----- Concluindo o que eu estava falando (continuei ) as mais satisfatórias relações do sensível devem corresponder às fases necessárias da apreensão artística. Dostoiéviski , por exemplo , via tudo ao mesmo tempo, comandava sua própria mente . Ele instigava os leitores a acreditarem na vida para realizar algo a seu favor, tendo como objetivo descobrir as qualidades da beleza universal . São Tomás de Aquino diz : ''Ad pulcritudinem tria requiruntur integritas , consonantia , claritas '' (inteireza, harmonia e radiação ) . A primeira fase de apreensão é uma linha que limita, contorna o objeto a ser apreendido . Uma imagem estética apresenta-se no espaço ou no tempo. O que é audível apresenta-se no tempo eo que é visível apresenta-se no espaço. Mas, tanto temporal como espacial , a imagem estética é em primeiro lugar luminosamente apreendida como auto-limitada e auto-contida sobre o incomensurável segundo plano do espaço ou do tempo , que não o são . Tu a apreendes como uma coisa . Tu enxergas como um todo. Apreendes o seu Todo. Eis o que é ''integritas'' . Depois, então , tu passa dum ponto a outro ponto, conduzido por suas linhas formais, apreendes cada ponto como parte em função de outra parte dentro dos seus limites ; sentes o ritmo de sua estrutura ; a síntese da percepção imediata é seguida pela análise da apreensão ----- tendo primeiramente sentido que é ''uma '' coisa , sentes agora que é uma COISA . Tu a apreendes como complexa, múltipla, divisível , separável, inteirada pelas suas partes , o resultado de suas partes e a soma harmoniosa. Eis o que é ''consonantia ''. Mas ainda acho que São Tomás de Aquino tinha em mente algo como simbolismo ou idealismo , sendo a suprema qualidade da beleza uma luz como que dum outro mundo , a idéia de que a matéria não era senão sombra , e sua realidade não era senão o símbolo . Penso que cuidaria para que ''claritas'' fosse a descoberta e a representação artística da intenção divina nalguma coisa , ou a força da generalização que faria da imagem estética uma imagem universal, que a faria irradiar suas próprias condições ----- mas isso não passa de linguagem literária . Quando apreendemos alguma coisa, fazemos a única síntese lógica e esteticamente possível , só depois intuímos. A radiação de que fala São Tomás é a ''quidditas '' da escolástica, o QUÊ de uma coisa... Tal qualidade suprema é sentida pelo artista quando primeiro a imagem estética é concebida em sua imaginação .O espírito , nesse misterioso instante , Shelley comparou-o lindamente a um carvão em brasa que se apaga . O instante em que essa suprema qualidade da beleza , a radiação clara da imagem estética, é apreendida luminosamente pelo espírito que foi surpreendido em sua inteireza e fascinado por sua harmonia é o luminoso êxtase silencioso do prazer estético , um estado espiritual muito similar à condição cardíaca que o fisiologista italiano Luigi Galvani, servindo-se de uma frase quase tão bela quanto à de Shelley , chamou de ''encantamento do coração '' . Claro que o que digo se refere à beleza no mais lato sentido da palavra, no sentido que talvez possua na tradição literária. Na Bolsa de Valores, se a Srta. me permite , ela deve ter outro sentido . Mas foi o que me trouxe nova variedade de vocabulário e nova flexibilidade de sentimento . Em Mallarmé, por exemplo , pode-se dizer que , no conjunto, é a imagética, não o sentimento, que varia : e conquanto eu seja muito jocoso por vezes , creio não me afastar muito do conceito de ''clássico'' , no mesmo sentido de que mantive certa elevação de tom ---- ainda assim , é à tradição irônico-coloquial , bem mais que à séria-estética , do simbolismo , que devo ser aproximado : um romance -noticiário que se lê como uma Torá. O caminho teológico de Rimbaud levava ao On The Road interno do mundo privado e do cultivo das fantasias espirituais; o encorajamento das manias de preferência e em última instância as próprias quimeras , por soarem bem mais espantosas que as leituras da realidade . Sem , contudo, desistir da literatura ao longo da experiência, como Rimbaud, lembrava-me de tudo o que acontecera com grande conotação pessoal . Em Rock Mountain , Carolina do Norte (de onde ela tinha partido na véspera) eu voltaria para a estrada de manhã mesmo e tomaria meu desjejum ao sol, até ser parado por excesso de velocidade um pouco adiante. Já tinha me sentido assim antes em Rock Mt , o local onde eu escrevera uma série de cartas de recomendação para a imprensa estrangeira sobre ''terra doméstica e comum '' que ''convence da existência de Deus '' . Então entrei dirigindo na Carolina do Sul, plana e escura à noite, estradas refletindo estrelas , e a lerdeza sulista em alguns pontos do trajeto ---- ali já me era possível sentir o cheiro da terra ! Eu me acostumara a pensar de mim mesmo pensamentos poderosos de Life and Fortune , mesmo vendo as plantações no escuro o glamour das minhas comparações não recuava . Pensava que , quando do fundo do sono eu subisse as últimas escadarias do sonho, depois, que fosse no silêncio interno de qualquer beira de estrada que renascesse a consciência e a vida , indagando confusamente : ''Onde estou ?? "" e , vendo depois do que estava cercado, parei de analisar e concentrei-me vagamente no vento solitário que fazia meus olhos piscarem, não sabendo responder o que estava fazendo com ela em sua casa. Acordei em Mobile, Alabama. Ao me olhar no espelho de manhã , pude perceber que sentia-me feliz apenas em momentos como aquele , quando dos meus olhos calmos mas rapidamente intratáveis , eu conseguia destilar boa parte do mistério da beleza. Por definição , meu ''mundo distante '' já satisfazia boa parte da necessidade de mistérios da leitora ---- Pourquoi ce chemin plutôt que cet autre ?? ---- eu que podia realizar uma vida literária, no entanto ---- de nos jours , le monde est hostile aux Transparentes ---- o ato da leitura (como ela pôde compreender , pensava eu ) era para mim algo diverso de passar o tempo ou mesmo de divertir-se . Era a oração com que tornava-me afortunadamente empedernido(.) ------, concluí .
K.M.
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