O conceito de literatura carnavalizada vindo de Bakhtin e amplamente explicado em seu livro L’Oeuvre de François Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et sous la Renaissance. Neste livro, o autor explica que não é o carnaval em si que se constitui como fato literário: são as misturas de registros discursivos, o não-respeito por certas regras estabelecidas, a insolência em dizer baixinho, ou em alto e bom tom, verdades que seria preferível esconder. A literatura carnavalizada, aquela que permite a inclusão da ironia e da paródia em seu âmago, irá inevitavelmente romper esse equilíbrio, essa harmonia ou fazê-lo ao menos estremecer um pouco.
Todas as áreas artísticas estão infiltradas de indecisão e de empenho transformador : na música , Debussy , Bartok , Stravinski e Ravel exploravam audácias dissonantes ; o folclore e os regionalistas vinham à tona metamorfoseados ; os ''formalistas russos '' pinçavam das profundezas da linguística os mistérios da literalidade e , em decorrência, a literatura usava o potencial criativo da linguagem nos seus experimentos mais sofisticados e bem -sucedidos , explorando sistematicamente a metáfora, o símbolo, as alegorias, a misteriosa e perene gravidez das palavras e dos sons . Por sua vez, a poesia de então esplendia e maltratava a sensibilidade moderna, revelando a Terra Devastada de Eliot, assim como no caso exemplar de James Joyce , estruturado em temas mitológicos que , há milênios , servem ao homem como veículo de regeneração. Assim como Joyce, Thomas Mann faz também inteligentes incursões no pensamento de Nietzsche, Bergson, Jung , William James . O Eterno Retorno e a Ressurreição.
Importava muito mais a paródia propriamente dita do que o jogo de inversões utópicas, como a paródia dos gregos-irlandeses no Ulisses. Por isso talvez alguns críticos acusassem Joyce de admiração pela burguesia capitalista, e de indiferença quanto ao destino irlandês. Embora o mito seja o grande motor de sua produção literária , é na Escolástica de Tomás de Aquino e no pensamento de Giambattista Vico que ele vai encontrar fundamentos estéticos ; partindo de vagas sugestões de natureza tomista , visa à sabedoria e à iluminação , e engaja-se na busca de si mesmo e na beleza artística. Misturando simbolismo e realismo, com a mesma liberdade com que usava conceitos filosóficos, congrega diversas vertentes da mitologia, fazendo o mito grego comungar com as raízes autóctones da tradição celta e da anglo-saxônica , ou com posteriores empréstimos normandos, almejando estruturar uma síntese relativamente idealista: epifania como momento de estesia em que o artista desvenda a coisidade do ser (integritas , consonantia e claritas) ; após identificar no objeto as qualidades de integridade e simetria, a mente observadora chega à síntese, a ''única relação lógica possível'' ; e assim apreende a terceira qualidade da beleza : a radiação, radiância ou claritas, atinginda exatamente no momento que Dedalus chama de ''epifania''.
Post Scriptum
neologismos sintáticos e vocabulares, sinestesia, variação de pontos de vista, equilíbrio tonal, leitmotivs sintáticos vocabulares ou sonoros, aglutinações, montagem espaço-temporal com técnicas cinematográficas como o flash-back, o flash-forward, o fade-out ou o close-up e o uso da gíria, dos dialetos, de painéis imagísticos entrecruzados, de uma imensa gama de formas gestuais e faladas através de que o escritor visa a apreensão de significados latentes.
K.M.
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