la cual "sabe lo que le pertenece y lo que no", así como a los artistas que forman una "unidad" con su sociedad (8). Aquí hay que recordar todavía la mencionada "seguridad" "imperiosa" de este "gusto" en el "aceptar" y el "repudiar". No sólo es un "gusto" excluyente, sino imperiosamente seguro y, por tanto, imperiosamente excluyente y, por si fuera poco, sin razones o reglas.
Las características del "gusto" recién descritas, son, al mismo tiempo, las características del concepto general gadameriano de "sentido" entendido éste como "conocer" o "reconocer". Este "sentido" es (1) "conocimiento", pero (2) no está basado en "conceptos" o "reglas", y por lo tanto es (3) "indemostrable", (4) no puede ser enseñado ni tampoco puede ser aprendido, sino que "hay que tenerlo y ya"; (5) posee una "seguridad" "imperiosa" que "no titubea" y, correspondientemente, es "la mayor posible", (6) tal "seguridad" en sí misma, es decir, sin "buscar razones", "incluye su validez", (7) dicho "sentido" no es meramente formal sino que tiene un "contenido", es decir, abarca "lo moral" y "lo religioso", y por ello mismo es (8) "sentido común" o "gusto" de "una sociedad", la cual armada de tal "gusto", (9) es excluyente pues "sabe lo que le pertenece y lo que no", y esto, ciertamente, con "seguridad" e "imperiosidad" en el "aceptar" y el "repudiar", es decir, se trata de un "gusto" imperiosamente excluyente. (9)
http://www.uma.es/Gadamer/resources/Carillo-Canan.pdf
Verdad de la obra de arte y sentido en Gadamer
Por Alberto J.L. Carillo Canán.
(Revista de Filosofía A Parte Rei).
La época moderna está "abandonada"
http://www.heideggeriana.com.ar/comentarios/schurmann.htm
- La época moderna está "abandonada", verlassen, en lo que constituye su esencia misma. Esta no es una tesis sino el rasgo fundamental de la emancipación progresiva de las ciencias y la técnica por las cuales la época moderna se define. Estamos en la tercera y última fase anunciada por Augusto Comte. Las ciencias y la técnica han conquistado su autonomía frente a la religión y a la filosofía. Aunque múltiples y concurrenciales en muchos puntos, las ciencias tienen algo en común: establecen leyes positivas a partir de experiencias registrables, y esto gracias a un pensamiento de tipo operatorio y calculador. La teoría ha devenido totalmente positiva: según el principio kantiano la verificación misma de la teoría debe ser experimental. Es este propiamente un "desafío" al pensamiento[vii], es decir, al hombre, quien en medio de tantos "datos" ya no se encuentra a sí mismo, al menos en su esencia[viii]. El hombre es para sí mismo un "dato", pero no se experimenta como "dato". Ha entrado en sus propias estadísticas: un factor de cálculo entre otros. El espíritu, vuelto inteligencia[ix], somete todas las cosas para que respondan a sus requerimientos. Exige de todo lo que es una rendición de cuentas integral. La modernidad es esta racionalidad conquistadora. Constituye el primero de los aspectos de "lo que hoy existe en todo el planeta"[x].
El segundo aspecto de la modernidad hay que buscarlo en su proyecto de voluntad dominadora. La red de cálculo mediante la cual el técnico capta todos los fenómenos y la tierra misma es ya una sumisión a la acción y la transformación. La inteligencia es un poder, un esbozo de manipulación y muerte. La verdad convertida en exactitud se pervierte, das Un-Wahre schlechthin, pues en adelante sólo reina la voluntad. Su reino promete la seguridad. Pero esta seguridad está configurada fuera de la verdad, das Wahre, la única que "ampara" auténticamente; la inseguridad se manifiesta en todas partes[xi]. El ser humano se fija de manera unilateral en los objetos a su disposición. Dicho de otro modo, experimenta al ser como aquello que lo enfrenta, como una prueba de fuerzas: Gegenstand. Frente a este mundo que se le opone, se afirma como sujeto; se capta como el centro de referencia de lo real. El sujeto seguro de sí y obnubilado por su poder mide todo con la vara de su inteligencia y su voluntad. El único tipo de poder de verdad reconocida es la verdad eficaz, la que "sirve para algo".
Esta descripción de la modernidad puede parecer excesiva. Una atención más elaborada en el aspecto político de la existencia, conduciría quizás a una visión menos severa sobre la época contemporánea. Heidegger no lo ha intentado. Eric Weil[xii] y Enmanuel Lévinas[xiii] están entre los que avanzan más resueltamente en esta dirección. La conclusión sigue siendo, sin embargo, la misma en lo que concierne al abandono que es nuestro tema. Bajo cualquier aspecto que se considere al hombre contemporáneo -hombre rebelde o hippie, tecnócrata o francotirador- la conclusión de Heidegger es difícil de contradecir:
El hombre está a punto de lanzarse sobre la tierra íntegra y sobre su atmósfera, de usurpar y de sujetar, bajo la forma de ‘fuerzas’, el reino secreto de la naturaleza y de someter el curso de la historia a la planificación y al dominio de un gobierno planetario. Ese mismo "hombre rebelde" no está en condiciones de decir simplemente lo que es, de decir lo que significa, en general, que una cosa sea[xiv].
En un movimiento crítico de pensamiento, Heidegger se interroga ahora sobre las condiciones de posibilidad de esta "noche del mundo". Las descubre en el retiro de un originario, tan antiguo como la historia de la metafísica, pero que se ha manifestado sólo en el ocaso de esta historia. Dicho de otra manera, el Occidente está abandonado desde sus comienzos, pero este abandono se ha manifestado, para quien sabe ver, hace apenas un siglo, con la transmutación de todos los valores. El nihilismo nietzscheano es revelador porque pone al descubierto al Otro metafísico del hombre como el verdadero fundamento de la vida humana y del pensamiento, es decir como algo disponible. El abandono de Occidente comienza con esta pregunta: ¿Cuál es el fundamento de todas las cosas que "hace" que ellas sean lo que son? Pensando a partir de las cosas (o del hombre, vale decir, siempre desde un ente) este fundamento puede ser determinado funcionalmente. Tal determinación procede al menos en dos etapas: lo que es, porque es múltiple, no es por sí mismo; lo que es, porque recibe del hombre su unificación, es en razón de Otro. Este Otro "certifica" lo que es. Lo otro que funda es lo cierto. La inseguridad, signo del nihilismo, es, por lo tanto, antigua en Occidente. El pensamiento occidental plantea la cuestión de la razón de lo que es. Pedir cuentas de lo real, dar razón, exigir un "por qué" último, es la actitud característica de lo que Heidegger llama la ‘metafísica’. La filosofía en general ha surgido de este instinto: encontrar un fundamento verdadero que amarre todas las cosas y que tranquilice al "corazón inquieto". Así ella encontró lo que buscaba: el esse, fundamento y razón del ens. Pero, pregunta Heidegger, ¿el fondo de las cosas así representado es el ser en su verdad?.
A esta pregunta Nietzsche ya había respondido indirectamente: el ser no es[xv]. Esa es una comprobación, no la opinión de un sombrío alienado mental. Nietzsche comprueba la muerte de lo que hacía ser. ¿Qué es el Esse? El que ha muerto. ¿Qué es el ente? Voluntad de querer. El propósito de Heidegger, en sus escritos sobre la modernidad, es el de leer estas dos respuestas en su unidad. El hundimiento del Esse como razón última y la desmesura de los proyectos de la voluntad que no se tiene más que a sí misma como sujeto, son las dos caras de una misma reivindicación bajo la cual el Occidente piensa desde siempre. Desde hace un siglo, lo que es parece haber perdido sus fundamentos. Esta pérdida es el desaparecer de algo cuyo aparecer, en otra época, iba de suyo. Es en el momento de la desaparición de las razones que el pensamiento se interroga sobre el destino de éstas: ¿el poder de fundamento, que parecen no poseer más, de dónde les venía? ¿Cómo lo que durante siglos fundó todo lo que es, pudo desvanecerse? ¿Es necesario decir que falta una pieza del universo? Sobre esta pieza, ahora perdida, el universo habría reposado hasta nuestra era: ¿Cuál es esta pérdida capaz de conmover el reposo del universo? Lo que se ha perdido es más que una "razón" entre otras. Preguntar "en razón de qué" las razones cumplían la función de razón es la pregunta de la razón engreída de sí misma y que busca explicar la desaparición con la ayuda de lo desaparecido. Es la forma última del olvido secular, el olvido del ser. El Esse como fundamento o como razón no es el ser en su verdad. El destino del pensamiento occidental es nuestro abandono del ser, unsere Verlassenheit vom Sein[xvi].
Esta es la primera acepción del «abandono» en Heidegger. La filosofía, preocupada por explicar lo que es, su arché y su télos, ha confundido al ser tanto con la totalidad de los entes como con el ente supremo, Dios. Pero ha dejado pasar en silencio la cuestión del ser mismo; el ser es lo impensado de la tradición filosófica. El desvanecimiento que horroriza nuestro siglo y que lo precipita en múltiples tranquilizantes es más que la pérdida de una pieza del universo: falta el ser mismo, das Sein selbst bleibt aus[xvii]. La filosofía tradicional habla del ser "en tanto que ser", pero ello sólo a fin de poder pensar mejor el ente (que es Dios, la totalidad del mundo, el sujeto, el espíritu). Por lo tanto, ella sigue pensando el ente; sólo piensa el ser en tanto que le sirve a su discurso sobre lo que es; el ser es un a priori para ella[xviii]. El ser es pensado a partir del ente y con miras al ente. La filosofía del a priori pretexta al ser para "certificar" el ente.
La época "abandonada por el ser" es una era de más de dos milenios. Pero el siglo tecnológico es el más abandonado de todos: el impulso de un cuestionamiento auténtico, contenido en la interrogación del "en tanto que" ha caído. Quizás la interrogación "sin por qué" sea posible solamente al término del nihilismo soportado hasta en sus últimas consecuencias. Las estaciones de la época que va de Heráclito a Nietzsche muestran, cada una a su manera, el único destino que ha tenido Occidente, el del retiro del ser, Seinsverlassenheit. Heráclito inaugura, Platón objetiviza, Nietzsche consuma y Heidegger piensa esta "época única"[xix]. El misterio del ser se ha fragmentado en misterio del hombre, misterio del mundo, misterio de Dios. Sólo un pensamiento que plantee la cuestión del ser en sí misma, aunque a partir de quien la plantea, pero no en vistas de él y a su servicio, se internará por el camino del misterio que no es más el del abandono como olvido, sino más bien el del abandono como escucha y como memoria. Este segundo aspecto, en que "abandono" no traduce verlassen sino gelassen, nos aproximará nuevamente a Meister Eckhart.
3.2 El ente abandonado. En el seminario del Thor, en septiembre de 1969, Heidegger distinguía tres acepciones de la Gelassenheit. La primera, dice, apunta hacia lo que es, hacia el ente. La segunda considera menos al ente singular que a su entrada en presencia en tanto que tal. La tercera, en fin, indica el "dejar" mismo que deja entrar en presencia lo que es presente. En Tiempo y Ser, Heidegger había dicho respecto de este último: "Importa ahora pensar propiamente el dejar entrar en presencia, en tanto que la presencia es abandonada"[xx]. Seguiremos estos tres jalones a través del paisaje arduo de la Gelassenheit; la tercera reunirá de una nueva manera la dimensión histórica comprendida en la crítica heideggeriana de la modernidad.
El ente abandonado -Esta acepción del abandono se ofrece más fácilmente al entendimiento, puesto que es óntica. Sin embargo, no es tan fácil "abandonar el ente":
¿Qué hay más sencillo, aparentemente, que dejar a un ente ser precisamente el ente que es? ¿O más bien esta tarea nos conducirá ante lo que es más difícil? Así, tal intención de dejar ser al ente como es, representa lo contrario de esta indiferencia que da la espalda simplemente al ente. Debemos volvernos hacia el ente con el propósito de acordarnos de su ser pero de este modo, debemos dejarlo reposar en sí mismo, en su despliegue esencial[xxi].
En estas líneas se trata, seguramente, de una actitud del hombre. "Nosotros", es decir, los seres humanos, debemos dejar ser al ente. El cálculo, el avasallamiento de las cosas bajo la voluntad dominadora, toda actitud de poder sobre ellas debe desaparecer si el ente debe manifestarse como lo que es. Es a esto a lo que conviene el título de pensar meditante. Dejar al ente es recordarlo independientemente de todo proyecto. No cabe duda de que en la época contemporánea, a causa de la doble alienación de la inteligencia y de la voluntad, tal actitud es particularmente difícil. El pensamiento meditante, en el universo técnico en el que vivimos, consiste en decir simultáneamente sí y no a los productos de consumo. Podemos decir sí a su utilización y, no obstante, permanecer libres. Podemos abandonar a sí mismos esos objetos como algo que no nos concierne íntimamente. Negarnos a su total dominio es la forma contemporánea del desapego. Quien así abandona los objetos técnicos en su pretensión totalitaria, no les vuelve la espalda. Su "no" es la condición del ‘sí’ a su esencial despliegue. El abandono en tanto que actitud del pensamiento meditante instaura una relación simple y apacible con las cosas. El hombre desapegado las deja entrar en su mundo cotidiano y, no obstante, las deja fuera[xxii].
Así, abandono del ente y recuerdo de su ser dicen lo mismo. En las palabras, difícilmente traducibles, de Heidegger: la Besinnung es la Gelassenheit respecto de lo único que merece ser interrogado, a saber, el ser[xxiii]. Abandonado epocalmente por el ser, el pensamiento occidental debe, a su turno, abandonar el ente si quiere saber lo que es del ser. Si es verdad que esta tarea nos conduce "ante lo que es más difícil", no es simplemente un problema de especulación. Es difícil dejar de lado al ente porque es difícil no pensarlo fundado en el Esse supremo. La especulación metafísica busca un fundamento primero en el orden del ser y la razón última en el orden del saber. De esta especulación resulta el sometimiento al cálculo. Abandonar al ente equivale nada menos que a renunciar a una presencia disponible, a una realidad estable al alcance de la mano, la que permite rendir cuentas de lo real en su totalidad. Pero este renunciamiento es la condición del pensamiento del ser. Este último no representa al ente amarrado a un orden inmutable, sino que lo piensa en su esencial despliegue, Wesen.
Tenemos el doble derecho de invocar un parentesco con Meister Eckhart. Por una parte, en ambos pensadores el abandono consiste en esta actitud de pensamiento que se traduce en un comportamiento desapegado respecto al ente singular y así se acuerda de lo que éste es en verdad; por otra parte, el ser del ente, su verdad, no es pensado como fundamento disponible sino como Wesen en su sentido verbal, como surgimiento y como permanencia. Heidegger se remite explícitamente a Meister Eckhart a propósito de la comprensión del Wesen, y agrega que sólo das wesen des Seins, la manera como el ser se despliega, merece ser interrogada por el pensamiento que se libera de la técnica[xxiv]. Abandonar al ente es la actitud gracias a la cual el ente, tanto como el hombre que lo piensa, encuentran su lugar. El primer equivalente del Wesene del alto alemán medio, señalada por el léxico, es bleiben, permanecer, mantenerse, habitar; la del participio presente, Wesende, es anwesend, presente[xxv]. Heidegger dice haber leído asiduamente los sermones de Meister Eckhart cuando reflexionaba en el ser como Anwesen. En cuanto al "lugar" recobrado del hombre, consecuencia e índice del abandono, éste constituye el propósito del escrito titulado Gelassenheit. El abandono "brinda la perspectiva de una nueva tierra natal"[xxvi].
En conclusión, con respecto al abandono como actitud ante el ente, existe una expresión, cara a Eckhart y a Heidegger, que resume admirablemente esta condición previa a la superación del olvido del ser: buscar "sin por qué". Se ha dicho que sobre este punto preciso Heidegger está particularmente en deuda con los místicos[xxvii]. Al ser supremo de la metafísica el hombre se dirige con toda clase de "por qué". Le puede consagrar un lugar en la ciudad y dedicarle un culto. Puede también proclamarlo como su más alta razón de vivir, aquello por lo cual la ciudad trabaja y se sacrifica -aunque sea el ideal de la ganancia y la acumulación de bienes-. El ser, representado en tanto que ente supremo, entra así en el horizonte del hombre. El ser tal como lo comprende el pensamiento meditante, por el contrario, no funda ni motiva nada. Se mantiene fuera del proceso de decadencia por el cual el Bien platónico deviene la suma de los bienes de consumo modernos. El ser, pensado por sí mismo significa el hundimiento de todo apoyo, no pone nada. No se pone bajo el ente como su base: no supone nada. Y no precede al ente como su causa: no presupone nada. El ente no pone, ni supone, ni presupone. Pero el ente es. Comprender esto es poder decir: "la rosa es sin por qué"[xxviii].
Aquí nos enfrentamos con el dominio en que la comunidad de pensamiento entre Eckhart y Heidegger es más manifiesta. El abandono es la condición de posibilidad de una comprehensión del ser en su verdad, vale decir, como despliegue más acá de las relaciones entre sujetos y objetos. Sería erróneo sin embargo pretender que en el resto de su enseñanza Eckhart es también un "moderno"[xxix]. Sigue siendo un teólogo escolástico; pero en el cuadro que la historia del ser le ha asignado, tal o cual pensamiento -gelâzenheit, wesene, sunder warumbe- aniquila la herencia intelectual[xxx], de manera que "el proceso de la corte papal de Avignon contra las tesis de Meister Eckhart da la impresión de un proceso intentado por el Ser mismo contra quien atrevidamente adelanta su destino"[xxxi].
Reiner Schürmann
Pequenos homens que se agarram a pequenos empregos.
MAX WEBER
La croissance reste décevante.
http://www.lemonde.fr/economie-mondiale/article/2016/08/27/la-presidente-de-la-reserve-federale-fait-un-petit-pas-vers-la-hausse-des-taux-directeurs_4988743_1656941.html
En dépit de ce zèle, la croissance reste décevante. Doivent-ils aller plus loin ? Modifier leur cadre d’action ? Abandonner leur cible de 2 % d’inflation pour se fixer plutôt un objectif de croissance à atteindre ?
En savoir plus sur http://www.lemonde.fr/economie-mondiale/article/2016/08/27/la-presidente-de-la-reserve-federale-fait-un-petit-pas-vers-la-hausse-des-taux-directeurs_4988743_1656941.html#Vxq6DXiglyMta5XC.99
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sexta-feira, 26 de agosto de 2016
Gilles Deleuze - Alfred Jarry, un precursor desconocido de Heidegger
La Patafísica (epi meta ta phusika.) tiene precisa y explícitamente este objeto: el gran Giro, la superación de la metafísica, la vuelta atrás más allá o más acá, «la ciencia de lo que se sobreañade a la metafísica, sea en sí misma, sea fuera de ella, extendiéndose tanto más lejos de ésta como ésta de la física».[i] Hasta el punto de que cabe considerar la obra de Heidegger como un desarrollo de la patafísica conforme a los principios de Sófrates el armenio, y de su primer discípulo, Alfred Jarry. Las grandes similitudes, memoriales o historiales, conciernen al ser del fenómeno, la técnica planetaria y el tratamiento de la lengua.
I. En primer lugar, la patafísica como superación de la metafísica es inseparable de una fenomenología, es decir de un nuevo significado y de una nueva comprensión del fenómeno. Se trata de una similitud alucinante entre ambos autores. El fenómeno ya no puede ser definido como una apariencia; pero tampoco se definirá, como en la fenomenología de Husserl, como una aparición. La aparición remite a una conciencia a la que se le aparece, y asimismo puede existir bajo una forma distinta de aquella que hace aparecer. El fenómeno por el contrario es lo que se muestra a sí mismo en sí mismo.[ii] Un reloj de pulsera aparece redondo cada vez que se lee la hora (utensilidad); o incluso, independientemente de la utilidad, en virtud de las exigencias de la conciencia exclusivamente (banalidad cotidiana), la fachada de un edificio aparece cuadrada, siguiendo unas constantes de reducción. Pero el fenómeno es el reloj como serie de elipses o la fachada como serie infinita de trapecios: mundo compuesto por singularidades notables, o que se muestran (mientras que las apariciones no son más que singularidades reducidas a lo corriente, que se aparecen corrientemente a la conciencia).[iii] El fenómeno, en este sentido, no remite a una conciencia, sino a un ser, ser del fenómeno que consiste precisamente en el mostrarse. Este ser del fenómeno es el « epifenómeno.», in-útil e in-consciente, objeto de la patafísica. El epifenómeno es el ser del fenómeno, mientras que el fenómeno tan sólo es el siendo, o la vida. No es el ser sino el fenómeno lo que es percepción, percibir o ser percibido, mientras que Ser es pensar.[iv] Sin duda el ser o el epifenómeno no es más que el fenómeno, pero difiere de él totalmente: es el mostrar-se del fenómeno.
La metafísica es un error que consiste en tratar el epifenómeno como otro fenómeno, otro siendo, otra vida. En realidad, antes que considerar el ser como un siendo superior que fundamentaría la constancia de los demás siendo percibidos, tenemos que pensarlo como un Vacío o un No-siendo, a través de cuya transparencia se plantean las variaciones singulares, «caleidoscopio mental irisado (que) se piensa».[v] El siendo puede incluso parecer una degradación del ser, y la vida, del pensamiento, pero, más aún, se dirá que el siendo corta el paso al ser, lo mata y lo destruye, o que la vida mata al pensamiento: hasta el punto de que todavía no pensamos. «Para en [130] paz con mi conciencia glorificar el Vivir, quiero que el Ser desaparezca, resolviéndose en su contrario.» Sin embargo esta desaparición, esta disipación, no procede de lo exterior. Si el ser es el mostrar-se del siendo, no se muestra a sí mismo, y no cesa de retraerse, estando él mismo en retraimiento o retraído. Mejor aún: retraerse, apartarse, es la única manera de mostrarse como ser, puesto que tan sólo es el mostrar-se del fenómeno o del siendo.
II. La metafísica cabe toda ella en el retraimiento del ser o el olvido, porque confunde el ser con el siendo. La técnica como dominio efectivo del siendo es la heredera de la metafísica: la termina, la realiza. La acción y la vida «han matado el pensamiento, Vivamos por lo tanto y a través de ello seremos los Amos». En este sentido, Ubu representa el gordo siendo, la salida de la metafísica como técnica planetaria y ciencia enteramente mecanizada, la ciencia de las máquinas en su siniestro frenesí. La anarquía es la bomba, o la comprensión de la técnica. Jarry propone del anarquismo una concepción curiosa: «la Anarquía Es», pero provoca el decaimiento del Ser en el siendo de la ciencia y de la técnica (el propio Ubu se volverá anarquista para hacerse obedecer mejor).[vi] Más generalmente, toda la obra de Jarry invoca sin cesar ciencia y técnica, se va llenando de máquinas y se coloca bajo el signo de la Bicicleta.: ésta en efecto no es una máquina sencilla, sino el modelo sencillo de una máquina adecuada a los tiempos.[vii] Y la Bicicleta es lo que transforma la Pasión como metafísica cristiana de la muerte de Dios en carrera por etapas eminentemente técnica.[viii] La bicicleta, con su cadena y sus marchas, es la esencia de la técnica: envuelve y desarrolla, efectúa el gran Giro de la tierra. La bicicleta es cuadro, marco, como el «cuadripartido» de Heidegger.
Pero si el problema es complejo se debe a que, tanto en Jarry como en Heidegger, la técnica y la ciencia tecnicizada no se limitan a acarrear el retraimiento o el olvido del ser: el ser también se muestra en la técnica por el hecho de retraerse, en tanto que se retrae de ella. Pero eso sólo puede comprenderse patafísicamente (ontológicamente), no metafísicamente. Por eso inventa Ubu la patafísica al mismo tiempo que promociona la técnica planetaria: comprende la esencia de la técnica, esa comprensión que Heidegger imprudentemente asienta en el haber del nacionalsocialismo. Lo que Heidegger encuentra en el nazismo (tendencia populista), Jarry lo encuentra en el anarquismo (tendencia derechista). Diríase, en ambos autores, que la técnica es la sede de un combate en el que ora se pierde el ser en el olvido, en el retraimiento, ora se produce lo contrario y se muestra y se desvela. No basta en efecto con oponer el ser y su olvido, el ser y su retraimiento, puesto que lo que define la pérdida del ser es más bien el olvido del olvido, el retraimiento del retraimiento, mientras que el retraimiento y el olvido constituyen el modo en que se muestra o puede mostrarse. La esencia de la técnica no es técnica, y «encierra la posibilidad de que lo que salva surja en nuestro horizonte».[ix] Así pues, la conclusión de la metafísica en la técnica hace que se vuelva posible la superación de la metafísica, es decir la patafísica. De ahí la importancia de la teoría de la ciencia y de la experimentación de las máquinas como parte integrante de la patafísica: la técnica planetaria no sólo es la mera pérdida del ser, sino la eventualidad de su salvación.
El ser se muestra dos veces: una vez en relación con la metafísica, en un pasado inmemorial, puesto que retraído respecto a todo pasado de la historia, el siempre Ya-pensado de los griegos. Una segunda vez en relación con la técnica, en un futuro inasignable, pura inminencia o posibilidad de un pensamiento siempre futuro.[x] Es lo que se produce en Heidegger, con el Ereignis, que es como una eventualidad del Acontecimiento, una Posibilidad de ser, un Posset, un Porvenir que desborda cualquier presencia del presente como también cualquier inmemorial de la memoria. Y en sus últimos escritos Heidegger ni siquiera habla de metafísica ni de superación de la metafísica puesto que el ser a su vez debe ser superado en beneficio de un Poder-Ser que ya sólo se relaciona con la técnica.[xi] De igual modo, Jarry dejará de hablar de patafísica a medida que vaya descubriendo lo Posible más allá del ser, en El supermacho como novela del futuro, y mostrará en su último escrito, La Dragonne, cómo lo Posible supera el presente y el pasado para producir un mañana nuevo.[xii] Pero en Jarry esta apertura de lo posible resulta que también tiene necesidad de la ciencia tecnicizada: ya se veía desde el punto de vista restringido de la propia patafísica. Y si Heidegger define la técnica por la ascensión de un «fondo» que borra el objeto en beneficio de una posibilidad de ser -el avión como posibilidad de emprender el vuelo en todas sus partes-, Jarry por su cuenta considera la ciencia y la técnica como la ascensión de un «éter», o la revelación de unos trazados que corresponden a las potencialidades o virtualidades moleculares de todas las partes de un objeto.: la bicicleta, el cuadro de la bicicleta, constituye precisamente un excelente modelo atómico, en tanto que constituido por «vástagos rígidos articulados y volantes impulsados por un rápido movimiento de rotación».[xiii] El «bastón de física» es el siendo técnico por excelencia que describe el conjunto de sus líneas virtuales, circulares, rectilíneas, cruzadas. En este sentido la patafísica comporta ya una gran teoría de las máquinas, y supera las virtualidades del siendo hacia la posibilidad de ser (Ubu manda sus inventos técnicos a una oficina cuyo jefe es el señor Posible), siguiendo una tendencia que culminará con El supermacho.
La técnica planetaria es pues la sede de vuelcos de conversiones o de giros eventuales. La ciencia en efecto trata el tiempo como variable independiente: por eso las máquinas son esencialmente máquinas de explorar el tiempo, «tempo-móviles» más que locomóviles. La ciencia bajo ese carácter técnico hace primero posible un vuelco patafísico del tiempo: la sucesión de las tres estasis, pasado, presente, futuro, da paso a la co-presencia o simultaneidad de los tres éxtasis, ser del pasado, ser del presente, ser del futuro. La presencia es el ser del presente, pero también el ser del pasado y del futuro. La eternidad no designa lo eterno, sino la donación o la excreción del tiempo, la temporalización del tiempo tal como se efectúa simultáneamente en estas tres dimensiones (Zeit-Raum). De modo que la máquina empieza por transformar la sucesión en simultaneidad, antes de alcanzar la última transformación «en reversión», cuando el ser del tiempo en su totalidad se convierte en Poder-ser, en posibilidad de ser como Porvenir. Jarry tal vez recuerde a su profesor Bergson cuando recupera el tema de la Duración, a la que define primero por una inmovilidad en la sucesión temporal (conservación del pasado), luego como una exploración del futuro o una apertura del porvenir: «La Duración es la transformación de una sucesión en reversión, es decir: el devenir de una memoria.» Se trata de una profunda reconciliación de la Máquina y la Duración.[xiv] Y esta reversión es al mismo tiempo vuelco de la relación del hombre y la máquina: no sólo los índices de velocidad virtual se invierten hasta el infinito, pues la bicicleta acaba siendo más veloz que el tren como en la gran carrera del Supermacho, sino que la relación del hombre con la máquina da paso a una relación de la máquina con el ser del hombre ( Dasein o Supermacho), en tanto que el ser del hombre es más poderoso que la máquina y consigue «cargarla». El Supermacho es ese ser del hombre que ya no conoce la distinción del hombre y la mujer, pues la mujer en su totalidad ha pasado a la máquina, absorbida por la máquina, pues únicamente el hombre adviene como potencia soltera o poder-ser, emblema de escisiparidad, «lejos de los sexos terrestres» y «el primero del porvenir».[xv]
III. El ser se muestra, pero en tanto que no deja de retraerse (pasado); lo Más y Menos que ser llega, pero en tanto que no cesa de retroceder, de posibilitarse (porvenir).[xvi] Lo que significa que el ser no sólo se muestra en el siendo, sino en algo que muestra su inevitable retroceso; y lo más y menos que ser, en algo que muestra su inagotable posibilidad. Ese algo, o la Cosa, es el Signo. Pues si es cierto que la ciencia o la técnica contienen ya una posibilidad de salvación, siguen siendo incapaces de desplegarla y deben dejar paso a lo Bello y al Arte que ora prolongan la técnica coronándola, como los griegos, ora la transmutan, la metamorfosean. Según Heidegger, el siendo técnico (la máquina) ya era más que un objeto, puesto que hacía que ascendiera el fondo; pero el siendo poético (la Cosa, el Signo) es más todavía, porque hace que advenga un mundo sin fondo.[xvii] En ese paso de la ciencia al arte, en esa reversión de la ciencia en arte, Heidegger recupera tal vez un problema familiar de finales del siglo XIX, con el que también nos topábamos de forma diferente en Renan, otro precursor bretón de Heidegger, en el neoimpresionismo, en el propio Jarry. Asimismo era el camino de Jarry cuando desarrollaba su curiosa tesis sobre la anarquía: en el hacer-desaparecer, la anarquía tan sólo puede funcionar técnicamente, con máquinas, mientras que Jarry prefiere el estadio estético del crimen, y sitúa a De Quincey por encima de Vaillant.[xviii] Más generalmente según Jarry, la máquina técnica hace surgir la líneas virtuales que juntan las componentes atómicas del siendo, mientras que el signo poético despliega todas las posibilidades o potencias de ser que, amalgamándose en su unidad original, constituyen la «cosa». Sabemos que Heidegger identificará está grandiosa naturaleza del signo con el Quadripartido, espejo del mundo, cuadratura del anillo, Cruz, Esfera o Cuadro.[xix] Pero ya Jarry desplegaba el gran Acto heráldico de los cuatro heraldos, con los blasonamientos como espejo y organización del mundo, Perhinderion, Cruz de Cristo o Cuadro de la Bicicleta original, que facilita el paso de la técnica a lo Poético,[xx] y que sólo le ha faltado a Heidegger reconocer en el juego del mundo y en los cuatro senderos. También era el caso del «bastón de física»: de máquina o aparato, se convierte en la cosa portadora del signo artista cuando forma una cruz consigo mismo «en cada cuarto de cada una de sus revoluciones».
El pensamiento de Jarry es ante todo teoría del Signo: el signo no designa, ni identifica, pero muestra… Es lo mismo que la cosa, pero no le es idéntica, la muestra. Todo estriba en saber cómo y por qué el signo comprendido de este modo es necesariamente lingüístico, o mejor dicho en qué condiciones es lenguaje.[xxi] La primera condición consiste en hacerse una concepción poética del lenguaje, y no técnica o científica. La ciencia supone la idea de una diversidad, torre de Babel de las lenguas en las que habría que poner orden captando sus relaciones virtuales. Pero, por el contrario, en principio consideramos sólo dos lenguas, como si fueran únicas en el mundo, una viva y la otra muerta, la segunda interviniendo en la primera, inspirando aglutinaciones de la segunda surgencias o resurgencias en la primera. Se diría que la lengua muerta hace anagramas en la viva. Heidegger se atiene con bastante exactitud al alemán y al griego (o al alto alemán): hace intervenir un griego antiguo o un alemán antiguo en el alemán actual, pero para obtener un nuevo alemán… La lengua antigua afecta a la actual, que produce bajo estas condiciones una lengua todavía por llegar: los tres éxtasis. El griego antiguo se ve metido en aglutinaciones del tipo «legô-yo digo» y «legô-yo cosecho, recojo», de modo que el alemán «sagen-decir» recrea «sagan-mostrar reuniendo». O bien la aglutinación «lethé-el olvido» y «alethés-lo verdadero» hará que intervenga en alemán el acoplamiento obesivo «velamiento-desvelamiento»: el ejemplo más célebre. O bien «chraô-cheir», casi bretón. O también el antiguo sajón «wuon» (residir) aglutinado con «freien» (preservar, librar) dará «bauen» (vivir en paz) a partir del significado corriente de «bauen» (construir). Parece en efecto que Jarry tampoco procedía de otro modo; pero él, a pesar de invocar a menudo la lengua griega como atestigua la Patafísica, más bien hacía intervenir en francés el latín, o el francés antiguo, o un argot ancestral, o tal vez el bretón, para alumbrar un francés del porvenir que hallaba en un simbolismo próximo a Mallarmé o a Villiers algo análogo a lo que Heidegger hallará en Hölderlin.[xxii] E, inyectado en la lengua francesa, «si vis pacem…» dará «civil», e «industria», «1, 2, 3»: contra la torre de Babel, dos lenguas solamente, de las cuales una actúa o interviene en la otra para producir la lengua del porvenir, Poesía por excelencia que se manifiesta brillante y singularmente en la descripción de las islas del doctor Faustroll con sus palabras-música y sus armonías-sonoras.[xxiii]
Hemos tenido noticia de que ni una etimología de Heidegger, ni siquiera Lethé y Alethés, era exacta.[xxiv] ¿Pero está bien planteado el problema? ¿No ha sido acaso repudiado de antemano todo criterio científico o etimológico en beneficio de una pura y mera Poesía? Se suele decir que se trata de meros juegos de palabras. ¿No resultaría contradictorio esperar una corrección lingüística cualquiera de un proyecto que se propone explícitamente superar el siendo científico y técnico hacia el siendo poético? No se trata de etimología propiamente dicha, sino de efectuar aglutinaciones en la otra lengua para obtener surgimientos en la-lengua. No es con la lingüística con lo que hay que comparar empresas como las de Heidegger o de Jarry, sino más bien con las empresas análogas de Roussel, Brisset o Wolfson. La diferencia estriba en lo siguiente: Wolfson mantiene la torre de Babel, y emplea todas las lenguas menos una para constituir la lengua del futuro en la que ésta desaparecerá; Roussel, por el contrario, sólo emplea una lengua, pero excavando en ella series homófonas como el equivalente de otra lengua que expresaría cosas totalmente distintas con sonidos parecidos; y Brisset utiliza una lengua para extraer elementos silábicos o fonéticos eventualmente presentes en otras lenguas, pero que significan lo mismo y que forman a su vez la lengua secreta del Origen o del Porvenir. Jarry y Heidegger tienen todavía otro recurso, puesto que actúan en principio en dos lenguas, haciendo intervenir en la lengua viva una muerta, de forma que transforma, que transmuta la viva. Si llamamos elemento a un abstracto capaz de recibir valores muy variables, diremos que un elemento lingüístico A afecta al elemento B de forma que resulte un elemento C. El afecto (A) produce en la lengua corriente (B) una especie de estancamiento, de balbuceo, de tamtam obsesivo, como una repetición que crearía sin cesar algo nuevo (C). Bajo el impulso del afecto, nuestra lengua se pone a revolotear, y forma una lengua del porvenir revoloteando: diríase una lengua extranjera, machacamiento eterno, pero que salta y brinca. Uno se estanca en la cuestión que revolotea, pero ese revoloteo es la avanzadilla de la lengua nueva. «¿Y eso es griego o lenguaje de los indios, tío Ubu?»[xxv] Entre uno y otro elemento, entre la lengua antigua y la actual afectada por ella, entre la actual y la nueva que se está formando, entre la nueva y la antigua, desfases, vacíos, huecos, pero llenados por visiones inmensas, escenas y paisajes insensatos, desplegamiento del mundo de Heidegger, retahíla de las islas del doctor Faustroll o cadena de grabados del «Ymaginero».
Así es la respuesta: la lengua no dispone de signos, pero los adquiere creándolos, cuando una lengua I actúa en una lengua II y acaba produciendo una lengua III, una lengua inaudita, casi extranjera. La primera inyecta, la segunda balbucea, la tercera da brincos. Entonces la lengua se ha tornado Signo, poesía, y ya no cabe distinguir entre lengua, habla o palabra. Y la lengua no está en situación de producir una lengua nueva en su seno sin que todo el lenguaje a su vez sea impulsado a un límite. El límite del lenguaje es la Cosa en su mutismo, la visión. La cosa es el límite del lenguaje, como el signo es la lengua de la cosa. Cuando la lengua se ahonda girando en la lengua, la lengua cumple por fin su misión, el Signo muestra la Cosa, y efectúa la potencia enésima del lenguaje, pues«ninguna cosa haya, allá donde la palabra fracasa».[xxvi]
Notas
[i] Jarry, Faustroll, II, 8, Pléiade II, pág. 668 ( Hechos y dichos del Dr. Faustroll. Patafísico, Madrágora, 1975).
[ii] Heidegger, El ser y el tiempo, FCE, 1993, párrafo 7 («La ontología sólo es posible como fenomenología», pero Heidegger reivindica en mayor medida a los griegos que Husserl).
[iii] Jarry, Faustroll, id.
[iv] Jarry, Être et vivre (Pléiade I, pág. 342): «être, défublé du bât de Berkeley…».
[v] Jarry, Faustroll y Être et vivre («Vivir es el carnaval del Ser…»).
[vi] Sobre la anarquía según Jarry, no sólo Être et vivre, sino sobre todo Visions actuelles et futures.
[vii] El llamamiento a la ciencia (física y matemáticas) aparece sobre todo en Faustroll y en Le Surmâle ( El supermacho.) ; la teoría de las máquinas está particularmente elaborada en un texto complementario de Faustroll, Commentaire pour servir à la construction pratique de la machine à explorer le temps (Pléiade I, págs. 734–743).
[viii] «La Pasión considerada como una carrera en cuesta», La chandelle verte, (Pléiade II, págs. 420-422) ( La Candela Verde, Felmar, 1977).
[ix] Heidegger, Essais et conférences, «La cuestión de la técnica», Gallimard, págs. 44–45.
[x] Marlene Zarader ha destacado particularmente este doble giro en Heidegger, uno hacia atrás, otro hacia adelante: Heidegger et les paroles de l’origine, Vrin, págs. 260-273.
[xi] Heidegger, Questions IV, «Tiempo y ser», Gallimard: «sin miramiento por la metafísica», ni siquiera «intención de superarla».
[xii] H. Bordillon, Prefacio, Pléiade II: Jarry «no utiliza casi nunca el término patafísica entre 1900 y su muerte», salvo en los textos que se refieren a Ubu. (Ya desde Être et vivre, Jarry decía: «El Ser, subsupremo de la Idea, pues menos comprensivo que lo Posible…», Pléiade I, pág. 342.)
[xiii] Vid. la definición de la patafísica, Faustroll.: ciencia «que otorga simbólicamente a los lineamentos las propiedades de los objetos descritos por su virtualidad». Y La construction pratique.: sobre el cuadro, Pléiade I, págs. 739-740.
[xiv] La construction pratique, que expone el conjunto de la teoría del tiempo de Jarry: se trata de un texto oscuro y muy hermoso, que debe relacionarse tanto con Bergson como con Heidegger.
[xv] Vid. la descripción de las máquinas de Jarry, y su contenido sexual, en Les machines célibataires de Carrouges, Éd. Arcanes. Vid. asimismo el comentario de Derrida, cuando supone que el Dasein según Heidegger comporta una sexualidad, pero irreductible a la dualidad que surge en el siendo animal o humano («Diferencia sexual, diferencia ontológica», en Heidegger, L’Herne).
[xvi] Según Heidegger, el retraimiento no sólo atañe al ser, sino, en otro sentido, al Ereignis («El Ereignis es el retraimiento no sólo como destino, sino como Ereignis», Temps et être, pág. 56. Sobre lo Más y Menos, sobre lo «Menos-en-Más» y «Más-en-Menos», vid. Jarry, César-Antéchrist, Pléiade I, pág. 290.
[xvii] Sobre los pasos de la técnica al arte, emparentado el arte con la esencia de la técnica, aun siendo fundamentalmente diferente, vid. «La cuestión de la técnica», Heidegger, Essais et conférences, págs. 45-47.
[xviii] Vid. Jarry, Visions actuelles et futures, y Être et vie: el interés de Jarry por la anarquía se ve fortalecido por sus relaciones con Laurent Tailhade y Fénéon; pero reprocha al anarquismo que substituya «la ciencia al arte», y que confíe a la máquina explosiva «el Gesto Bello» (Pléiade I, sobre todo pág. 338). ¿Cabe asimismo decir que Heidegger considera la máquina nacionalsocialista como un pasaje hacia el arte?
[xix] Heidegger, Essais et conférences, «La Cosa», págs. 214-217 (la traducción de Das Geviert por «cuadro» es de Fédier, y a Marlène Zarader corresponde la de «esfera»).
[xx] En el teatro de CésarAntechrist, la representación del mundo viene dada por los blasonamientos, y el decorado por los escudos: el tema del Quadripartido surge con toda claridad (Pléiade I, págs. 286–288). En toda la obra de Jarry, la Cruz cuatripartita surge como el gran signo. El valor de la Bicicleta procede de que Jarry invoca una bicicleta original, afectada por el olvido, cuyo cuadro es una cruz, «dos tubos soldados perpendicularmente uno sobre otro» (La passion considérée comme course de côte, Pléiade II, págs. 420-422).
[xxi] Michel Arrivé ha insistido particularmente en la teoría del signo en Jarry (Introducción, Pléiade I).
[xxii] Vid. Henri Béhar, Les cultures de Jarry, PUF (particularmente cap. I sobre la «cultura celta»). Ubu sólo proporciona una idea restringida del estilo de Jarry: un estilo de carácter suntuoso, como el que resuena desde el principio de César-Antechrist, en los tres Cristos y los cuatro Pájaros de oro.
[xxiii] Ver un artículo de La chandelle verte, «Aquellos para los que no hubo Babel alguna» (Pléiade II, págs. 441-443). Jarry reseña un libro de Victor Fournié cuyo principio extrae: «el mismo sonido o la misma sílaba tiene siempre el mismo significado en todas las lenguas». Pero Jarry por su parte no adopta exactamente este principio: como Heidegger, más bien actúa sobre dos lenguas, una muerta y una viva, una lengua del ser y una lengua del siendo, que no son realmente distintas, pero que no dejan de ser eminentemente diferentes.
[xxiv] Vid. los análisis de Meschonnic, Le langage Heidegger, PUF.
[xxv] Jarry, Almanach illustré du Pere Ubu, Pléiade I, pág. 604.
[xxvi] Cita frecuente en Acheminement de la parole, Gallimard.
En «Crítica y clínica», Gilles Deleuze, Traducido por Thomas Kauf, Editorial Anagrama, Barcelona, 1996, pp. 128-139. Título original: «Critique et clinique», Les Éditions de Minuit, París, 1993
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