quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 17

Na Pensilvânia, eu e Gisele estranhamos um pouco o ar daquela terra de sinceridade popular cordial, de casas todas iguais com os números escritos em vitrais nas bandeiras acima das portas, todas idênticas, terra de filhos de mineiros que se tornam astros dos esportes, de salsichas de porco fritas em sua própria gordura, de angu de porco banhado em molho de bordo ----- pratos assumidamente carregados de colesterol letal. No hotel, eu sabia de antemão que estávamos cercados por equipamentos de gravação de áudio e câmeras com visão de calor que atravessavam as paredes e nos monitoravam de modo automático e constante . Obviamente, as pessoas que faziam isso eram parasitas em busca de um deus para idolatrar. Eu colocara toda a mídia e  as instituições públicas sob suspeita, mas aceitara tais condições em troca do poder mundial. E também por que era exibicionista e narcisista. ----- Hoje (eu disse à Gisele) estou sentindo uma pontada no meu estômago esfomeado, e sentindo também o outono no ar. O céu está completamente limpo, como (...  ------,   ''Como no 11 de setembro '' (Gisele completou ,rindo); porém parou, pensando que talvez fosse falta de tato. ----- O famoso céu azul que se tornou mítico (.) -----, observei. Aí pegamos um táxi e fomos até um restaurante, encontrar com as francesas. O que se seguiu foi  a narrativa de um filme político. Juntamente com as irregularidades policialescas que discutíamos, revelava-se também algo de desagradável em nossos lábios arroxeados, uma tensão feminina e irritadiça que passava despercebida quando aquelas francesas moviam tão rápidos seus talheres sobre os pratos; tão sedutoras, em meio à um recesso de câimbras faciais. O primeiro prato, contrariando o costume local, foi uma excelente sopa de carne cozida (miúdos de vitela de um modo e fígado picado de outro); acompanhava um pão também excelente, salada e passas deliciosas. Nem eu nem Gisele entendíamos francês falado tão rapidamente, e nenhuma delas entendiam o que nós falávamos, embora soubessem inglês. ----- Já assistiram ''Les deux Avares '' (?) Embora não seja um filme educado, é enérgico e de grande´êxito. O filme coloca o dom da sinceridade em OBservação (.) -----, eu disse, com uma voz neutra. ----- J´ai obtenu. Voix douce. D´une saveur agréable. Le doute scientifique, probablement (.) -----, Emmanuelle disse, imaginando-me um homem autêntico e bom, de início. ------ Ele é um computador (.) -----, Gisele comentou com ela, apontando para mim. ----- Uma inteligência artificial, um terminal de entrada e saída do sistema logóico central do universo (.) ----- , sorrindo, Emmanuele disse, em inglês : ------ Talvez você apenas ache que sim (.) ------, mas Gisele insistiu: ------  O corpo dele está no mundo, massua Psique não. Ele é sensciente, sabe tudo. A mente dele não está viva no mesmo sentido em que nós estamos vivos. Ela simplesmente nunca foi criada, é essencialmente ingênita, sempre existiu. Leia a Bíblia, ou o Galactus, de Stan Lee, e entenderá que K. estava com o Criador antes de a Criação existir.  (.) -----, naquele momento, a imagem do sol, de um brilho vermelho ofuscante, refletia-se nas vitorianas guelras de vidro do restaurante . O rosto de Emmanuelle tornou-se um pouco sombrio, e ela passou a olhar para mim como se visse um homem sem nome, sem princípios, sem coração, vagando eternamente ensimesmado por uma praia de pensamentos e visões indizíveis, dono de um mundo de glória e terror. Um homem, em suma, dedicado a planejar vastos estratagemas secretos.  Quando apertei a vista para olha-la de frente, percebi nos seus olhos bolhas de ar e uma miríade de ondulações mórbidas, uma lista de assombrações que foi minguando até só restar uma francesa em completo silêncio diante de mim.  ------ Existe um Programa (eu disse), que não é exatamente um braço do governo americano, mas que, usando recursos dos contribuintes, se dedica a perseguir cidadãos em todo o mundo, não só nos Estados Unidos. Eles dissolvem e aniquilam qualquer tipo de indivíduo ou organização que miram, usando uma variedade de técnicas secretas. Antigamente existia um modelo bastante rudimentar disto, chamado COINTELPRO, que, segundo o Comitê de Informações da Câmara dos Deputados: ''Arruinou carreiras políticas, acordos econômicos, reputações públicas, empresas, vidas, etc. Hoje, essa mão secreta é mais poderosa, operativa e sutil do que nunca: conseguem acabar com estrelatos, casamentos, investigações jornalísticas, hackers libertários e qualquer um que ameace o sistema de propriedade intelectual de certas obras científicas. Eles induzem ao suicídio, provocam demissões e fomentam todo tipo de violência social nas ruas.  Muitos de seus informantes ainda atuam, como nos anos setenta, como ''agentes provocadores '' dentro dos movimentos sociais, ensinando ativistas desequilibrados até mesmo a atirar com pistolas automáticas e usarem explosivos, e exortam membros escolhidos a dedo  a praticarem crimes específicos , com objetivos políticos velados. Têm , de fato, um modo de operatividade que deixa sua assinatura. Às vezes,  o elemento  mais violento, irracional, embaraçoso ou louco de um grupo extremista,de estudantes ou de Panteras Negras é um ''agente provocador'', incitando outros membros a mais e mais atos despropositados. Por isso algumas pessoas, em sua oclusão , percebem que há alguma coisa atuando contra elas que não conseguem discernir. -----,  concluí. Meu fluxo de conversação me surpreendeu.  Como as vítimas de inundações, incêndios, tornados e terremotos, senti que depois daquele encontro Emmanuelle daria muitas entrevistas; de início, falando de modo incoerente de suas impressões sobre mim, ou mesmo em estado de choque, depois, mais calma,  enumerando os traços do meu caráter com repulsa e indignação. Sua imagem apareceria na televisão, ela seria convidada para programas de bate-papo com famosos. Ela ficaria momentaneamente famosa, como uma grande máquina que passara a vibrar após ser posta em contato com algo inconcebível. Ao olhar para ela de novo, tive a impressão de que ela estava dentro de uma câmara de descompressão, antes de enfrentar uma ascensão violenta, uma explosão tão rápida e forte quanto o cavalo branco de Napoleão. ------ Apesar das palavras ''luta'', ''esforço ''' (eu disse à Gisele, mais tarde) que as francesas usaram no almoço, Quanto angelismo nelas (!) -----, e assim, permitindo-me um ante-gozo da indiferença calculada que em breve eu teria merecido delas, deitei-me na cama, cruzando as mãos atrás da cabeça para mostrar à Gisele que eu não tinha a intensão de adormecer, ainda que parecesse que, de algum lugar daquele quarto de hotel despojado, estivesse vazando um gás soporífero. Gisele sentia-se fraca, parecia ter sido drogada. Cada novo beijo que eu dava nela ia dando nascimento a uma outra mulher, ia expondo uma nova sensibilidade. Depois, quando eu a deixei para ir fumar na janela,  ela ficou se virando na cama, incapaz de dormir. Eu havia acendido pequenas fogueiras sob sua pele, correntes elétricas que a conservavam desperta. Espraiava-se luz dos meus procedimentos. Meus ossos a gargalhar, e a carne dela cruzando o horizonte ao som do  trânsito na rua.  Ostendit incitatque. Rectus et libidinis expers ita domine servat. Nunquam deflectat. Não como a terra vista num mapa, mas como a beira-mar vista por um capitão de navio. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário