Se o homem é duplo ou triplo, tbm o são as civilizações e as sociedades. Cada país, cada povo mantém um diálogo com um interlocutor invisível que é, simultaneamente, ele mesmo e o outro, seu duplo. Seu duplo ? Qual é o original e qual é o fantasma ? Como a tira de Moebius, não há exterior nem interior e a ''outridade '' não está lá fora , mas sim aqui dentro: a outridade somos nós mesmos. A outridade do México não são os Estados Unidos, mas o próprio México . A dualidade não é uma coisa colada, postiça ou externa ; é a nossa realidade constitutiva, seja de um indivíduo ou de uma nação. Sem outridade não existe unidade, ela é a sombra com que brigamos em nossos pesadelos ; e , ao inverso , a unidade é um momento da outridade : exatamente o momento em que nos sabemos um corpo sem sombra ---- ou uma sombra sem corpo . Nm dentro , nem fora, nem antes nem depois. Com isso quero apenas sustentar que essas realidades que chamamos de culturas e civilizações são tortuosas. Assim, o caráter do México , assim como o de qualquer outro povo, é uma ilusão, uma máscara ; e ao mesmo tempo, ele possui um rosto real. Quando , por exemplo, o ex-Ministro das Relações Exteriores advertiu os mexicanos que o Presidente Trump buscaria cumprir todas as suas promessas de campanha, ele estava falando de um rosto real e atual do México. Mas quando ele instigou o atual Governo a não negociar o NAFTA com o Presidente Trump, ele estava cobrindo o México com sua máscara arquetípica da catástrofe cósmica da Conquista, e ao antecipar a ''Luta Contra a Nova América '' , ele estava buscando algum tipo de representação ritual : muito provavelmente, a representação de um sacrifício. Aliás, entre estes dois extremos, o da façanha e o do rito sacrificial, sempre oscilaram a sensibilidade e a imaginação dos mexicanos. A idéia de renegociar o NAFTA não é de modo algum inaceitável, como afirmou este senhor ao New York Times, ela pode inclusive vir a ser benéfica para os mexicanos, caso haja lisura, honestidade e fraternidade em tal renegociação. Quanto aos que pretendem ver nesse primeiro mês de governo do Presidente Trump um ''caos '' e uma ''crise'', só consigo explicar a tentação destes analistas através de alguma necessidade de ''atualização simbólica'' de ''angústias invisíveis''. É natural que , quando se está buscando quebrar um paradigma de governança liberal, que envolve todos os setores da sociedade americana, o pânico da inteligentsia derrotada seja amplificada pelos holofotes midiáticos como forma (mais do que legítima) de se resistir ou questionar alguns pontos da mudança. Mas o que estamos vendo acontecer na América esses dias é uma coisa bem outra : implementações estratégicas há muito anunciadas provocando pequenos choques aqui e ali, enquanto uma turma que não quer ''largar o osso liberal'' de jeito nenhum procura vivenciar os acontecimentos como se fossem uma representação de mascarados que traçam no tablado da mídia figuras enigmáticas cujo significado da peça que estão representando lhes escapa a todo instante.
K.M.
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