terça-feira, 24 de janeiro de 2017

A grande estratégia de Xi Jinping

Guan Yu

https://nemrisp.wordpress.com/2016/10/14/a-grande-estrategia-chinesa-e-suas-implicacoes-para-a-geopolitica-asiatica-no-seculo-xxi-parte-2/

No âmbito da política externa, uma das principais iniciativas do governo chinês foi a “The Belt and Road”, considerada por Jinping uma peça fundamental para a sua política externa e para a nova estratégia econômica doméstica, que foi originalmente concebida como uma rede de projetos de infraestrutura para interligar diversas regiões da Ásia Central. Porém o plano lançado pela Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento indica uma ampliação do escopo inicial do projeto de forma a incluir aspetos como: coordenação de políticas no continente asiático, integração financeira, liberalização do comércio, fluxo livre de fatores econômicos, interligação de mercados e maior conexão entre os povos da região.

Freqüentemente mencionada como “The Belt and Road”, a nova iniciativa do governo chinês abrange duas principais frentes:

    Nova Rota da Seda (“cinturão” ou “belt”), uma rede de rotas terrestres, sobretudo rodovias e ferrovias, destinadas a interligar a China à Europa através do centro-oeste do continente asiático.
    Rota da Seda para o Século XXI (“rota” ou “road”) , o equivalente marítimo das obras de infraestrutura que ligam a Ásia à África.

De um ponto de vista estratégico, existem fatores de ordem geopolítica e econômica que impulsionam a China a desenvolver e implementar a mega iniciativa anteriormente mencionada, sendo que entre eles destacam-se os relacionados ao crescimento econômico doméstico, tais como: a transição de uma economia pungente para um “novo normal” baseado em um crescimento relativamente baixo (como foi o ano de 2014, em que o PIB chegou a 7,4%, valor abaixo das expectativas do Partido Comunista para o país); estimular um crescimento equitativo através da interligação econômica de áreas mais pobres do país àquelas já desenvolvidas do sul, ação esta que conduziria a uma maior competitividade dos produtos chineses;  e  utilizar-se das obras de infraestrutura para atribuir maior dinamismo ao setor de construção civil que havia desacelerado juntamente com o mercado interno.

Quanto aos fatores geopolíticos, os novos investimentos chineses em infraestrutura terão implicações em interesses nacionais, como na estratégia de hedging ou proteção para garantir ao país asiático as novas rotas de abastecimento, sobretudo energético e de recursos minerais em geral, e a distribuição, no sentido de garantir a manutenção do comércio, caso haja um conflito na região.

No âmbito da política externa, na iniciativa do “The Belt and Road” encontram-se as novas políticas de Xi Jinping e seu Partido, tais como a prioridade em melhorar a relação com os países vizinhos, de forma a aprofundar a cooperação regional, e a utilização da economia de forma “mais estratégica” como elemento importante da diplomacia chinesa.

Desde sua proposta, apresentada pelo Presidente Xi Jinping em 2013 durante visitas ao Cazaquistão e à Indonésia, a iniciativa alcançou resultados mistos: embora acordos para iniciar os projetos de infraestrutura tenham sido celebrados com países, como o Cazaquistão, Uzbequistão, Quirquistão e Sri Lanka, a preocupação dos países do entorno, como a Índia e potências que agem na região, sobretudo os Estados Unidos, estão relacionadas aos interesses chineses (geopolíticos, sobretudo, como a redução da influência norte-americana na região asiática, o acesso a recursos naturais e o aumento de seu papel no cenário internacional) implícitos em tal iniciativa.

A receptividade dos países asiáticos com relação ao projeto chinês foi marcada por desconfiança – que é o caso da Índia, sendo que ambos os países buscam ampliar a sua influência na região e competem por áreas de atuação em países como Mianmar, onde a Índia iniciou um projeto de interligação em Arakan que permitirá aos indianos utilizar a região que dá acesso à Baia de Bengala para atividades de comércio e ou transporte – e adesão pragmática, como são os casos do Sri Lanka e Indonésia, que necessitavam de financiamentos para estabelecer novos portos e infraestrutura relacionada à área de transportes e viram no projeto chinês a oportunidade de conseguir o investimento necessário para realizar as obras que desejavam.

Em 2014 o governo chinês firmou acordos com Cazaquistão, Uzbequistão, Quirquistão e Sri Lanka. O investimento de 1,4 bilhões de dólares neste último país, considerado o maior investimento estrangeiro registrado, destinou-se à construção de um porto na cidade de Colombo (integrando assim parte da Rota da Seda para o Século XXI) e o aprofundamento dos laços entre a China e o país do leste asiático passou a ser observado com preocupação pela Índia, que teria a sua influência reduzida no país vizinho, e pelo Japão, que ultimamente renovaram seu interesse pelo país.

No entanto, a iniciativa chinesa também passou a sofrer alguns empecilhos, com a crescente rejeição popular no Mianmar (antiga Birmânia), relacionada ao conflito entre os objetivos chineses, nomeadamente o acesso a novas fontes de recursos naturais e à Baia de Bengala, e a contestação de parcelas da população birmanesa que se demonstram contrárias ao investimento chinês na área da infraestrutura, sobretudo por conta dos laços deste país com os ex-governantes militares – explicitados através da celebração de acordos para a construção de hidroelétricas no país – e aos impactos sociais (principalmente o deslocamento de pessoas) e ambientais relacionados a obras de infraestrutura que ligariam os dois países asiáticos. Desta forma, o projeto de construção de uma ferrovia, que seguiria o caminho de um gasoduto existente até a capital da província chinesa de Yunan e que havia sido orçada em 20 bilhões de dólares, como parte do projeto marítimo da iniciativa “The Belt and Road”, foi cancelado.

Cabe ressaltar que além da rejeição apresentada por Mianmar, os projetos chineses também podem sofrer com os interesses e “visões” dos governos indiano e norte-americano para o continente asiático. De uma perspectiva indiana, desde o ano de 2014, o Primeiro Ministro indiano, Sr. Modi, tem voltado sua política externa para um maior engajamento com os países ao seu redor, como o Afeganistão, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e Mianmar, e forjou relações mais estreitas com os Estados Unidos, tendo inclusive desenvolvido em conjunto uma Visão Estratégica para as regiões da Ásia-Pacífico e Oceano Índico, como o declarado intuito de apoiar projetos de investimentos conjuntos que tenham a capacidade de conferir crescimento econômico e estabilidade para as regiões como um todo.

Além da iniciativa conjunta com a Índia, a política dos Estados Unidos também compreende outra interpretação para a “Nova Rota da Seda”, sendo esta observada como uma forma de integrar o Afeganistão na região através de rotas de comércio e da reconstrução de infraestruturas inviabilizadas por anos de conflito. Assim, a proposta de um gasoduto que atravessaria o Afeganistão, Turcomenistão e Paquistão passou a ser a alternativa para trazer divisas aos países e permitir ao Turcomenistão (país dotado da segunda maior reserva de gás natural do mundo) ampliar seu comércio com a Índia e o Paquistão através do fornecimento de energia.

Embora a mega iniciativa chinesa “The Belt and Road” tenha até o presente momento alcançado resultados diversos e existam impedimentos a serem ultrapassados, como uma certa resistência dos países vizinhos com relação às motivações chinesas, e os interesses indianos e norte-americanos, sobretudo tendo em vista as possíveis alterações no equilíbrio de poder regional, a implementação devidamente feita dos projetos de infraestrurura (planejada pelo governo chinês visando o 13º Plano Quinquenal, em vigor de 2015 até 2020) pode auxiliar no crescimento econômico, desenvolvimento e integração regional.

A resposta para uma das questões centrais da geopolítica do inicio deste século, ou seja, se a ascensão da China é irrefreável, e conseqüentemente irá conduzi-la ao posto de superpotência do século, ainda permanece em aberto. A questão é que a China, impulsionada pelo seu capital humano, avanços tecnológicos e um capitalismo estatal que ao longo das últimas décadas vem mostrando-se eficiente, parece possuir as condições econômicas e militares necessárias para tornar-se a superpotência deste século, condições estas que são amplamente discutidas, principalmente ao observarmos os desafios que tal país enfrenta (como a desigualdade de desenvolvimento entre regiões, sustentar o rápido desenvolvimento econômico) e poderá enfrentar – tais como o descontentamento político e a escassez de recursos naturais – questão que o país tenta “resolver” investindo externamente em países africanos para garantir a aquisição de recursos como o cobre, que é destinado para instalar as redes elétricas das cidades chinesas, e internamente, através de projetos de infraestrutura, visa à integração física e econômica de regiões que estiveram à margem do rápido processo de desenvolvimento econômico e comercial observado nas últimas décadas.  De acordo com as discussões apresentadas para que ainda é cedo para afirmar de forma categórica se a atuação chinesa no sistema internacional é revisionista, ou seja, busca uma alteração substantiva na distribuição de poder no sistema internacional, ou “conciliadora/de acomodação” com a ainda questionável potência hegemônica, os Estados Unidos.

No entanto, de acordo com os aspectos que foram discutidos no primeiro artigo e ao longo deste, observa-se que um elemento que coloca a política externa de Xi Jinping em uma possição diferenciada daquela de seus antecessores é o uso que ele e aqueles que compõem  a máquina estatal chinesa fazem de diferentes instrumentos , como a aspectos de tecnologia militar e o desenvolvimento de uma robusta diplomacia de comércio, para desenolver uma política externa voltada à concretização de objetivos geopolíticos muito bem desenhados. Entre os referidos objetivos figura, por exemplo, a manutenção da ordem interna, o desenvolvimento de um crescimento econômico sustentável. Para além do potencial de conflito relacionado ao empoderamneto chinês na Ásia e os interesses norte-americanos na região, é possivel apenas apontar que os dirigentes chineses desenvolveram uma estratégia que possui ações como atuação junto aos países vizinhos, com foco na resolução de questões fronteiriças e a proteção da costa marítima – sendo emblemática a disputa pelas Ilhas de Senkaku/Diaoyu, uma região dotada de fontes energéticas (gás natural e petróleo) e estratégica para o embarque de mercadorias e pesca, reivindicadas pela China e Japão – , além dos laços fortes que a China estabeleceu com diversos países – como a celebração de parcerias estratégicas na região, com países como Rússia, Índia, Tailândia, Cazaquistão, França, Brasil e Irã – o país asiático buscou participar de forma ativa em organizações internacionais e blocos econômicos presentes no sistema internacional – como a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) –, fato que acrescido da forte interdependência econômica dificultaria uma contenção ou isolamento da potência chinesa e asseguraria sua posição de relevância no cenário econômico.

Referências Bibliográficas

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