Ao retomar a distinção leibniziana entre ''appetitus'' e ''perceptio'' , Schelling deu a essa metafísica da vontade uma formulação que viria a exercer uma grande influência sobre o círculo dos poetas românticos de Jena.
''Em última e suprema instância'', ele escreve nas Investigações filosóficas sobre a natureza da liberdade humana , ''não há outro Ser senão a Vontade. Vontade é o ser original (Ur-sein) e a ela se aplicam todos os predicados deste : ausência de fundo (Grundlosigkeit ) , eternidade , independência do tempo , autoassentimento (Selbstbejahung ) . Toda a filosofia não tende senão a encontrar essa suprema formulação.
Mas Schelling não se limita a absolutizar a vontade até torná-la o princípio original ; ele determina o seu ser como vontade pura , vontade que quer a si mesma, e essa ''vontade pela vontade '' é o Ur-grund, o fundo original , ou melhor , o Un-grund, o sem-fundo, o abismo informe e obscuro , a ''fome de ser'' que existe antes de qualquer oposição e sem a qual nada pode vir à existência. Ele escreve ainda :
''Na origem o espírito , no sentido mais amplo da palavra , não é de natureza teórica ... na origem ele é, antes, ''vontade'' e uma vontade unicamente pela vontade, uma vontade que não quer alguma coisa, mas quer apenas a si mesma .
O homem que participa tanto desse abismo original quanto a existência espiritual, é o ''ser central'' (Zentralwesen ) , o mediador entre Deus e a Natureza ; ele e o ''redentor da Natureza, para o qual tendem todas as criações que o precederam.
Essa idéia do homem como redentor e messias da natureza foi desenvolvida por Novalis na forma de uma interpretação da ciência, da arte e , em geral, de toda a atividade do homem como ''formação '' (Bildung) da natureza, em um sentido que parece antecipar o pensamento de Nietzsche. O projeto de Novalis é claramente a superação do idealismo de Fichte , que revelou ao homem a potência do espírito pensante.
Essa superação é, porém ,situada por Novalis no nível da ''prâxis'', e de uma prâxis entendida como unidade superior de pensamento e ação ,que fornece ao homem o meio para transformar o mundo e reintegrar a idade de outro. ''Fichte '' escreve Novalis em 1681 '' ensinou e descobriu o uso ativo do órgão mental . Mas descobriu ele as leis do uso ativo dos órgãos em geral ??''
Assim como nós movemos, para nosso prazer, o nosso órgão mental e traduzimos seus movimentos em linguagem e em atos voluntários , do mesmo modo deveríamos aprender a mover os órgãos internos do nosso corpo e o próprio corpo na sua integridade atômica e sub-atômica. Somente nesse caso, o homem se tornaria verdadeiramente independente da natureza e estaria à altura, pela primeira vez, de constranger os sentidos ''a ''produzir'' para ele a forma que ele deseja e, no sentido próprio da palavra , ele poderia viver no ''seu'' mundo . O fado que pesou até agora sobre o homem é simplesmente o da preguiça do seu espírito de porco : ''mas, ampliando e formando a nossa atividade, nós mesmos nos tornaremos Destino. Parece que tudo corre em nossa direção a partir do exterior, porque nós não corremos para o exterior. Nós somos negativos porque queremos sê-lo --- quanto mais nos tornamos positivos, mais o mundo em torno de nós se tornará negativo --- até que, no fim, não haverá mais negação, e seremos tudo em tudo. DEUS QUER DEUSES (!) '' (1682) .
Essa velha ''arte de se tornar ONIPOTENTE'' mediante um uso ativo dos órgãos consiste em uma apropriação do nosso corpo e da sua atividade orgânica criadora : ''o corpo é o instrumento da formação e da modificação do mundo. Devemos , então , fazer do nosso corpo um órgão CAPAZ DE TUDO . Modificar o nosso instrumento significa MODIFICAR O MUNDO . ( 1684) .
Onde quer que essa apropriação se realizasse, se realizaria também a conciliação do espírito e da natureza, da vontade e do acaso, da teoria e da prâxis em uma unidade superior, em um ''eu absoluto, prático e empírico '' (1668 ) .
E Novalis dá a essa prâxis superior o nome de Poesia (Poesie), definindo-a deste modo :
''A arte poética é um uso voluntário, ativo e produtivo dos nossos órgãos '' .
''Tudo o que é involuntário deve se tornar voluntário '' (1686)
K.M.
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