O tema central da história moderna do México sempre foi a do México desenvolvido e a do subdesenvolvido, o problema de cuja solução depende a existência de seu próprio povo . Em geral, os economistas e sociólogos vêm as diferenças entre a sociedade tradicional e a moderna como uma oposição entre desenvolvimento e subdesenvolvimento : as disparidades entre os dois Méxicos são de ordem quantitativa e o problema se reduz a determinar se a metade desenvolvida poderá ou não absorver a metade subdesenvolvida. Ora, se é normal que as estatísticas omitam a descrição qualitativa dos fenômenos, não o é que os sociólogos não percebam que por trás dessas cifras há realidades psíquicas, históricas e culturais irredutíveis às medidas acadêmicas grosseiras que , forçosamente, os estudos especializados utilizam . Tais quadros estatísticos, por sinal, nem foram pensados para o México, são toscas adaptações de modelos europeus e americanos . No entanto, a parte desenvolvida do México impõe seu modelo à outra , sem perceber que este modelo não corresponde à verdadeira realidade histórica, psíquica e cultura mexicana, que ela é uma mera cópia (muito degradada)do arquétipo norte-americano. E a ironia do destino, agora, obriga o Presidente Peña Nieto a defender um acordo comercial que beneficia mais os Estados Unidos , ao contrário do que pensa o Presidente Trump ; pois de modo algum o NAFTA foi uma benção para o México, nem mesmo uma maldição para os Estados Unidos ---- e há quem defenda que é justamente o oposto . Por causa deste e de outros acordos, o desenvolvimento do México foi, até hoje, talvez o oposto do que significa essa palavra : revelar o que está envolvido, desdobrar-se, crescer livre e harmonicamente . O desenvolvimento mexicano foi uma verdadeira camisa-de-força para o México. Com o Nafta, por exemplo , o Me´xico recebeu investimentos bilionários das montadoras e em serviços , criando bolsões de riqueza incapazes de espalhar prosperidade pelo resto da nação e reduzir a grande desigualdade de renda entre os mexicanos. Uma falsa libertação : se aboliu muitas das antigas e insensatas proibições, em compensação agora os mexicanos são sufocados com exigências não menos terríveis e onerosas . O espírito desabitou o México com a chegada do progresso à moda moderna. E hoje, para ser referirem ao México subdesenvolvido, muitos antropólogos usam uma expressão reveladora : ''cultura da pobreza'' . Designação não de todo errada, mas insuficiente : o outro México é pobre e miserável ; e além disso, é efetivamente ''outro'', e essa ''outridade''escapa às noções reducionistas de pobreza e riqueza , desenvolvimento ou atraso ; é um complexo de atitudes e estruturas inconscientes que , longe de serem sobrevivências de um mundo pré-colombiano extinto, são ''pervivências '' constitutivas da cultura mexicana contemporânea, como descobrimos lendo as obras de Carlos Castaneda . O ''outro'' México , o submerso e reprimido , reaparece no México moderno ; mas só falamos com ele quando falamos sozinhos, ou em estado de silêncio interno; quando falamos com ele, é como se falássemos conosco mesmo... O Presidente Trump culpa o NAFTA pela perda dos empregos da indústria, mas o que migrou para o México foram os empregos de baixos salários, os mesmos que os imigrantes ilegais disputam nos Estados Unidos. A consequência do NAFTA sobre a média dos trabalhadores americanos foi perto de zero , mas muito negativas para uma minoria de regiões isoladas, exatamente aquelas que apoiaram o novo presidente com mais entusiasmo. E talvez ele não esteja errado de pensar nela, quando insiste em cumprir suas promessas de campanha à risca. Por maiores que sejam as críticas que venham despertando seu feérico comportamento diplomático, no fundo ele demonstra caráter e compromisso com uma parcela esquecida da sociedade americana.
K.M.
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