sábado, 17 de setembro de 2016

Am farbigen Abglanz haben wir das Leben.


Am farbigen Abglanz haben wir das Leben.

Faust, II, 4727.

Die Farben sind Taten des Lichts.

Die Farben sind Taten des Lichts, Taten und Leiden. In diesem Sinne k¨onnen wir von denselben Aufschl¨usse ¨uber das Licht erwarten. Farben und Licht stehen zwar untereinander in dem genausten
Verh¨altnis, aber wir m¨ussen uns beide als der ganzen Natur angehorig denken: denn sie ist es ganz, die sich dadurch dem Sinne des Auges besonders offenbaren will.(Zur Farbenlehre. Didaktischer Teil - Vorwort -

Goethe)

As cores são ações e paixões da luz. Nesse sentido, podemos esperar delas alguma indicação sobre a luz. Na verdade, luz e cores se relacionam perfeitamente, embora devamos pensá-las como pertencendo à natureza em seu todo: é ela inteira que assim quer se revelar ao sentido da visão. (Doutrina das Cores. Esboço de uma Doutrina das Cores -

Goethe

(tradução de Marco Giannotti)

Decimos que “Errar es humano” y somos humanos.

¿A qué llamamos error?
de Faro de Amor, el jueves.

Parafraseando a IBN ARABI, el único error sería el no desestimar todos los supuestos errores y distraernos así de la evidente perfección..

Decimos que “Errar es humano” y somos humanos.
¿Porqué acusarnos entonces de aquello que consideramos que hemos hecho de manera equivocada.?
Justamente es allí donde está la enseñanza.

Si podemos ver nuestro error, es que hemos podido tomar en cuenta el hecho de las consecuencias que emanan de él.

Entonces, lo lógico es quitarnos el complejo de culpa y ver con alegría el aprendizaje que nos dejó.
Si lo vemos desde otro punto de vista, el no equivocarnos hubiera sido acertar con la decisión justa, en el momento preciso.

El pasado es pasado y no vuelve, no hay corrección al respecto.

Entonces vivamos el presente con la alegría correspondiente a hoy, porque sabemos que si en algún momento se nos presenta algo similar, ya no va a ser acertar a tientas ni a ciegas, sino dar con lo justo por experiencia propia.

Si sabemos recoger las enseñanzas no hay motivos de sentirnos culpables.De eso se trata la vida… es una conexión continua de enseñanzas y aprendizajes.

Entonces desterramos la palabra error y con ella el complejo de culpa y tomamos a aquello que tanto nos marcó como la enseñanza maestra oportuna.

Esto nos lleva derechito al perdón.

Perdónate a ti mismo, por haberte culpado!

No juzgar y perdonar, empiezan por no juzgarte y perdonarte.

En un nivel el error es un momento de la verdad, imprescindible ocasión de comprensión de la armonía peestablecida. En la verdad no hay error porque todo es perfecto; quien se ha asomado al despertar no encuentra errores ni en sí ni en nada; lo que se llama error sólo es un mal pensamiento, una desconfianza, falta de fe. Para el que realmente cree en Dios no existe la posibilidad de reconocer ningún error porque sabe que todo es Dios, y, siendo así: ¿Dónde puede estar el error? Con más razón aquel que asume lo absoluto sabe que el error es una ilusión o un defecto de visión.

Parafraseando a IBN ARABI, el único error sería el no desestimar todos los supuestos errores y distraernos así de la evidente perfección..

El Nessy.

Cinco dias para derrubar os números do republicano.

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 47

------ Quando escrevo K.M. (eu disse à Irene) é para compreender uma humanidade que até agora só conseguiu se afirmar pela destruição. Mas as garras do Angelus Novus , de Klee, e seus pés de ave de rapina, não tem um significado satânico. Antes caracterizam  o poder destrutivo , e ao mesmo tempo libertador, do anjo (.) No final do ensaio de Karl Krauss, é ele quem celebra a vitória sobre o Demônio ''no ponto em que origem e destruição se encontram '' (.) -----, eu disse. Irene pairava sobre minha cabeça num estado de vigilância total, mas era completamente natural em sua atitude, enquanto eu me mostrava intelectualmente ameaçador. Não era exatamente um sinal de saúde, mas de potência intelectual.Eu desmontava os assuntos de nossas conversas em seus componentes essenciais, enchendo sua mente com esfregadelas de trapos literários. Ela tinha um talento especial para dramatizar meus interrogatórios: ------  Autoparódia e exageros dramáticos. A personificação da independência espiritual. Do out-sider. Do brujo. Basta pensar um pouco, que começo a mordiscar os lábios de novo. Isso causa-me aflição (.) -------, ela disse. Ao primeiro repouso do meu pensamento, ao redor da mesa ou noutro lugar, Klara e Irene tinham suas respectivas formas de compreenderem a coisa. E se logo de saída não estivessem de acordo sobre o que tinham ouvido da minha boca e sua significação, apegavam-se à questão da ''cor'' em ''movimento''. Um artifício de cor mesclado às notícias. Muitas  vezes (eu admitia à elas) carrego um pouco a mão na tinta. Era verdade. Eu era mais Van Gogh que Rembrandt. Depois, elas falavam seriamente comigo até chegarmos à um acordo. Digo: até que estivessem de acordo comigo. Era, portanto, difícil para qualquer pessoa se esgueirar de mim, mesmo à sombra dos poemas mais estranhos que encontravam na minha mesa. Liam tudo que encontravam ali, com ou sem autorização.  E todas elas levantavam a cabeça,  a cada leitura,  interrogando-se , observando-se umas às outras, antes de se curvarem mais uma vez sobre os textos e... cada belo rosto inclinado passeando os olhos dentro de um sorriso que não eram bem sorrisos,  antes pequenos rictos, anti-climaxs pessoais momentâneos e elaborados, que, sem maldade, procuravam despojar o que liam de toda relevância. Cada uma delas, a despeito de suas ideologias políticas, se perguntava se as outras sentiam a mesma coisa e  prometiam a si mesmas informaram-se mais profundamente sobre o assunto. Eu não dava descanso à ninguém . Entrava na sala e viam-me afastando-me com indiferença à sombra dos meus papéis centenários, ora procurando ignorar ''Shakespeare'' e aceitar o vazio caduco do milênio, ora me refugiando na claridade elevada de papeís ainda mais antigos, andando pelos corredores com um andar incerto que, a cada passo, colocava os pilares da sociedade em cheque. Meu semblante sério e sem expressão locupletando-se de orgulho medieval de casta, fechando-se numa redoma de meditação super-sônica para pensar melhor, observar melhor meu próprio sonho. ------ Por que a VOZ que me manda avançar (dizia à elas) parece não se calar nunca (.) -------, eu disse. Nesses momentos, eu sempre olhava fixamente para alguma delas, mas sem ver sua beleza, nem sua utilidade prática, apenas a pequena flor silvestre de mil cores sutis no centro de suas testas. Olhava-as com uma obstinação palpável, que conferia à minha pessoa uma plenitude indestrutível. E isso apesar de todas as podas radicais da mídia e da oposição.  ----- Às vezes  (eu disse à ela) sou realmente falastrão.  Pretendo dar todas as respostas à todas as perguntas, e deixar um ponto de interrogação todo meu boiando no ar, para que continuem esperando por mim no final do dia... Digo: os barulhos da vez (.) De modo que parece à todos que recobrei os ouvidos da infância. Então, na minha cama, no escuro, nas noites de tempestades, eu disparo a glândula pineal e identifico a influência política venenosa em todos os assuntos, no estrépido de todas as ambições lá fora, nas falhas, omissões, cortejos, tapinhas no ombro, nos gargalos de todas as disputas intelectuais, nos troncos gementes de todas as idéias alheias, em toda grana envolvida em cada motivo de briga.
K.M.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Mestre da Luz e da Sombra.


Portrait-of-rosalba-peale.


Ácidos e ásperos instrumentos de pintura e gravura, atentos aos corpos sucessivos de Saskia, Hendrickje, Rosalba ou às metamorfoses de Tito, investigando o objeto, os sentidos a vida  imediata ou alegórica : lá fora ou no interior da Bíblia; rejeitando a alternativa do bem e do mal da luz e da sombra, da dualidade e lógica binária da linguagem, sob a tensão constante de um pensamento ordenador do caos. 

Navios da Europa ou do Oriente trazendo ouro, pedras preciosas, telas, tapeçarias e tantos outros símbolos fora da palavra. Depois de abraçar a faixa dos séculos, pela ciência do claro-escuro  divide-a. Represando a vida em si mesmo, explode-lhe a energia. Assiste à crucificação, logo depois aborda o Cristo na tenda de Emaús.

Circundado de credores, expulso dos florins e das categorias do supérfluo, alinha-se entre os contestadores da lógica.  Esgotados os dissensos do filho pródigo e o catálogo dos corpos asteróides ou não, assume ao máximo a densidade da vida psíquica. Procurando em vão, através de numerosos auto-retratos, identificar-se, entrevendo no último instante o moinho do Criador moendo o Tempo, Rembrandt abole a restrita memória dos homens nas ruas aguadas e curvas de Amsterdam para impor-lhes a sua própria, auto-referente, eterna, gigantesca, personalíssima memória.

K.M.

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 46

Helás ! Diga-se a verdade: no dia em que eu quis tirar aquilo absolutamente a limpo, percebi que já era tarde demais. Nas minhas fileiras de livros, tinha aprendido que o excesso de vocação para falar era uma força ao meu dispor. Nenhuma paixão era mais verdadeira que a minha voz. Uma paixão relacionada com os propósitos de realizar minha visão sobre a terra. Evidentemente, muitos a supunham uma insensatez. Eu apenas lamentava não terem podido me compreender a tempo de poderem se aproveitar disso. Não havia agora uma única questão sobre a qual eu não fosse conclusivo. Pensava que um Dyani-Budha tinha que ser infalível, e era.   ------ A palavra ética (eu disse no meu último discurso), quando do seu aparecimento nas escolas filosóficas gregas, significava ''Doutrina da Felicidade''. Portanto, um grande apetite pelo sucesso teria que despertar, antes, necessariamente, nossa ética (.) -----, concluía.  Ouvindo-me, muitos democratas consultavam suas próprias ambições como se fossem a parte mais retirada de sua vida emocional. A ambição democrata era realmente a mais secreta, cujo leito era um caos de raízes nodosas, escorregadias, pedras e lama enrijecida que esfrangalhavam muitas convicções republicanas antigas sobre a inviolabilidade da própria honra. Com demasiada frequência, as ambições liberais se tornavam tão cegas quanto uma foice. Tão cegas quanto um martelo. Uma noite , como era comum acontecer, Klara não conseguiu dormir e me telefonou. Eu estava deitado na cama, meditando completamente nu.  Ela disse: ------Seu discurso sobre ética e felicidade foi perturbador (.) Achei incrível a forma como você conseguiu sublimar a menção de que os gregos relacionavam o Daimonion com a Felicidade (Eudaimonion). O anjo realmente almejava à felicidade, e essa só era alcançada através da redenção. O entusiasmo da ''única vez '' , da ''Einmaligen'', do ''Novo'', do '' ainda não vivido '', se unindo à beatitude da recuperação do experiência já vivida. Essa é a nossa maneira de enxergar a Rússia do Presidente Putin, no momento. Hoje ela é muito menos poderosa do que a União Soviética do anos 1950, mas sua influência cresceu assustadoramente.  O ''exibicionismo'' bélico  dos russos, graças à expansão do espetáculo midiático, hoje repercute com mais contundência que as manobras da Guerra Fria. E mais instantaneamente. Nesse exato momento, por exemplo, o Presidente Putin  negocia a entrega à Teerã de um gigantesco contrato de mísseis anti-aéreos S-300, de última geração. E por maiores que sejam as pressões ocidentais, a tendência é que Putin as ignore completamente (risos) ou se justifique dizendo que há tempos a Guarda Revolucionária do Irã luta na Síria ao lado deles e do Hezbollah (.)-------, ela disse, de forma irônica. O horário também era irônico: 03:15 da madrugada. Julgando-a, eu não a apresentaria como ''sinistra '', Mas meu interesse por Klara, como personagem, era genuíno. Quando me levantei da cama para procurar meus cigarros, um gota de mel transparente rolou da minha glande. Ela não poderia ter entendido o tamanho do meu autocontrole, se estivesse ali comigo. Ou como eu conseguia subjugar a matéria depois de tantos beijos. Se isso era demoníaco ou não, para ela não importava. Eu continuava sendo um romancista sem roupa num apartamento, em busca de seus cigarros . Apesar do meu andar estranho, minhas pausas e investidas. Desde o início dos seus serviços, eu mesmo a instruíra a não prestar atenção nisso e fazer da humanidade um estudo constante e obstinado, pretendendo estimula-la, com isso, a sentir-se próxima do que era divino nos seres humanos, e não nas minhas excentricidades. Isso (eu dizia a ela) te deixará alerta aos despojos que saem de todos eles depois de um ''choque'' de realidade .  ------- Agora também o governo de  Recep Tayyn Erdogan , que em 2015 derrubou um caça russo na fronteira com a Síria, vem solicitando uma reaproximação com Moscou. Cogitam inclusive ceder a base de Incirlik para a Força Aérea russa, atualmente usada pela Otan e local onde os Estados Unidos armazenam parte de seu arsenal nuclear(.) Foi o serviço secreto russo quem avisou o Presidente turco da tentativa de golpe em julho (?) Uma decifração do ''nome secreto''  (Agesilaus Santander ) como um anagrama de ''der Angelus Satanas''. Hipotese engenhosa, essa que se dispõe sempre a uma compreensão solidária de um possível oponente (.) Mas eu não me incluo entre os que condenam cegamente o contra-golpe do Presidente Erdogan... é muito fácil condenar as atitudes de um líder reacionário do ponto de vista liberal. Por isso, acadêmicos marxistas, jornalistas e analistas liberais foram presos pelo governo turco. E a disposição do Presidente Obama de intervir na Síria esfriou quando a Rússia cobriu a aposta de Erdogan. Agora, se eu for eleito Presidente, terei que trair os curdos para recuperar a Turquia ou deslocar-me para uma posição ainda mais ambígua, procurando me articular com a Rússia, que sobrevoa o território iraquiano com bombardeiros que partem do Irã para atacar alvos na Síria (.) Essa é a herança que a política externa do Presidente Obama nos deixará (...) ------, eu disse, s ugerindo que aqueles presentes humildes seriam, no futuro próximo, tão inúteis, e minha maneira de lidar com eles, teria que ser tão obrigatoriamente delicada , que deixariam a mim e a todos eles a um só tempo desarmados. Eu faria o possível para que nenhum deles visse no meu comportamento qualquer tipo de afronta. Mas, pensando bem, os nervos estavam tão a flor da pele, que qualquer movimento meu naquele território, fosse o de um pássaro cinzento sobrevoando ou levantando vôo, os faria levantar a cabeça e arregalar os olhos.  A distância cultural, o abismo aberto pelo Presidente Obama na situação, reduziria minha cabeça, nos binóculos deles, à dimensão de uma cabeça de alfinete. Nada mais se passaria ali à revelia daqueles personagens  . Um ''impasse dinamarquês''.  ------ Quando Walter Benjamin adquiriu o quadro de Paul Klee (Klara falou ), o Angelus Novus, ele não relacionou a imagem imediatamente à uma idéia satânico-luciferina. O anjo ainda não estava imerso na aura de melancolia do seu ''Conceito de materialismo histórico''. O caráter satânico do anjo de Klee é sublinhado depois , inspirada por uma releitura do poeta Charles Baudelaire, com a metáfora sobre as garras e as asas afiadas como lâminas. Mas nenhum anjo, exceto Lúcifer, possui garras. Nos Estados Unidos, é o DUMB ASS (,) Na Inglaterra, o BLOODY FOOL (.) Na França, o L´ÂME SIMPLE (.) Na Itália,  o GRAN DIÁVOLO (.) Entre os espanhóis, o GRANDE PAYASO (.) Mas é do alemão DUMMKOPF que virá, espero, nossa determinação de nos afastarmos de uma certa fraqueza: a da admiração relutante pela falsa idéia de Onipotência.
K.M.

Sobre o Tibet.


As pequenas possibilidades de entendimento entre a China e o Tibet terminaram nos dias 27 de setembro e 1º de outubro de 1987, quando manifestações de jovens lamas que reclamavam a independência se transformaram em motim, reprimido com um banho de sangue pelo Governo Chinês. Um pouco antes, o dalai-lama havia elaborado o Plano de Paz de Cinco Pontos para o Tibete, um projeto para a pacificação da região que foi apresentado oficialmente no Congresso dos Estados Unidos. Da proposta constava a transformação de todo o Tibete em uma zona de paz; a cessação da política chinesa de transferência de população, considerada uma ameaça a existência dos tibetanos como povo; o respeito pelos direitos humanos fundamentais dos tibetanos, bem como de suas liberdades democráticas; a restauração e proteção do ambiente natural tibetano e abandono do uso de seu território para produção de armas nucleares para a China; e o início de negociações sérias sobre o futuro status do Tibete e das relações entre os povos chinês e tibetano. Porém, o governo chinês nunca deu uma resposta sobre o documento. Muito embora se saiba que o Tibet realmente representa hoje o mais poderoso e protegido reduto da Loja Negra, especialmente por causa da proteção que o governo chinês dá à seita Bön e por ter perseguido o Lamaísmo, prejudicando o antigo e frágil equilíbrio de forças então existente no planeta, sobre os seus pontos focais de luz e trevas. E com o avanço do Plano da Hierarquia, a Loja Negra passa a investir cada vez mais nos focos de sua consumação, buscando confundir a percepção das últimas revelações. Estas estariam atualmente veladas pela idéia das “deidades iradas” (ou apenas poderosas) do Budismo Tântrico, onde o mito teosófico dos Pratyekas como “Budas egoístas” refletiria tais incompreensões (pois se trataria na prática de apenas um dos Sendeiros Superiores de evolução adotados pelos Chohans), assim como certos atributos generalizados dos xamãs como “magos negros”, algo como se acha em “A Voz do Silêncio” a respeito dos “Dugpas” do Tibet, que é nada menos que a Escola de Padma Sambhava, mais ou menos ligada à seita Bön do Tibet, a qual hoje em dia até o próprio Dalai Lama respeita.

K.M.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 43

Conversar com Klara era como se fosse possível esticar a mão e recuperar a juventude. A ''Stimmung''' tomando forma sólida e assumindo um rosto angelical e sábio. Suas palavras formavam uma estrutura intrincada dentro da minha cabeça . Tive que dizer isso à ela, naquela tarde. ----- Não ouvia essa palavra desde a minha licenciatura (ela disse) É precisamente uma daquelas palavras que qualquer filólogo prudente definiria como intraduzível. Mas isso não quer dizer que frases como ''In gutter Stimmung sein '' não possam ser traduzidas em bom italiano como '' Essere di buon umore '' ou '' être en bonne humeur '', em francês(..) -----, ela disse, mantendo minha cabeça no lugar com suas vigas e pilares filológicos improvisados. Ela era uma chuva morna dilatando a musculatura das minhas costas, ao entrar e sair do escritório de dez em dez minutos. ''Linda garota señor (.) '', pensava comigo, de dez em dez minutos. Mas perto dela eu me sentia um velho chinês amarelado descansando sobre um assento antropomórfico de pedra calcária. Um ''Vago jugador de pelota'' atrapalhando o trânsito só para chamar a atenção.  ------ Sublime (!) L´atmosfera di questa stanza (.)''   - ''Creare una atmosfera ''. Stimmung hervorrufen... no italiano, porém, falta a unidade de sentimentos que um homem experimenta em face do que o envolve tão poderosamente. Um italiano não pode dizer : ''L´umore de un paessageo ''. Já um alemão pode falar tanto da ''Stimmung'' de uma bela paisagem, de um rosto encantador, de uma presença apaixonante, quanto da ''minha Stimmung''. Por exemplo: a ''Stimmung '' da minha obra poética, onde plantas semeadas em latas vazias crescem em varandas prestes a desabar (.) -----, eu disse, rindo. Meu rosto era o de um mecânico da Fórmula -1 olhando para uma capa de revista que viera visitar os boxs, uma modelo jovem com olhos serenos e maquiados. ----- Touché(!)  Esqueci-me que você adora os mitos. Eros e o amoque. Você sabe: o amok clássico era um indivíduo tímido e reservado que reprimia profundamente seus impulsos libidinosos e agressivos, resultando em algo que só pode ser descrito como, âhn, lastimável. E sabemos que o amor se diz, em grego, Eros. No entanto, para nós o amor é um sentimento. Mas para os gregos Eros era um deus. Digo: ele não pertencia à psicologia, mas à teologia. E para essa diferença que quero chamar sua atenção. O provençal ''amor'', e também o ''amor'' dos stilnovistas se encontram nessa encruzilhada. Não se sabe mais se era um cerimonial religioso-soteriológico ou uma aventura amorosa no sentido moderno (.) ------, ela disse. Eu tinha meu lugar, obviamente, no seu coração. Mas agora eu estava rente à janela, fumando, e enquanto eu a ouvia falar, imaginava-a entrando no meu quarto de noite, tirando a calcinha cor-de-rosa e ficando nua. Eu tirava a roupa também e deitava na cama de palha, mascando um chiclete de hortelã. ----- (.... o que diferencia a síndrome do amok (ela continuava falando) de uma mera explosão de temperamento, é que a ´sindrome do  amok tem pouca relação com (.... ------, mas minha mente parava de funcionar por um instante entre suas frases. Logo depois, meus olhos imprimiam nela movimentos difíceis de descrever, e cuja significação não ficava muito clara para mim . ------ ''Tonalitá emotiva''. Stimmung (Mas acho que ignoro o gênio das línguas européias (eu disse) O amok é engraçado, pelo jeito que você o descreve. Talvez nesse tipo de receio haja algo evidentemente saudável. Pelo menos a princípio, certo (?) O maior toureiro da Espanha também tremia e vomitava antes de entrar em cena. Lembro sempre desse paradoxo. Em nossa profissão, por exemplo, não podemos temer nada, muito menos a tensão psíquica. Mas estar em uma ''Stimmung'' como a de agora, é verdade: não comporta nenhuma referência à nossa Psique. Digo: não se trata de um estado interior MEU que está se exteriorizando em VOCÊ, para colori-la com minhas próprias cores. Essa Stimmung não está nem no meu interior e nem no mundo , mas no limite entre ambos. Diria, inclusive, que antes de se abrir em todo saber e toda percepção sensível, o posto de Presidente dos Estados Unidos, vem se abrindo para mim como uma Stimmung. Como ''você'', Klara . Uma Stimmung desvelando uma Geworfenheit: um ser-lançado a minha frente, cuja estrutura agora é inerente ao meu pensamento (.) -----, concluí. O que se seguiu foi um gesto estranho da minha parte, à um só tempo corajoso e desarticulado. Quase um desastre. Meu braço sacudindo o cigarro pela janela, tão próximo de fazer uma declaração de amor, que me cortava a respiração . Depois que o cigarro  caiu, continuei sacudindo o braço ,catatonicamente, como que para livrar meu gesto de qualquer vestígio de significação. Eu suava frio. Minha mão trepidava, vazia e mole, tão rápido que parecia haver quatro ou cinco no final do braço. Ao mesmo tempo, Klara me dirigia perguntas furiosas e sem resposta, tais como : ''PARA QUÊ TUDO ISSO, K (?!) ''. Seus cabelos se soltavam e caíam ao redor do rosto. Enquanto eu sussurrava para mim mesmo, com o rosto pálido: ''No diante-de-quê revela-se o não é nada e em lugar nenhum '', como que talhado pelas nervuras e preocupações dos seus movimentos. Quando ela finalmente se sentou, resmungando, consegui encará-la de novo. Seu colo. Suas pernas. Não, era sua cabeça, seu rosto que me importava mais. Depois os braços, que ela chamava em seu auxílio para retomar o trabalho friamente, como se nada tivesse acontecido. ----- A China, K (!) As pantomimas e jaculatórias da China não são em favor de nenhum ser vivo (.) As exportações caíram e as importações subiram. O superávit comercial caiu em razão do fraco desempenho global  ou está acontecendo algo mais ? O tipo de coisa que ninguém sabe dizer, certo (?) Embarques estagnados. Portos abarrotadas de produtos sem destino. Eles também vão reduzir taxas agora, e investir em telecomunicações e eletricidade na zona rural. Mas o fato dos bancos chineses aumentarem a concessão de crédito de maneira alguma garante o aumento da demanda. Esse é um erro que outros países também cometerão. E que já foi cometido em muitos outros. E acabo de ler que os Brics rechaçaram o acordo de livre-comércio com a China, preferindo promover as trocas através da diversificação. Justo: qualquer acordo de livre-comércio com a China, no cotexto atual, fode com a indústria doméstica de qualquer país (.) ------, ela disse. Todos os dias, várias vezes por dia, o assunto ocupava a atenção de minhas assessoras. Embora eu ainda não fosse Presidente, nem Klara nem Irene procuravam saber se estavam sozinhas ou não, ou se o que estavam fazendo era urgente ou podia esperar. Mergulhavam de cabeça no trabalho. Klara, por sinal, me parecia indiferente ao que se passava ao nosso redor, inclusive ao que se passava entre nós. Eu achava aquilo espantoso ! ----- Thaumazein. O ESPANTO. Há uma tradição antiquíssima que considera o ESPANTO o ''arche'' do ato de filosofar (.) Para os gregos antigos, o ESPANTO estava ligado, primeiramente, ao ''olhar''. Theasthai (.) ------, eu disse. Olhei para ela por um instante, em silêncio, depois me calei. Não sabia direito oque se passava dentro dela. Dois minutos depois, eu continuava imóvel e mudo. A posse imediata da Stimmung, apaixonante, me mantinha sem voz no seio da linguagem. Os estoicos também consideravam a paixão uma forma de KRISIS. De juízo e, consequentemente, de discurso. A HYPERTEINOUSA TA KATA TON LOGON METRA. Que transgredia a linguagem. Paixões da alma e linguagem. Pathos e Lógos. O escritório estava meio escuro, naquele momento, apesar da porta e da janela abertas à grande claridade lá fora. Por essas aberturas estreitas e distantes uma da outra, a luz jorrava. Ou antes iluminava um pequeno espaço resplandescente, a mesa e o rosto de Klara, e depois minguava. Voltado em silêncio para o rosto dela, eu também me sentia iluminado.

K.M.

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 42

Todas as minhas assessoras sabiam que ascenderiam aos postos abertos para elas por mim, mas não mais alto do que isso. Por sua incrível prontidão em face dos chineses, eu colocaria Irene na Guarda das Finanças e falava constantemente de uma promoção à Margotte: ''Assim que eleito(.) '', dizia à ela. ''Apenas mantenha um bom nome até lá (.)'' Haviam ainda outras que podiam ser consideradas excepcionais e de grande utilidade para a nação, possuidoras de um genuíno magnetismo intelectual no que se referia à opinião pública. Klara, por exemplo, não tinha medo de ninguém, jamais demonstrara timidez em relação à imprensa. Nesse departamento, ela não era covarde, e nem poderia, pois eu contava com ela para tratar de assuntos que exigiam firmeza de propósito. Muitas vezes ela se postava na porta do meu escritório, imóvel, ossos saltados no rosto, para expressar alguma impressão sufocante sobre a economia americana. Enquanto ela falava, meus pensamentos se dissolviam na luz de suas pupilas: ----- Os investimentos das empresas americanas caíram ao longo de todo este ano, apesar dos números da indústria terem-se mantido estáveis (.) Nenhum dado até agora foi capaz de tornar a situação confiável... além do mais, o atual ciclo de expansão econômica (estou sempre reforçando o fato) já extrapolou o marco de sete anos. Não lembro de outro ciclo tão longo. O modelo econômico vigente possui contradições internas que obrigam à uma contração após cada ciclo de expansão de cinco ou seis anos(.) Essa cautela tem que entrar em nossa digestão político-econômica dos fatos, pois assumir um governo que já entrou em crise é mais fácil do que assumir um que está estacionado à beira do abismo ------, ela disse. Naquele momento, dei-me conta de quanta ambição ela possuía. Ela era o mais bem acabado exemplo de vigilância zelosa que havia na minha equipe. -----Certo. Mas nunca totalmente possuído (eu disse) Apenas o suficiente para acolher sua antecipação dos movimentos mal calculados da economia . Seu patrulhamento é uma válvula de segurança para mim. Estou sempre em algum ponto lá fora, dando ordens e construindo , à base de marteladas certeiras, um discurso de força e convencimento(.) o selo ético-sensorial das cores americanas pela mobilização (.) -----, o rosto jovem de Klara, resignado à uma pele macia, pálpebras quase fechando e alguma coisa adocicada na voz a gotejar sabiamente nos meus ouvidos. ----- Agora (continuou ela) O toque devastador da mutação na estrutura familiar americana: baixas taxas de fertilidade e envelhecimento da população. Os clarões de medo nos olhos de todas as pessoas em idade ativa e geradoras de renda, ao perceberam já não são tantas assim. Mais as alterações no mercado de trabalho sob a crescente aurora cinzenta da precarização: imagens cinzentas numa tela cinzenta, desvanecendo o horizonte do crescimento aos poucos. Mudanças tecnológicas, globalização dos postos de trabalho de baixo ou média qualificação e a dominância do emprego temporário de meio período (.) ------, ela disse . Toda conversa autêntica que eu tinha com minhas assessoras eram uma série de arrebatamentos no qual, como nos sonhos, eu parava subitamente, sem fazer idéia de como tinha chegado naquele ponto de clareza. E também para que eu pudesse dar uma olhada nelas, dos pés à cabeça, e sentir melhor o efeito que suas conversas tinham sobre sua beleza. 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 37

A partir de um dado qualquer colhido nos jornais meu cérebro e o de Ligget começavam a labutar em uníssono. Aquilo não era (no entanto) uma conversa propriamente dita : ela tinha sempre um arsenal de palavras precisas na ponta da língua, que podiam destroçar qualquer argumentação, mas usava-as mais como um chefe de locomotiva usa sua lanterna, e nem sempre se contentava em contemplar a dança do ventre das baratas sufocadas pela poeira amarela do escritório. Sabia que estava votada à um trabalho conservador, e sempre acendia um cigarro antes de vasculhar seus papéis : ----- Atomizar a escrita e cobrir de anfetamina o oral (.) E ainda chamo isso de ''jogar'', apesar de tantas precauções. Sou incapaz de mentir (.) ------, ela disse. Ligget tinha ''élegance'', e não sei se usaria essa palavra para muita coisa neste mundo. Tinha uma dúzia de observações como essa para animar uma centena de manhãs de conversa fiada. Eu me sentia acomodado dentro de sua solidão, na qual reconhecia um bicho pego numa armadilha, vivendo num passado inalterável e imperfectível. Sua vida fora do meu escritório parecia-me um país remoto e de difícil acesso. ----- Não há retorno, Ligget.  Confinados nesse escritório todas as manhãs, quase entre as nuvens, percebemos na distância um mundo que se dilata para nos deixar passar (.) -----, eu disse. Ligget acendeu seu cigarro e vasculhou comicamente sua escrivaninha. Às vezes, eu falava num dialeto tão complexo que só nós dois podíamos entendê-lo, e cada um vivia negando a autoridade do outro. ----- Amadores sempre se esforçam muito para nos olhar dentro dos olhos. É a marca do amadorismo. Há coisas sobre mim que você não compreende, Mr. K. Mas são insignificantes, no momento. Só temos que continuar. Essa última viagem, ao Colorado, proveu seus últimos escritos de muitas imagens exóticas, mas seu personagem ainda está preso num ritmo baudelaireano. Agora, esgotadas as meiguices e ''mea culpas'', quero que avance com a palmatória em punho. Qualquer coisa escrita ou datilografada, sacou ? Não importa. Ainda que permanecendo humana e viva, sua língua mora em si mesma. Na Ciência da Lógica , Hegel diz que o automovimento da Idéia Absoluta , como palavra originária, é um proferimento imediatamente dissipado. Nietzsche, por sua vez, costumava dizer que ''poder rir'' ao ver as naturezas trágicas soçobrarem, é ''divino''. Algo que combina com sua mania de dar socos no ar antes de escrever alguma coisa. Só para quebrar o gelo (.) -----, ela disse. Ligget era um anjo, mas me enfurecia. Eu lutava para não me apaixonar por ela. Se as formigas da minha equipe de campanha eram como abelhas que tinham uma rainha, Ligget era a rainha das abelhas. Ela fazia minha pele formigar, minha virilha arder e meu coração badalar dentro do peito. Tudo isso enquanto eu dava socos no ar e ela me observava de dentro de sua ''zona de conforto'' intelectual. Naquela manhã, ela se via obrigada a pensar de que maneira eu poderia parecer adorável de noite, diante das câmeras. Ela própria estaria usando um vestido de seda preto, com uma gola branca ( o máximo de branco que ela se permitia enquanto ''anjo'' de alguém como eu). Aquilo certamente conferia legitimidade à minha dependência da angeologia em todos os planos da existência. ----- Mas quero o mínimo de sombra hoje (ela disse) Uma pequena sombra na história, em si, ali na hora, não é nada. Não se pensa muito nisso de antemão.  Continua-se numa claridade provisória até o meio do dia. Mas conheço sua relação com a Sombra, ela se acumula ao longo das horas, torna-se mais densa a partir do crepúsculo, depois de repente explode e afoga tudo . O Anjo é o absconditum que se absolve de seu encobrimento. Durante seu samadhi, a potência mental e o ato perdem sua opacidade e, por um instante, tornam-se transparentes. Isso equivale a dizer que eles se tornam realidade. O samadhi é um êxtase divino cuja forma, mental e humana, é completada a cada instante, perpetuamente em ato, enquanto dura. Ele não se desenrola no tempo; já a potência mental é o que domina a duração. Ela se desvanece no momento em que passa ao ato. O Anjo é, muitas vezes , a força que obriga a potência mental a permanecer em si mesma. É o que auxilia o tantrismo mágico na ópera da transmutação. É sobre essa força que repousa o poder. O isolamento da potência mental em relação ao ato, a organização da potência. Dedução curiosa: o poder espiritual só é aceitável enquanto tensão que obscuramente prenuncia um ato. Mas vou ser obrigada a deixar essa questão em suspenso, pois ela gera em você um indulgência incompreensível. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

George não quis saber nada do hitlerismo.


http://portalpineal.blogspot.com.br/2013/09/o-circulo-max-weber-de-heildelberg.html

O círculo de Max Weber tinha certas relações com outro grupo de Heidelberg, muito mais esotérico e fechado: o círculo de Stephan George, que reunia os amigos e admiradores quase religiosos em torno do célebre poeta.

Ao menos um membro deste grupo, o crítico de arte Friedrich Gundolf, participava dos dois círculos,e o próprio Weber lia com interesse os poemas de George. Lukács dedica em 1918 um ensaio a Stephan George (publicado em seguida A Alma e as Formas) em que sublinha o caráter “profundamente aristocrático” de seu lirismo que “mantém longe de si toda escandalosa banalidade, todos os suspiros fáceis e as moções baratas do coração”. Entretanto, o ensaio não agradou aos iniciados do círculo místico dos adoradores do poeta, porque não reconhecia os pretensos dons proféticos sobrenaturais de George. Alguns anos mais tarde (1946), Lukács retorna sobre a significação da obra de Stephan George; sublinha a “não-fraternidade aristocrático-estética de sua visão de mundo” e acrescenta:

“George recusa apaixonadamente a vida social de sua época. Não vê nela senão a prosa mortífera para a alma, a perdição encarnada...São claras as conseqüências do matiz alemão do anticapitalismo romântico. É do ódio contra este mundo, o mundo do capitalismo e da democracia, que nasceu o ‘profetismo’ de George...”.

Lukacs insistirá, em seu livro Brève histoire de la littérature allemande, nas implicações políticas desse "profetismo", por meio do qual George

"converte-se no chefe espiritual da reação que avança. Não se contenta em formular apaixonadas acusações contra o mundo contemporâneo; anuncia também, com virulência crescente, sua queda necessária e o advento de um mundo novo, de um novo "Reich", que salvará da maldade e da fealdade... Fundando-se em tais poemas o fascismo o reclama para si. [Mas] não estava inteiramente justificado no que concerne ao poeta. George não quis saber nada do hitlerismo: morreu em exílio voluntário...Não existem laços essenciais ao menos objetivamente." (Lukacs, Brève histoire de la littérature allemande, 1949)


Michael Lowy.

Flammen (Stefan George).



Flammen
(Stefan George)

Was machst du dass zu höherem gerase
Uns immer fernres fremdres wehn umblase?

Wenn kaum wir eine weil in stille flacken
Treibt uns ein neuer mund zu lohen zacken ·

Dass schräger brand zerfurcht die blanken barren
Die heissen tropfen kaum in perlen starren ·

Dass unsre kraft in überwallendem sode
Rinnt auf metall und grund zu schnellem tode ..

Was oft und weither euch als hauch betroffen
Schwoll von den gleichen und geheimen stoffen
Durch die ihr brennt - der Herr der fackeln sprichts -
Und so ihr euch verzehrt seid ihr voll lichts.


LLAMAS 
(Stefan George)

¿Qué haces tú que con el más alto estrépito
a nosotros, siempre distantes y extraños, nos apagas de un soplo?

Cuando apenas disponemos de un momento frente a la quietud de las llamas
una nueva boca nos empuja a los dientes de fuego.

El incendio ondulante teme a las desnudas barras,
las calientes llamaradas casi se hacen perlas.

Que nuestra fuerza en exuberante vegetación
se derrame sobre el metal y la tierra hacia una rápida muerte...

"Lo que a menudo y desde muy lejos os ha encontrado como aliento,
se nutre de los mismos y secretos elementos
que en vosotras arden" ?dice el caballero de las antorchas?
"Y se consume con todas sus luces".

La essencia del habla.

Puesto que nuestra meta es hacer una experiencia de estar-en-camino, hoy, a la hora de la transición de la primera a la terceira conferencia, vamos a pensar el camino. Dado que la mayoría de ustedes están primordialmente involucrados en el pensamiento científico será necesario un comentario previo. Las ciencias conocen el camino al conocimiento bajo el término de método. El método no es; sobre todo en la ciencia contemporánea, un simple instrumento al servicio de la ciencia; al contrario, el método mismo ha tomado las ciencias a su servicio. Nietzsche fue el primero en reconocer esta situación en todo su alcance y la expuso en las notas que siguen. Éstas se hallan en su obra póstuma, publicada en los números 466 y 469 de La Voluntad de Poderío. La primera nota dice: "No es la victoria de la ciencia la que caracteriza nuestro siglo XIX, sino la victoria del método científico sobre la ciencia".

El propio Nietzsche encontró también la relación entre método y ciencia hacia el final, durante el último año de su vida lúcida; en 1888 en Turín.

En 1910 Norbert v. Hellingrath. que cayó en Verdun en 1916, publicó por vez primera las traducciones de Píndaro a partir de manuscritos de Hölderlin. Luego, en 1914, siguió la primera edición de los Himnos tardíos de Hölderlin. Ambos libros fueron, para nosotros estudiantes, como un terremoto. El propio Stefan George, quien había orientado a Norbert v. Hellingrath hacia Hölderlin, recibió por medio de estas publicaciones — lo mismo que Rilke — impulsos decisivos. Desde entonces la poesía de Stefan George se acerca cada vez más al canto. Con ello presiente ya lo que dice Nietzsche en la tercera parte de Así habló Zarathustra, al final de la obra titulada De la Gran Nostalgia: "Oh mi alma, ahora te lo he dado todo y también mi último bien, y contigo todas mis manos se han vaciado: que yo te pidiera cantar, ves, éste era mi último bien!" (WW VI, 32?).

Martin Heidegger

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 36

 ------ Isso sempre foi uma opção para mim (.) -----, confessei à Ligget . ----- O caráter é para o homem o demônio (continuei) A experiência vem aos meus sentidos com uma completude de odor e impacto físico que pode ser classificada de absoluta, tal como Jeová oferecia sua imanência à Gabriel, o Anjo (.) ------, enquanto eu falava, o metrô passava à toda, com sua obscura explosão de ferragens. ------ Porque voce não vende essa história para a Look (?) (Ligget sugeriu) Faria ao mesmo tempo um belo trabalho sobre política, usando os chineses de Irene para dissuadir sua adversária de continuar concorrendo à Presidência (.) Muitas vezes, os dramas excrementícios também oferecem  vantagens (.) ------, ela disse. O muro baixo do hotel, a elevada plataforma de grama verdejante ao luar, separadas por caminhos cinzentos, e o tráfego barulhento em volta, sugeriam que Ligget agora era meu braço direito. Não havia delícia mais erudita pela qual eu ansiasse que sua voz assexuada de anjo barroco. ----- O termo grego ''Daimon'' (ela disse) não indica apenas uma figura divina, ou a conhecida ''fixação de um destino'' que se crê. Seu étimo, o verbo ''daiomai'', ''lacero'', ''divido'', indica que o Daimon é aquele que ''dilacera'', que ''divide e cinde ''. Também no Agamenon , de Ésquilo, o Daimon é o ''Dilacerador do coração'' (Kardiodekton) : uma fera sentada sobre um cadáver. Por ser aquele que divide, o Daimon é também, consequentemente, o que ''atribui e destina ''. ''Daiomai'' significa ''divido'' e logo depois ''atribuo'' (.) -----, ela disse. Eu acompanhava os padrões filológicos de sua explicação com movimentos sutis e retorcidos, deixando tênues espirais de fumaça de cigarro no ar. Naquele momento, aquele era um quarto de hotel ao lado da estrada de ferro mais barulhenta que eu já conhecera, mas vibrando com movimentos mentais silenciosos. ----- Um belo trabalho de política, como você disse (observei) Parece-me de fato necessário reorientar a ação redistributiva do gasto público para uma tributação mais inteligente. Reduzir os tributos sobre a produção, os lucros das empresas, a folha salarial com com ganhos de competitividade no setor produtivo. Obrigar os mais ricos à contribuir com um ''ajuste solidário'' compatível com o Estado social e a atualização dos direitos coletivos constitucionais (.) ------, eu disse. Um clanc negro e silencioso imediatamente perpassou a carne de Ligget. -----MAS ISSO É COMUNISMO, K (!!) ----, protestou ela. Olhei em sua direção e percebi-a como um olho único, fechado e pulsante, desmanchando no ar todo meu complexo arranjo de dobraduras e sobreposições propositivas. Correntes de pensamentos políticos, saídos de todos os buracos da história humana, simultaneamente sacudiam nossos corpos, agitando focos de odores estagnados em nós. Um cheiro jovem, masculino e ensaboado de vestiário limpo, cloro de piscina e esperma retido os testículos exalava do meu corpo; outros cheiros indescritíveis rodopiavam em volta de Ligget, em róseas espirais, roçando a porta e as janelas do quarto. ----- Veja bem (ela disse) Irene me explicou ontem que as corporações transnacionais chinesas articularam parte de sua produção industrial nos países vizinhos (Vietnã, Filipinas, Malásia, Mianmar, etc) e reforçaram as cadeias regionais de suprimentos de componentes, máquinas e elaboração de produtos finais da própria China. E que essa miraculosa ''fábrica asiática'' agora produz metade dos bens industrializados do mundo. O emistíquio de Holderlin , na última estrofe de ''Brot und Wein'', diz que : ''Ihn zehret die Heimat '' (A pátria dilacera o espírito). E em Schelling isso é comparado à ''Pureza da lâmina terrível, da qual o cidadão comum não pode se aproximar''. Ainda assim, a China investe 13% de seu PIB em projetos de infra-estrutura. O pensamento hegeliano do Absoluto também pensa a ''Morada '' na ''Cisão''. Issofaz sentido pra você (?) O traseiro sujo de uma imensa cadeia produtiva emitindo um sinal dos tempos, enquanto a própria casa está sempre limpa, com aposentos tão imaculados quanto uma casa cuidada por muitas criadas boas, que deixam todos os móveis brilhando, todo dia.... mas o mesmo não se pode dizer do ânus insignificante dos países vizinhos, mantidos, por um certo tipo de acordo, tão maculados quanto óleo reaproveitado, pequenos e crepitantes, inconscientes da importância estratégica de seu próprio excremento. Esse governos reagem, às vezes,  dizendo que embora tenham cus pequenos, eles estão sempre sendo polidos (.) -----, Ligget disse.

K.M.

Eu aprendi diagramação bem cedo...

Eu aprendi diagramação bem cedo em uma atmosfera que ficava intoxicante por causa do cheiro de tinta de impressão. Logo comecei a escrever meu próprio jornal, pois para mim ''o som mais retumbante de toda a humanidade'', é a frase de Jesus: ''Meu reino não é deste mundo''. Assim, este jornal será publicado em forma de caderno espiralado e será enfeitado com o crucifixo até mesmo nas raras passagens em que o nome de Deus não é invocado. Nele, qualquer queda na mundanidade dos fatos estará amparada por antecipação num misticismo imanente e irrefutável . ------ O impulso intuitivo do grande tema ------ pensamento fluido ----- fluidez conceitual ----- um caderno é a melhor forma de romance, de jornal, de literatura, de investimento, de personalidade ------- Señor de sí mismo ------ conduzindo à exacerbação as formas passionais do próprio instinto, o gênio constantemente as multiplicando, centuplicando através de múltiplas técnicas de meditação oculta: o enigma da economia transposto em chave plástico-política de exegese, explodindo numa dimensão cósmica que equivale a reconstruir concretamente um possível paraíso terrestre dentro da mente, rejeitando-o logo à constatação de excessos indesejáveis. Não quer isto dizer que o paraíso terrestre deva ser habitado por uma única pessoa, ou no máximo duas: já que a muito se extinguiu a raça de Luís II da Baviera, aquele que assistia sozinho no teatro de sua corte a representação das óperas wagnerianas. O choque diante do Kalki Avatar e sua Luz Absoluta, sua estupenda baía aberta à ondulação do mar de palavras fabricando azulmente ondas de frases nunca fatigadas, nunca vencidas, nunca nem de longe igualadas, implicando a adesão a uma linha clássica hostil ao nosso século post-grego, mais voltado para o Oriente e o Terceiro Mundo. Esta paixão (certamente) vem do seu peculiar sentido da existência: ------ Condenar a primazia da cultura (Ele nos diz) tornou-se já impossível; essa imensa realidade virtual oposta à natureza (continua, mergulhando nas brilhantes águas da vida, da perambulação, das hecceidades, ''Universos incorporais de referência'', ''Poder sobre os elementos naturais''; e, ao mesmo tempo, uma pessoa perfeitamente consciente dos véus pintados, da Maya político-econômica do mundo, de cúpulas de vidro multicoloridas dando tonalidade à brancura radiante da Eternidade, estremecendo no impulso psico-lúbrico que desce do Céu intenso, e assim por diante. O Avatar é um monologuista sem estribeiras e um improvisador nato, veloz e vingativo, cruel e implacável; um campeão em calúnia. Na verdade, ser esculhambado por Kalki-Maitreya equivale a uma certa forma de altíssimo privilégio. É como se tornar objeto de um retrato com dois narizes feito por Picasso, ou uma galinha estripada por Soutine.

K.M.

domingo, 11 de setembro de 2016

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 35

Minha linguagem possuía, até o momento, estrondos sísmicos ancestrais, cheios do fedor inebriante e escandaloso do sangue italiano. Sua principal característica era o sentimento de impaciência e contradição, que perante a perspectiva de ter que recomeçar tudo sempre do início, apertava os fios de sua própria tessitura, e se valia dela firmemente, fatalmente, tanto em forma de Paraíso quanto de Quimera . Sempre armada de uma tensão inigualável que me permitia, no entanto, tirar todo proveito possível de situações muitas vezes equívocas. Sem Gisele, agora, eu estava temporariamente privado das benesses do sexo frágil. ----- Devo dizer mais (?) -----, perguntei à Ligget, sentindo uma sensação friorenta de leveza no meu órgão genital.  Ao pronunciar o nome de Gisele de novo, depois de tantos dias, foi como se eu o arrastasse entre os dentes, para fora da boca, e o acariciasse com o olhar, lembrando um detetive durão bancando o compreensivo. ---- Preciso de 60 folhas de papel branco liso (eu disse à Ligget) se possível acetinado (.) e uma lupa, um isqueiro e um maço de Maccoboy (.) -----, não, eu não estava trabalhando para Edgar Hoover nos seus tempos de FBI. Tudo isso, eu o pronunciei com minha característica nota de ironia, rindo silenciosamente por trás do som das palavras.  ----- Nunca sei se você está falando sério quando fala aos ouvidos da nossa mente (.) -----, Ligget disse, com uma cornucópia de humores contraditórios na voz.  Um perfeito movimento espasmódico de êxtase e temor que , sem sugerir histeria, conferia à face rosada de minha nova assessora uma plenitude oval mantida sem fraqueza no limite da irrealidade cotidiana. ---- Talvez não seja bom para você escrever muito até o dia do debate (Ligget disse) principalmente se você for tornar públicas suas ''considerações políticas''. Suas palavras se espalham como uma epidemia por todos os cenários desolados da América, prometendo esperança ao coração de uma multidão enorme. Cenários de cafés, bairros, esquinas, fábricas desativadas, bares e restaurantes baratos. A maioria da imprensa desvia o olhar do computador, aflita até o osso, quando você começa a mastigar seu bolo inglês de poesia narcótica (.) -----,concluiu ela.  Ligget era mesmo um arquivo, como eu previra.  -----Dessa vez, vou tentar escrever sem atrair muito sua atenção, Ligget (.) Estou mais ligado na literatura, hoje, do que na política ou mesmo na imprensa. Mas isso é só hoje.  E escrever primeiro em papel me oferece uma pequena proteção contra a tecnologia e a paranóia alheia (.) -----, eu disse. Anos atrás, eu jamais tentaria dar tantas explicações à uma mulher por causa dos meus escritos. Mas Giselle havia me ensinado que, do outro lado do papel, sempre haveria u m monte de fantasmas acenando com a mão do progressismo que exigia e interrogava o hieroglifo do verdadeiro trabalho de inteligência, numa disputa velada com o autor que podia ser entendida como código versus ofuscação do código . Havia inclusive pequenos aviõezinhos insistentes produzindo fotografias aéreas dos meus manuscritos.  ----- Há demônios e diabos demais se arriscando por isso (.) -----, Gisele dissera, certa vez. ---- Nas inundações e engolfamentos da internet panótipa (continuou ela), pode-se, no entanto, tentar reservar ao menos um pouco do SEGREDO para si mesmo (.) -----, meu temor teria sido absoluto se, naquele momento, Ligget não tivesse entrado de volta ao escritório com todos aqueles objetos. Logo, senti-me propenso a continuar, como se além dessa opção não houvesse uma única possibilidade humana. ------ Sobreviver à própria extinção (disse à ela). Eis tudo (!) Pular por cima de sua própria época, em direção ao futuro, ou , se preferir, ao coração da história em curso. Toda minha existência arduamente engajada nisso. Essa é a única política válida,  a única ética que resta à nossa época. Sinceridade e entrega total. Pois nossa cultura foi arruinada pelo mercado e as massas (.) -----, concluí. Não lembro exatamente quantos cafés tomei no espaço de duas horas. Ligget ia e vinha do escritório segurando um guardanapo sob sua xícara, marca das pessoas que esperam alguma coisa de forma suplicante. Sua bela face oval se retorcendo com a impaciência de uma fissura. O pôr-do-sol recortava sua silhueta contra a chama do isqueiro, quando acendi meu último Maccoboy antes do ponto final. ----- Aqui está ! (disse à ela, finalmente) Não se trata de uma obra-prima, claro. São apenas vestígios de uma dose perdida em algodões usados (.) -----

K.M.

Enjambement.

Rejet au vers suivant d´un ou de plusieurs mots qui complètent le sens du précedént.

(..)

Tout son col secouera cette blanche agonie
Pour l´espace infligée à l´oisseau que le nie,
Mais non le horreur du sol ù lé plumage est pris.

(.)

Mas o verdadeiro ''enjambement'' é diferente do ''branco'' de Mallarmé. O que ele traz à luz é o andamento originário da poesia, seu hibridismo mais essencial, que atesta uma figura de prosa, é verdade, mas com um gesto que, por sua vez, atesta também uma infinita versatilidade.

O testemunho precoce do ''prosimetron'' (termo grego que designa uma mistura de prosa e poesia) nos Gatha (Zaratustra) do Avesta persa ou na Satura Latina, confirma o caráter não episódico da proposta da Vita Nuova no dealbar da Idade Moderna. Um gesto ambíguo que se orienta ao mesmo tempo em duas direções opostas, para trás (verso) e para frente (prosa). Essa suspensão, sublime hesitação entre sentido e som, é a herança poética que o pensamento deve levar até o fim.

O impensado da origem é o que ainda falta pensar e o que deve ser pensado até o fim. A prática meditativa de Heidegger, expressão desse pensar, define-se como preparação expectante de um pensamento  futuro na confiança da serenidade (Gelassenheit). O pensar atento à essa verdade é ''mais alto que toda ação e produção '', pois o que realiza propriamente já está produzido (na acepção de pro-ducere). Realiza a relação do ser com a essência do homem. O despojamento a que ele se submete é, pela mesma ordem de considerações, uma exigência essencial do ser em sua simplicidade. Obviamente, a prática meditante de Heidegger não se recusa à uma aproximação com o ocultismo prático. Mas, antes, dilui os objetos que apreende, e devolve-os, através dessa dissolução, à inapreensível fluidez da existência poética.

Anunciado no início, isso que ''ainda falta pensar '', como destino que nos chama, ''agora'', mas despontando em nossa proveniência, pode advir no futuro, retrovindo da Aurora grega, e reacendendo-se num instante (Augenblick) imprevisível, como um novo começo (Ereigniz), que seria o retorno após o exílio, na manhã da Hespéria, o Ocidente de Holderlin.

K.M.


Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 34

O interesse tautológico-autonímico da fotografia. Mas na reta final da campanha, não eram as selfies, mas o manejo de números concretos o que me dava mais prazer. Todo cálculo no qual a natureza da unidade primordial não fosse especificado me parecia ocioso. ----- Não seja bobo, Maia... eu falo diretamente à curiosidade popular, a economia é apenas o ''carro-chefe'' do meu hermetismo político, daquilo que  é ''incompreensível para as massas'' (.) Os juros fixados para equilibrar poupanças e investimentos. Comparando com os 4,5% de antes de 2008, o Fed conta agora com 1,5% a menos de taxa de juros natural para conter o próximo choque econômico. Isso,  devo repetir, é somente uma primeira aproximação das perversidades embutidas na existência globalizada, um esboço da verdadeira complexidade dos eventos (.) -----, eu disse. Eu me entregava publicamente ao cálculo mental e meditativo, e as cifras que então manipulava na cabeça povoavam meus projetos de cores e formas. Estava sempre calculando o tempo que ainda tinha para me dedicar a cada um deles, frequentemente falando às pessoas o que era preciso fazer para se obter mais saúde e dinheiro. ----- A cura do crescimento baixo por projetos de infra-estrutura financiados por dívidas... isso incentivaria os investimentos privados também, mediante o cotejo monitorado dos grandes bancos (.) ------- , mas alguma coisa, infiltrada e camuflada no meio da multidão, acompanhava com ódio frio e desdenhoso cada uma de minhas idéias e movimentos, o deslocamento dos meus testículos, as contrações involuntárias do meu reto. ----- Algum problema Mr. K (?) -----, me perguntava o Maia, ainda com seu chapéu e seu livro de Schumpeter debaixo do braço (nosso caminho na penumbra dos corredores do angar do aeroporto, depois, em meio à fumaça e o cheiro de hamburguers grelhados). ------ Comprar sempre custa menos que financiar . Problema nenhum (.) -----, respondia. Mas já estávamos todos apertados nas poltronas do avião. Uma mulher loira, geralmente uma assessora próxima, sempre me respondia em francês (eu havia substituído toda minha equipe de campanha profissional por pesquisadoras de literatura comparada e psicanalistas trans-pessoais afeminados). Durante os vôos, eu me divertia sadicamente obrigando-as à acompanhar meu raciocínio no sentido de denegrir a imagem das economias rentistas e defensivas do terceiro mundo, e propunha testes Stanislouski de floculação espermática nos detentores do grande capital desterritorializado do mundo para comprovar a relação entre infertilidade, vasectomia e  a ‘’destruição criadora’’ de Schumpeter. ----- A relação dívida-PIB cresceu nos Estados Unidos e na Europa. A irracionalidade do mercado se esgueira à sombra da deflação de ativos. O que era uma forma de valorizar a riqueza acumulada há pouco tempo, vem provocando o necrosamento do tecido econômico. Eu me pergunto até quanto o Mercado Financeiro seguirá ejaculando dentro do pote (?) Sua foda gélida, de pé contra as paredes de vidro do Fed. É quando lavam o pênis e abotoam o zíper que começam os problemas, fazendo com que os riscos de desvalorização dos estoques existentes transformem-se na ocupação única do Banco Central (.) -----, eu disse. Todos no avião percebiam maravilhados minha necessidade de ser cativante. É claro, aquelas pessoas, que tanto me respeitavam, sentiam também necessidade de fazer seus pequenos  testes de linguagem, inserindo no nosso diálogo notas minúsculas de irreverência. Um pouquinho aqui, um pouquinho ali, pequenas familiaridades, insinuações sutis, explorando, tentando descobrir alguma camada eventualmente secreta no meu comportamento. ----- Meu caro amigo (dizia o Maia) para que se dar tanto trabalho procurando (?) Há muitos lugares em que se pode encontrar os vestígios da corrupção, ser-me-ia fácil mostrar-lhe alguns aqui do alto, assim que entrarmos no espaço aéreo de NY (.) -----

sábado, 10 de setembro de 2016

Sotorama (5)


Na obra de Soto a gesticulação talvez esteja reduzida à um mínimo , é quase imperceptível, assim como a onomatopéia e a eloquência, há nela um desgaste mínimo de forças. Ela nos revela uma sabedoria desenvolvida pela mais alta cultura, uma relação contínua de linhas que se procuram ou se separam , mas formam constelações terrestres que se diriam conscientes da sua razão de vida.

A sombra aqui é supérflua pois tudo conduz a uma situação de calma oferecida, nirvânica, num país espiritual onde se aboliu a opressão humana, inclusive a opressão de formas que em determinados artistas ainda nos levam ao mal-estar. Assistimos uma evolução de ordem superior que não existe na sociedade nem nos programas dos reformadores. E esta não é uma linguagem  destinada especificamente a um grupo ou corrente de estetas; apesar de difícil, pode ser compreendida por um homem comum.

A certeza dessa arte,  de que se exclui o provável e o aproximativo, ajuda a confirmar a exigência do espírito que aspira à um mínimo de segurança e comprovação, sobretudo agora, neste tempo de violentos contrastes e negações absolutas. O lugar, a fórmula justa, o desdobramento das imagens, o signo, na obra de Soto formam um centro de relações e de identidades.

Post Scriptum

Todas as vezesque pretendo agir fortemente, distingo no céu vangoghiano um dedo: ele escreve Mane Tecel Phares.

Veja que ocupo-me de tantos assuntos díspares. Cantam eletricamente no relâmpago da visão, deixando palmas no altar do deus desconhecido.

K.M.







Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 33

Naquela manhã, o rosto pré-cirúrgico de Gisele emergiu num arco de luz incandescente cheio de ódio, e ela começou a despejar insultos sobre mim num tom gutural, horrendo e incomparável. O tal fenômeno de que falam as revistas. Mas, dessa vez, ela se foi. Ela se fôra e subitamente percebi que meu tempo na terra estava sendo cronometrado. ''Você ficou louco '', ela disse ''Vou cair fora daqui (!)''. O infortúnio me condenara, horas depois, à uma terrível dificuldade de falar sobre o caso. Ou talvez eu estivesse sendo protegido pelo além-túmulo; ou sendo guiado através dos perigos de Nova York. A primeira hora sozinho me deixou mais lembranças que as trinta mil precedentes. Eu simplesmente puxei o pau para fora, sem pronunciar palavra, e comecei a imaginar outra mulher. Quando concluí meu inventário, havia imaginado 80, e me masturbado durante horas seguidas sem derramar uma gota sequer de sêmen. Fantôme qu´à ce lieu son pur éclat assigne. Minhas posses estavam então todas acumuladas  numa canto da minha mente. E com meu bastão de carne, meu osso, eu podia agora remexer em todas elas, trazê-las até mim e depois colocá-las de volta no lugar. Nus cromados de vinte metros de altura ensaboando-se sob duchas cintilantes. Minha cama ficava perto da janela e eu ficava voltado para ela a maior parte do tempo. Via os telhados, os prédios e o céu, e a rua também, se esticasse o pescoço. Naquele quarto, a fusão entre sujeito e objeto, homem e mundo, não podia ser fingida. Ali se passavam coisas estranhas comigo. Poderiam ser um trecho tirado do Finnegans Wake, operando entre Columbus Circle e a 72 nd Street durante as horas do rush. Provavelmente, as pessoas nas janelas do prédio vizinho me viam com a cabeça contra o vidro. ''Mas à noite não podem me ver'', eu pensava ''porque não acendo a luz . ' , pensava, fazendo um breve gesto de desdém: ''Le vierge, le vivace et le bel aujourd ´hui va-t-il nous déchirer avec un coup d´aile ivre '', recitava eu, quando queria me revigorar. Uma semana depois Gisele me escreveu dizendo que considerava minha situação um infortúnio, ou aquilo que os franceses chama de ''Les maladies galantes''. Respondi-a sucintamente, dizendo que a Poesia era o reino da insaciedade. Frigobar, cigarros, exercícios físicos, privada. Eis os pólos.  Quando ela ainda estava aqui, tais coisas tinham outro significado. Gisele entrava no quarto, se azafamava ao meu redor, me informava das idiotices da Casa da Moeda, fazia minhas vontades, e dava tanto o cu quanto a buceta. Eis os antigos pólos. Mas me dava trabalho fazê-la entender isso como pólos. Agora, pensava que metade de tudo isso, ao menos, deveria ser obrigatoriamente imaginário, e mais adequado ao meu caso.  O caso do homem fazendo propaganda para ser eleito. Muitas vezes eu me colocava na tela do computador, decidido a não gastar dinheiro com a campanha,  pensando que faria um bem enorme à muita gente apenas ouvir-me falar sobre os arranjos que poderia promover na América.  ''Mesmo que sejam só um bando de mulheres velhas'', eu pensava. ''Sim, chamemos isso de bondade, sem picuinhas''. Logo depois : ''Não , obrigado'', voltava atrás, calculando a proximidade entre a tela do computador e as partes sexuais daquelas pessoas. E  com um quê de desprezo educado, eu começava a desvanecer novamente, como se minha vitalidade estivesse sendo sugada do meu corpo para se fundir com o ambiente leitoso e macilento do quarto. Não fugia de nenhuma pergunta, no entanto. Conversar comigo nas redes sociais era submeter-se à uma fluoroscopia psíquica. E quando eu dizia à minha militância que o tratamento que eu lhes dispensava era ''sintomático'', isso significava que não havia tratamento algum, que eu estava apenas conversando comigo mesmo, não com eles. Apenas meu rosto suspenso no meio da existência, inescrutável como o de um jogador. Tudo era possível, e sempre acabavam acreditando em mim. E com razão: ----- Quando o BCE compra títulos corporativos para estimular a economia européia, acaba forçando os investidores a virem buscar rendimentos maiores neste lado do Atlântico (.) Vejam os fluxos (.) -----, eu dizia, percebendo na audiência um frio na barriga,  como quando um elevador pára de repente . Desse modo, eu ficava perto do eleitorado a cada pensamento meu. Não me perguntava se fazia aquilo por caridade ou por um sentimento menos geral de afeição. Não via nada à minha frente a não ser minhas mãos descarnadas e um pedaço de manga no prato. Ou nem isso, nem isso. Apenas me perguntando sempre se faltava acrescentar  alguma coisa. Jamais inclinado à nostalgia, ignorante de todo o tédio do mundo. Meus braços estavam sempre cheios de força muscular, mas me dava trabalho dirigí-los. Minhas pernas eram másculas, mas o barulho do estrado era a única coisa que existia na minha vida. Eu pedia à Deus para que ele jamais cessasse ! Jamais diminuísse.  Era de costas, ou melhor, virado, que eu era mais feliz e menos ossudo.  A bochecha colada no travesseiro. A poeira cósmica nos olhos. Bastava abrir os olhos para recomeçar o céu e a fumaça da humanidade. Minha ambição era terrível e poderosa, mas ouvindo o trânsito lá embaixo, eu pensava que seria impossível conseguir um táxi.

K.M.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Sotorama (4)


A procura de aproximações culturais semelhantes a que a leitora pode encontrar abaixo e em toda nossa obra constitui um exigência excitante do espírito. A procura pela unidade fundamental do pensamento humano, com todas assuas variantes históricas e culturais. Não apenas a o Paideuma de Pound, mas também a obra cinética de Soto satisfazem a dupla idéia de movimento e estabilidade do pensamento, constantes universais do nosso ser. O artista participa da consciência cósmica; sua identidade é verificável no tempo e no espaço, supera-os. O único e o múltiplo completam´se na sua identidade essencial.

Noto ainda que  diante do enorme volume de técnicas e materiais que se apresentam a Soto , ele consegue, guiado por um instinto superior, atingir o essencial (o que se pode dizer de poucos). Apesar do número formidável de fatos e objetos que nos rodeiam, apesar dessa valorização do supérfluo que caracteriza a sociedade atual, não há dúvidas de que alguns homens, em particular poetas e filósofos, tal como divinos editores, compreenderam a necessidade  de se atingir o essencial. É a essencialidade da arte de Soto, sempre sábio em escolher e fixar seus materiais, que há décadas ajuda a humanidade a entrar em comunicação com seu modo inimitável  de apreender e representar o mundo. Tocando precisamente aquilo que há de mais essencial, Soto exclui ex-officio uma infinidade de valores secundários (que podem ser até expressivos) e a participa ativamente de uma operação da mais alta dignidade, não só estética mas intelectual, metafísica e fenomenológica.

Escreveu Leopardi que a natureza é ''Mãe e Inimiga'', constrói e destrói implacavelmente. Também o poeta Charles Baudelaire pensava que a natureza é ''suspeita'' e ele sente-se bem somente no mundo criado e posto à disposição do homem pela arte. E como assinala Susanne K. Langer, a arte vale-se da ubiquidade para educar os homens. Os princípios baseados em linhas geométricas, que percorrem toda a história  da humanidade, cooperam de modo implacável à imposição de um sistema que se opõe violentamente aos absurdos sistemas políticos-sociais: um sistema que produz a subversão dos valores comuns, que corrige o vulto do universo se valendo de um certo entendimento super-consciente com a natureza.Exatamente porque a forma de vivência da sociedade está corrompida, porque proliferam, mesmo nos países comunistas, o horror cotidiano.

K.M.









Pound: entrevista à Paris Review:


Entrevista à Donald Hall..


ENTREVISTADOR — Você está quase concluindo os “Cantos” agora, e isso me faz pensar sobre o começo deles. Em 1916 você escreveu uma carta na qual falava sobre a tentativa de escrever uma versão de Andreas Divus nos ritmos de Seafarer. Isso parece uma referência ao “Canto 1”. Você começou os “Cantos” em 1916?

POUND — Eu comecei os “Cantos” por volta de 1904, eu acho. Eu tinha vários esquemas, começando em 1904 ou 1905. O problema era conseguir uma forma – algo elástico o suficiente para usar o material necessário. Deveria ser uma forma que não excluísse algo meramente por que não encaixava. Nos primeiros esboços, um rascunho do atual primeiro “Canto” era o terceiro. Obviamente você não consegue um ótimo pequeno mapa de ruas assim como a Idade Média se apossou do Céu. Apenas uma forma musical daria suporte ao material, e o universo Confucionista como eu vejo, é um universo de pressão e tensões interativas.

ENTREVISTADOR — Seu interesse em Confucius começou em 1904?

POUND — Não, a primeira coisa era o seguinte: havia seis séculos que não foram acondicionados. Era uma questão de lidar com o material que não estava na “Divina Commedia”. Hugo fez uma “Légende des Siècles” que não era uma questão avaliativa, mas apenas pedaços de história enfileirados. O problema era desenvolver um círculo de referência – considerando a mente moderna como sendo a mente medieval com lavagem após lavagem da cultura clássica despejada sobre ela desde a Renascença. Era a psique, se assim preferir. Era questão de lidar com a própria essência.

ENTREVISTADOR — Deve haver trinta ou trinta e cinco anos desde que você escreveu qualquer poesia fora dos “Cantos”, com exceção dos poemas “Alfred Venison”. Por que isso?

POUND — Eu cheguei ao ponto em que, além de um ocasional impulso inspirador, o que eu tinha para dizer se moldava ao esquema geral. Houve uma boa quantidade de trabalho jogado fora por que houve atração por um caráter histórico e então percebi que ele não funciona dentro da minha forma, não comporta um valor necessário. Eu tentei fazer os Cantos serem históricos (vid. G. Giovannini, re-relação história à tragédia. Dois artigos dez anos fragmentados em algum material periódico filológico, não de fonte, mas relevante), mas não ficção. O material que se quer encaixar nem sempre funciona. Se a pedra não é dura o bastante para manter a forma, deve ser eliminada.

ENTREVISTADOR — Quando você escreve um “Canto” agora, como o planeja? Você segue um curso de leitura especial para cada um?

POUND — Não é necessariamente uma leitura. Pode-se trabalhar na vida com resignação, eu acho. Eu não conheço um método. O ‘o que’ é muito mais importante do que o ‘como’.

ENTREVISTADOR — Ainda quando era jovem, seu interesse na poesia concentrava-se na forma. Seu profissionalismo e devoção à técnica tornaram-se proverbiais. Nos últimos trinta anos você trocou seu interesse na forma pelo interesse no conteúdo. Tal mudança foi no preceito?

POUND — Eu acho que ocultei isso. A técnica é o teste da sinceridade. Se algo não vale no julgamento da técnica, é de importância inferior. Tudo isso deve ser tratado como exercício. Ritcher diz em seu “Treatise on Harmony”, “Existem os princípios da harmonia e do contraponto; eles não têm nada a ver com composição, que é uma atividade bem separada.” A declaração que alguém fez de que não se pode escrever nas formas provençais de Canzoni em Inglês, é falsa. A questão de ser apropriado ou não era outro problema. Quando não havia o critério de linguagem natural sem inversão, aquelas formas eram naturais, e elas eram realizadas com música. Em inglês, a música possui natureza limitada. Temos a perfeição Francesa de Chauser, a perfeição Italiana de Shakespeare, temos Campion e Lawes. Não acho mesmo que tenha alcançado essa forma, até ter chegado aos refrões no “Trachiniae”. Eu não sei se cheguei a alguma coisa assim, mas realmente pensei que fosse uma extensão da escala musical completa. Pode ser uma ilusão. Estive sempre interessado na implicação da mudança de altura do som na união de “motz et son”, da palavra e melodia.

ENTREVISTADOR — Escrever os “Cantos” agora consome tudo do seu interesse técnico ou a escrita de traduções, como o “Trachiniae”, que você acabou de mencionar, o satisfaz dando mais trabalho manual?

POUND — Vejo o trabalho a ser feito e adentro nele. O “Trachiniae” surgiu da leitura que Fenollosa Noh encena para a nova edição, e do desejo de ver o que aconteceria a uma peça Grega, com aquela mesma base e esperança, sendo executada pela companhia Minorou. A visão de Cathay na Grécia, parecendo poesia, estimula correntes secundárias.

ENTREVISTADOR — Você acha que o verso livre é particularmente um padrão Americano? Eu imagino que William Carlos Williams provavelmente acha que sim, e considera os iâmbicos Ingleses.

POUND — É como na frase de Eliot: “Nenhum verso é libre para o homem que quer fazer um bom trabalho.” Eu acho que o melhor verso livre vem de uma tentativa de voltar à métrica quantitativa. Suponho que esse verso seja não-Inglês sem ser especificamente Americano. Lembro-me de Cocteau tocando tambores em uma banda de jazz como se fosse um difícil problema matemático. Eu te direi uma coisa que considero ser uma forma Americana: o parêntese jamesiano. Você realiza que a pessoa com a qual está falando não passou por diferentes passos, e então volta a eles. Em verdade, o parêntese jamesiano melhorou imensamente agora, tanto que penso ser algo definitivamente Americano. Isso consiste no empenho que se faz quando encontramos outro homem que teve muita experiência para encontrar o ponto onde as duas experiências se tocam, para que ele realmente saiba do que você está falando.

ENTREVISTADOR — Seu trabalho inclui grande quantidade de experiência, assim como forma, constituição específica. O que você considera ser a maior qualidade que uma poesia possa ter? É algo em sua forma, ou uma qualidade de pensamento?

POUND — Eu não acho que se possa colocar as qualidades necessárias em ordem hierárquica, mas devemos ter uma curiosidade contínua, que, é claro, não faz de ninguém um escritor, mas se não houver isso, a pessoa definha, murcha. E a questão de fazer algo sobre isso depende de uma energia persistente. Um homem como Agassiz nunca fica entediado ou fatigado. A mudança da recepção de estímulos para o registro é o que toma a energia de uma vida toda.

ENTREVISTADOR — Você acha que o mundo moderno mudou as maneiras que a poesia pode ser escrita?

POUND — Existe muita competição que não havia antes. Observe o lado sério da Disney e o lado confucionista da Disney. Foi criado um ethos, assim como no filme da “Perri”, uma esquilo fêmea, onde há os valores da coragem e ternura dispostos de modo que todos possam compreender.  Lá temos uma genialidade absoluta. Podemos ver uma correlação da natureza mais grandiosa do que havia sido vista antes do tempo de Alexandre o Grande.  Alexandre dava ordens para que se o pescador encontrasse algo interessante, uma coisa específica, falasse para Aristóteles. E com essa correlação, chegamos à ictiologia em um grau científico que permaneceu assim por dois mil anos. E agora é possível obter com uma câmera uma enorme correlação de particularidades. A capacidade de fazer contato é um tremendo desafio para a literatura. Isso expõe a questão do que é necessário ser produzido e do que é supérfluo.

ENTREVISTADOR — Talvez seja uma oportunidade também. Particularmente quando você era jovem, e até mesmo no decorrer da produção dos Cantos, você mudou seu estilo poético várias vezes. Você nunca se satisfez em fixar-se em algum lugar. Você estava conscientemente buscando ampliar seu estilo? O artista precisa continuar mudando?

POUND — Eu acho que o artista deve continuar mudando. Você está tentando levar a vida de modo que não entedie as pessoas, e tenta derrubar o que vê.

ENTREVISTADOR — Eu gostaria de saber o que você acha dos movimentos contemporâneos. Eu não vi comentários seus sobre poetas mais recentes que Cummings, a não ser sobre Bunting e Zukofsky. Outras coisas o ocuparam, eu suponho.

POUND — Não é possível ler tudo. Eu estava tentando decifrar fatos históricos, e não é possível ver o que há atrás de sua própria cabeça. Eu não acho que haja registros de qualquer homem capaz de criticar as pessoas que surgem após ele. É uma questão diáfana da quantidade de leitura que um homem pode realizar. Eu não sei se é ele ou uma pedra preciosa que coletou, mas de qualquer forma, umas das coisas que Frost disse em Londres em 1912 – ou quando quer que tenha sido – foi isso: “Resumo da oração: ‘Ó Deus, preste atenção em mim’. ” E é essa a atitude dos jovens escritores – não exatamente para a divindade! – e em geral é preciso limitar a leitura aos poetas jovens que são recomendados no mínimo por outros jovens poetas, como patrocinadores. É claro que um discurso desse tipo poderia levar à conspiração, mas de qualquer jeito... Enquanto critica pessoas mais novas, não se tem tempo para fazer comparação estimativa. Quando alguém aprende algo de uma pessoa, se compara com ela. Eu vejo tempos agitados agora, mas... Para condições gerais, há indubitavelmente uma alegria. E Cal (Robert) Lowell é muito bom.

ENTREVISTADOR — E você aconselhou os jovens por toda a sua vida. Você tem algo especial para dizer a eles agora?

POUND — Para incrementarem sua curiosidade e não serem falsos. Mas isso não é suficiente. A mera anotação e uma dor de barriga e o esvaziamento da lata de lixo não são suficientes. Um estudante da Universidade da Pensilvânia em Punchbowl costumava ter como lema, “Qualquer tolo idiota pode ser espontâneo.”

ENTREVISTADOR — Uma vez você escreveu que tinha quatro dicas úteis de predecessores literários vivos, que eram Thomas Hardy, William Butler Yeats, Ford Madox Ford e Robert Bridges. Quais eram essas dicas?

POUND — A de Bridges era a mais simples: um aviso contra homofônicos. A de Hardy era o nível ao qual se deve concentrar no assunto da questão, e não na questão. A de Ford, em geral, era o frescor da língua. E você disse que a de Yeats era a quarta dica? Bem, por volta de 1908 Yeats havia escrito letras simples nas quais não há retirada da ordem natural das palavras.

ENTREVISTADOR — Você era secretário de Yeats em 1913 e 1914. Que tipo de coisas você fazia para ele?

POUND — Na maioria das vezes, ler em voz alta. “Dawn in Britain” de Doughty, e assim por diante. E discutir, é claro. A contradição Irlandesa. Ele tentava aprender a manusear uma quarenta e cinco (arma de fogo), o que era engraçado. Ele debatia-se com as folhas como uma baleia, e algumas vezes dava a impressão de ser um idiota pior que eu.

ENTREVISTADOR — Há uma controvérsia acadêmica sobre sua influência em Yeats. Você trabalhou em suas poesias com ele? Você cortou algum dos poemas dele do mesmo modo com que fez no “The Waste Land”?

POUND — Não acho que me lembre de algo assim. Estou certo de ter contestado expressões particulares. Certa vez, com Rapallo, eu tentei – pelo amor de Deus – evitar que ele imprimisse uma coisa. Eu disse a ele que estava uma porcaria. Tudo o que ele fez foi imprimir aquilo com um prefácio dizendo que eu disse que era um lixo. Me lembro de quando Tagore começou a rabiscar na beirada de suas provas, e disseram a ele que aquilo era arte. Houve um show disso em Paris. “Isso é arte”? Ninguém estava muito interessado nesses rabiscos, mas é claro que muitas pessoas mentiram para ele. Na medida em que ocorre a mudança em Yeats, acho que Madox Ford pode ter algum crédito. Yeats nunca teria aceitado um conselho de Ford, mas eu acho que Fordie o ajudou, através de mim, tentando buscar a direção de uma maneira de escrever natural.

ENTREVISTADOR — Alguém já o ajudou em seu trabalho assim como você ajudou aos outros? Quer dizer, com críticas ou cortes?

POUND — Além de Fordie rolando no chão indecorosamente e segurando a cabeça com as mãos, e gemendo em certa ocasião, não acho que ninguém tenha me ajudado no decorrer dos meus manuscritos. A natureza de Ford então parecia ter se perdido, mas ele levou a briga contra arcaísmos terciários.

ENTREVISTADOR — Você se associou de perto com artistas visuais – Gaudier-Brzeska e Wyndham Lewis nos vórtices do movimento, e mais tarde com Picabia, Picasso e Brancusi. Isso teve alguma coisa a ver com você como escritor?

POUND — Eu creio que não. Posso ter olhado as pinturas nas galerias e ter encontrado algo. O poema “O Jogo de Xadrez” mostra o efeito da arte abstrata moderna, mas o vorticismo, no meu ponto de vista, era uma renovação do senso de construção. A cor morreu e Manet e os impressionistas a ressuscitaram. Então o que eu podia chamar de senso de forma se manchou, e o vorticismo, sendo distinto do cubismo, era uma tentativa de restabelecer o senso de forma – a forma que havia em “De Prospectiva pingendi”, de Piero della Francesca, o seu tratado sobre proporções e composição. Eu me iniciei na ideia de formas comparativas antes de deixar a América. Um amigo chamado Poole fez um livro sobre composição. Eu tinha algumas coisas em mente quando cheguei em Londres, e tinha ouvido falar sobre Catulus antes de ouvir sobre poesia moderna Francesa. Há um tanto de biografia que pode ser retificado.

ENTREVISTADOR — Eu estava pensando sobre suas atividades literárias na América antes de vir à Europa. Falando nisso, quando você veio pela primeira vez?

POUND — Em 1898, quanto tinha doze anos, com minha tia avó.

ENTREVISTADOR — Você estava lendo poesia Francesa nesta época?

POUND — Não, eu acho que estava lendo “Elegy in a Country Churchyard” de Gray ou algo assim. Não, eu não estava lendo poesia Francesa. Eu comecei a estudar Latim no outro ano.

ENTREVISTADOR — Você entrou na faculdade com quinze, não é?

POUND — Eu fiz isso pra me livrar dos exercícios na Academia Militar.

ENTREVISTADOR — Como você começou a ser um poeta?

POUND — Meu avô, de um lado, costumava corresponder-se com o banco local em versos. Minha avó e seus irmãos, do outro lado, costumavam usar versos de cabo a rabo em suas cartas. Era pra garantir que ninguém além deles havia escrito aquelas coisas.

ENTREVISTADOR — Você aprendeu alguma coisa em seus estudos universitários que o tenham ajudado como poeta? Eu creio que você estudou por sete ou oito anos...

POUND — Apenas seis. Bem, seis anos e quatro meses. Eu escrevia o tempo todo, especialmente enquanto estudante da graduação. Eu comecei estudando Latim e Brut de Layamon no primeiro ano. Eu entrei para a Universidade por conta do meu Latim; foi a única razão pela qual eles me aceitaram.   Eu tinha a ideia, aos quinze, de fazer um levantamento geral. É claro que se eu era ou não um poeta, era uma questão para os deuses decidirem, mas ao menos cabia a mim descobrir o que havia sido feito.

ENTREVISTADOR — Você foi professor apenas por quatro meses, até onde me lembro. Mas você sabe que agora os poetas na América são, na maior parte das vezes, professores. Você tem alguma ideia sobre a conexão do ensino na Universidade com a produção de poesia?

POUND — É o fator econômico. Um homem tem que conseguir seu sustento de algum modo.

ENTREVISTADOR — Como você levou tantos anos na Europa?

POUND — Ah, Deus. Ó meu Deus! Meu ganho inicial de Outubro de 1914 a Outubro de 1915 era de £42.10.0. Esses números estão profundamente encravados em minha memória... Eu nunca fui muito bom em escrever para as revistas. Certa vez eu fiz um artigo satírico para a “Vogue”, eu acho que era essa a revista, sobre um pintor que eu não admirava. Eles pensaram que eu havia conseguido o tom certo e então Verhaeren morreu, e eles me pediram para fazer uma nota sobre ele. Então eu me acalmei e disse, “Você quer uma bela, inteligente e rápida notícia obituária do homem mais melancólico da Europa.” “Como assim ele era melancólico?” “Sim,” eu disse. “Ele escreveu sobre camponeses ou faisões?” “Camponeses”. “Ó, não acho que devamos falar sobre isso.” Foi assim que eu aleijei minha capacidade de fazer dinheiro por não saber ficar quieto.

ENTREVISTADOR — Li em algum lugar – creio que você mesmo escreveu – que uma vez tentou escrever um romance.  Onde isso foi parar?

POUND — Felizmente, na lareira do Langham Palace. Acho que houve duas tentativas antes que eu tivesse qualquer ideia acerca do que deveria ser um romance.

ENTREVISTADOR — E essas tentativas tiveram alguma coisa a ver com “Hugh Selwyn Mauberley”?

POUND — As tentativas foram feitas bem antes de “Mauberley”. “Mauberley” veio mais tarde, mas foi a tentativa precisa no sentido de reduzir o romance ao tamanho do verso. É realmente “Contacts and Life”.  Wadsworth parecia achar “Propertius” difícil porque era sobre Roma, de modo que se aplicou a mesma coisa ao mundo exterior contemporâneo.

ENTREVISTADOR — Você disse que foi Ford quem o ajudou a adquirir uma linguagem natural, não foi? Voltemos novamente para Londres.

POUND — Estávamos à procura de uma linguagem simples e natural, e Ford, dez anos mais velho, acelerou o processo nessa direção. Havia uma discussão contínua a esse respeito. Ford conhecia as melhores pessoas que haviam chegado antes dele, como se vê, e não tinha ninguém com quem se divertir até que Wyndhan, eu e minha geração surgimos. Ele era completamente contrário ao dialeto, digamos assim, de Lionel Johnson e Oxford.

ENTREVISTADOR — Você esteve em contato por duas ou três décadas com todos os principais escritores ingleses da época, e com uma porção de pintores, escultores e músicos. De todas essas pessoas, qual foi a mais estimulante para você como artista?

POUND — Eu me baseava mais em Ford e Gaudier. Eu deveria pensar que as pessoas sobre as quais escrevi eram as mais importantes para mim. Não há muito o que se rever quanto a isso. Talvez eu possa ter limitado minha obra, assim como o interesse nela, concentrando-me na inteligência específica de certas pessoas, ao invés de observar no caráter e personalidade completos dos meus amigos. Wyndham Lewis sempre proclamava que eu jamais vi as pessoas, pois nunca notava como elas eram más, como eram uns filhos da mãe. Eu não estava nem um pouco interessado nos vícios dos meus amigos, mas sim na inteligência deles.

ENTREVISTADOR — James era um tipo de padrão para você em Londres?

POUND — Quando ele morreu, tive a impressão de que não se havia mais ninguém a quem perguntar qualquer coisa.  Até então, achava que alguém deveria saber.  Depois de meus sessenta e cinco anos, tive grande dificuldade em constatar que eu era mais velho que o James quando o conheci.

ENTREVISTADOR — Você conheceu Remy de Gourmont pessoalmente? Você o mencionou muitas vezes.

POUND — Apenas por cartas. Houve uma carta que Jean de Gourmont também considerou importante, onde ele disse, “Franchement d’écrire ce qu’on pense, seul plaisir d’un écrivain.*”

*Francamente, escrever o que se pensa é o único prazer de um escritor.

ENTREVISTADOR — É surpreendente que você tenha vindo à Europa e se associado rapidamente com os melhores escritores vivos. Você já sabia de algum desses poetas na América, antes de ir embora? Robinson significava algo para você?

POUND — Aiken tentou me fazer gostar de Robinson, mas não conseguiu. Isso aconteceu em Londres também. Então arranquei dele a informação de que havia um cara de Harvard escrevendo coisas interessantes. Mr. Eliot apareceu mais ou menos um ano depois. Não, acho que por volta de 1900, já tínhamos Carman e Hovey, Carwine e Vance Cheney. A impressão, então, era a de que as coisas Americanas eram tão boas, sob qualquer aspecto, quanto as Inglesas. E tínhamos as edições piratas de Mosher das edições inglesas. Não, eu fui para Londres porque achava que Yeats sabia mais sobre poesia do que qualquer outra pessoa. Eu vivia minha vida em Londres visitando Ford à tarde e Yeats à noite. Mencionando sobre um para o outro, sempre começava uma discussão. Esse era o exercício. Fui estudar com Yeats e verifiquei que Ford discordava dele. Assim, continuei a discordar dos dois por vinte anos.

ENTREVISTADOR — Em 1942, você escreveu que você e Eliot tiveram uma desavença chamando um ao outro de protestante. Gostaria de saber o que foi essa divergência.

POUND — Ah, eu e Eliot começamos a discordar desde o começo. O que há de divertido numa amizade intelectual é que a gente diverge quanto a isto ou aquilo, e concorda quanto a apenas alguns pontos. Eliot teve durante toda a vida a paciência cristã da tolerância, ou coisa assim, e trabalhando bastante arduamente, deve ter me achado um sujeito muito difícil. Desde que nos conhecemos, começamos a discordar a respeito de muitas coisas. Também concordávamos em poucas coisas, e imagino que nós dois tivemos razão quanto a uma ou outra coisa.

ENTREVISTADOR — Bem, houve algum ponto em que, poética e intelectualmente, você se sentiu mais deslocado do que já havia estado?

POUND — Há todo o problema da relação entre o Cristianismo e o Confucionismo, e a questão dos diferentes ramos do Cristianismo.  Há a luta a favor dos Ortodoxos – Eliot pela Igreja, eu brigando por determinados teólogos. Em certo sentido, a curiosidade de Eliot parecia estar focada em um número menor de problemas. Até mesmo isso é muito para se dizer. A verdadeira perspectiva da geração experimental era uma questão de ethos individual.

ENTREVISTADOR — Você acha que, como poetas, vocês sentiram uma divergência em fundamentação técnica, sem relação com os temas?

POUND — Primeiramente, eu diria que a divergência era uma diferença quanto aos temas. Indubitavelmente, ele possuía uma linguagem natural. Quanto à linguagem teatral, me parece que ele deu uma contribuição muito importante. E foi capaz também de fazer contato com um ambiente sobrevivente, e um estado sobrevivente de compreensão.

ENTREVISTADOR — Isso me lembra duas óperas — “Villon” e “Cavalcanti” — que você escreveu. Como você começou a compor música?

POUND — Eu queria a palavra e a melodia. Eu desejava que a grande poesia fosse cantada, e a técnica libretto de ópera Americana não era satisfatória. Eu queria, com a qualidade dos textos de “Villon” e “Cavalcanti”, obter algo mais amplo que a simples lírica. É isso.

ENTREVISTADOR — Suponho que seu interesse na “canção das palavras” foi estimulado particularmente pelo seu estudo da Provença. Você acha que sua descoberta da poesia provençal constituiu seu maior avanço? Ou talvez tenham sido os manuscritos de Fenollosa?

POUND — O Provençal começou com um interesso muito imaturo, então não foi realmente uma descoberta. E o Fenollosa foi inesperado e um choque diante da minha ignorância. Eu possuía o conhecimento interno da significação de Fenollosa e a ignorância de uma criança de cinco anos.

ENTREVISTADOR — Como a Sra. Fenollosa se encontrou com você?

POUND — Bom, me encontrei com ela na casa de Sarojini Naidu e ela disse que Fenollosa havia vivido em oposição a todos os professores e academias. Ela tinha visto algumas de minhas obras, falou também que eu era a única pessoa capaz de terminar aquelas anotações da mesma forma com que Earnest as queria prontas.  Fenollosa viu o que necessitava ser feito, mas não teve tempo para terminar.

ENTREVISTADOR — Deixe-me mudar de assunto agora e perguntar algumas coisas que são mais biográficas que literárias. Eu li que você nasceu em Hailey, Idaho, em 1985. Suponho que tenha sido bem difícil lá, não é?

POUND — Eu parti de lá com dezoito meses de idade, e não me lembro dessa dificuldade.

ENTREVISTADOR — Você não cresceu em Hailey?

POUND — Não, não cresci lá.

ENTREVISTADOR — O que sua família fazia lá quando você nasceu?

POUND — Meu pai abriu um negócio governamental lá. Eu cresci perto da Filadélfia. Nos subúrbios da Filadélfia.

ENTREVISTADOR — O índio selvagem do Oeste então não era...?

POUND — O índio selvagem do oeste é apócrifo, e o ensaiador assistente da mina não era um dos mais notáveis bandidos da fronteira.

ENTREVISTADOR — Acredito que seja verdade que seu avô construiu uma via férrea. Qual foi a história disso?

POUND — Bem, ele levou a ferrovia até Chippewa Falls e eles não o deixaram ampliar mais os trilhos. Isso está nos “Cantos”. Assim, ele foi para o norte do Estado de Nova Iorque e encontrou trilhos numa estrada de ferro abandonada, comprou tudo e os transportou, e então usou esse crédito com os lenhadores para fazer a estrada chegar até Chippewa Falls.  O que gente aprende em casa é diferente do que se aprende na escola.

ENTREVISTADOR — O seu interesse em cunhagem começou com o trabalho de seu pai na mina?

POUND — Posso ficar horas falando disso. Os departamentos governamentais eram mais informais naquela época, embora eu não saiba de qualquer outro menino que tenha entrado lá para visitá-los.  Hoje em dia os visitantes são conduzidos através de túneis de vidro e veem as coisas de certa distância, mas naqueles tempos podíamos ir à sala de fundição e ver o ouro empilhado no cofre. Ofereciam-nos um grande saco de ouro, dizendo que podíamos levá-lo conosco. Mas a gente não conseguia levantar. Quando os democratas finalmente voltaram ao governo, contaram todos os dólares em prata – quatro milhões de dólares em prata. Todos os sacos haviam apodrecido naquelas grandes galerias úmidas, e eles carregavam todo o dinheiro com pás maiores que as de carvão, para colocar as quantias nas máquinas de contar. Esse espetáculo de moedas removidas como se fossem camadas humíferas, aqueles sujeitos cobertos de dinheiro até à cintura lançando as moedas, por meio de pás, nas chamas de gás – era coisa que mexia com a imaginação. Há, ainda, toda a técnica de se fazer dinheiro metálico. Em primeiro lugar, o exame da prata requer muito mais habilidade que o exame do ouro.  O ouro é simples. É pesado, depois refinado e pesado de novo. Pode-se saber o grau do metal por meio de pesos apropriados. Mas o teste da prata constitui uma solução nebulosa; a exatidão do olho na medição da espessura da nebulosidade constitui uma percepção estética, como o senso crítico. Agrada-me a ideia da fínura do metal, que analogamente nos remete ao hábito de testar manifestações verbais. Naquela época tanto as barras de ouro como os espécimes de piritas tidas como ouro, eram levadas ao escritório do meu pai.  A gente ouvia a conversa sobre o último sujeito que trouxera uma barra de ouro que não passava de ouro fajuto.

ENTREVISTADOR — Sei que você considera a reforma monetária como a chave de um bom governo.  Gostaria de saber por qual processo o senhor passou dos problemas estéticos para os problemas governamentais. Acaso a Grande Guerra, em que morreram tantos de seus amigos, foi responsável por isso?

POUND — A Grande Guerra chegou de surpresa e, certamente, ver os ingleses – essa gente que jamais fez coisa alguma – unirem-se e lutarem, foi algo muito impressionante. Mas assim que tudo acabou eles morreram, e a gente passou os vinte anos seguintes tentando evitar a Segunda Guerra. Não sei dizer exatamente quando começou meu estudo sobre o governo.  Acho que a redação da New Age Office me ajudou a ver a guerra não como um acontecimento isolado, mas como parte de um sistema, uma guerra após outra.

ENTREVISTADOR — Há um ponto específico de ligação entre a literatura e a política que você estabelece em seus escritos que me interessa muito. No “A.B.C. of Reading” você diz que os bons escritores são aqueles que mantém a linguagem eficiente, e que essa é a função deles. Você desassocia essa função do partido político. É possível que um homem do partido errado use eficientemente a linguagem?

POUND — Pode. Aí é que está todo o problema! Uma arma é sempre boa, não importa quem aperte o gatilho.

ENTREVISTADOR — Pode um instrumento pacífico ser usado para criar desordem?  Suponha que uma boa linguagem seja usada para fomentar um mau governo. Um mau governo não faz uma má linguagem?

POUND — Sim, mas a má linguagem está fadada a fazer um mau governo, enquanto que a boa linguagem não está destinada a fazer um mau governo.  Isso também é Confúcio: se as ordens não forem claras, não podem ser executadas. As leis de Lloyd George eram uma bagunça tão grande que os advogados nunca sabiam o que elas significavam. E Talleyrand proclamou que os políticos mudavam o sentido das palavras entre uma e outra conferência. Os meios de comunicação se rompem, e é disso que estamos sofrendo agora. Estamos suportando o esforço de se trabalhar sobre o subconsciente sem apelar para a razão.  Eles repetem uma denominação qualquer em uma música e depois repetem a música sem essa denominação, para que justamente a música traga à mente aquela denominação.  Penso no assalto. Sofremos do uso da linguagem para esconder os pensamentos e impedir todas as respostas diretas e vitais. Há o uso delimitado da propaganda, linguagem retórica, meramente para calar e iludir.

ENTREVISTADOR — Onde terminam a ignorância e a inocência e o sofismo começa?

POUND — Existe a ignorância natural e a artificial. Eu diria que no presente momento a ignorância artificial é cerca de oitenta e cinco por cento.

ENTREVISTADOR — Que tipo de atitude se pode tomar?

POUND — A única chance de vitória contra a lavagem cerebral é o direito que cada homem tem de ter suas ideias julgadas de cada vez. Jamais se chega à clareza enquanto se tem tais ideias empacotadas, enquanto uma palavra é usada por vinte e cinco pessoas de vinte e cinto maneiras diferentes. Essa me parece ser a primeira luta, se quisermos que sobre algum intelecto. É duvidoso até que ponto se permitirá à alma individual sobreviver de algum modo. Hoje temos um movimento Budista que tem tudo, exceto Confúcio em seus ensinamentos. Uma Circe Indiana de negação e dissolução.

Defrontamo-nos com um número enorme de mistérios. Há o problema da benevolência, o ponto em que a benevolência deixou de ser eficaz. Eliot diz que eles passam o tempo tentando imaginar sistemas tão perfeitos onde ninguém precisará ser bom.  A gente não pode se esquivar de uma porção de questionamentos feitos nesse ensaio de Eliot, como, por exemplo, a questão de saber se existe qualquer possibilidade de se mudar a escala de valores de Dante pela escala de valores de Chaucer.  Se existe, até que ponto?  As pessoas que perderam a reverência perderam muito.  Foi esse o ponto em que rompi com Tiffany Thayer. Todas essas palavras imponentes se convertem em clichês. Há o mistério da dispersão, o fato de as pessoas que presumivelmente se entendem, se encontrarem geograficamente dispersas.  Um homem que se adapta ao seu meio, como ocorre com Frost, deve ser considerado um homem feliz.

Oh, a sorte de um homem como Mavrocordato, que está em contato com outros estudiosos, de modo que exista algum lugar em que ele pode confirmar um ponto! Agora, em relação a certos pontos em que desejo verificação, há um sujeito chamado Dazzi, em Veneza, para quem escrevo e que me vem com uma resposta, como, por exemplo, que fosse para uma questão que pudesse referir-se à Doação de Constantino.  Mas as vantagens que supomos serem inerentes na universidade – onde existem outras pessoas que contrôl * a opinião ou que contrôl os dados – eram muito grandes.  É enfraquecedor não tê-las. Claro que tenho tentado há mais de dez anos fazer com que qualquer membro de uma faculdade americana se refira a qualquer outro membro de sua mesma faculdade, em seu próprio departamento ou fora dele, com inteligência, e que o respeite para discutir assuntos sérios.  Num dos casos, um desses senhores lamentava o fato de que outro indivíduo havia deixado a faculdade.

Não tenho conseguido obter respostas diretas de pessoas acerca de questões que me pareciam de importância vital. Isso pode ter sido devido à violência ou obscuridade com que eu fazia as perguntas. Acho que a chamada obscuridade não é obscuridade na linguagem, mas no fato de a outra pessoa não ser capaz de perceber por que dizemos alguma coisa. O ataque contra Endymioni, por exemplo, se tornou complicado por que Gífford e companhia não conseguirem perceber por que razão Keats estava fazendo aquilo. Outra luta tem sido a de manter o valor de um caráter local e particular, de uma determinada cultura, nesta grande confusão, nesta terrível avalanche rumo à uniformidade. Toda a luta tem por objetivo a preservação da alma individual. O inimigo é a supressão da história; contra nós, há a desnorteante propaganda e lavagem cerebral, luxo e violência. Sessenta anos atrás, a poesia era a arte do pobre: um homem nos limites da civilização, ou Frémont, partindo com um texto grego no bolso. Um homem que quisesse o melhor poderia consegui-lo numa fazenda solitária. Na época, havia o cinema, e agora existe a televisão.

ENTREVISTADOR — A sua ação política que todos se lembram, foram declarações pelo rádio feitas na Itália durante a guerra.  Quando o senhor proferia tais palestras tinha consciência de que estava infringindo a lei americana?

POUND — Não, fiquei completamente surpreso. Como vê, eu tinha feito aquela promessa.  Concediam-me a liberdade do microfone duas vezes por semana. "Não pedirão que diga coisa alguma contrária à sua consciência ou ao seu dever como cidadão americano”. Pensei que isso abrangia tudo.

* Pound indica que está usando o contrôler Francês: “verificar, checar informações ou fatos.”

ENTREVISTADOR — A lei da traição não se refere a "conceder ajuda e conforto ao inimigo", e o inimigo não é o país com quem se está em guerra?

POUND — Eu achava que estava lutando em favor de uma questão condicional. Quer dizer, pode ser que eu estivesse completamente maluco, mas sentia, sem dúvida, que não estava cometendo traição. Wodehouse também falou no rádio, mas os britânicos não o proibiram. Ninguém me disse que não fizesse isso também. Não houve comunicação alguma, até o colapso de que as pessoas que haviam falado pela rádio seriam submetidas a processos judiciais. Tendo trabalhado durante anos para evitar a guerra, e vendo a loucura da Itália e dos Estados Unidos, eu certamente não estava dizendo às tropas que se revoltassem.  Eu achava que estava lutando por uma questão interna de governo constitucional. E se qualquer homem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca palavras contra raças, crença ou cor, que se apresente e as repita com detalhes. O “Guide to Kulchur” foi dedicado a Basil Bunting e a Louís Zukovsky, um quacker e um judeu.

Não sei se você acha que os russos devem estar em Berlim ou não. Não sei se eu estava fazendo algum bem ou não, ou se estava fazendo algum mal.  Oh, eu estava provavelmente do lado errado. Mas a lei em Boston, diz que não há traição sem que haja intenção de tal. Eu estava certo quanto à preservação dos direitos individuais.

Se, quando o poder executivo ou qualquer outro ramo do governo se excede em seus poderes legítimos, ninguém protesta, a gente perde todas as liberdades. Meu método de oposição à tirania esteve errado durante um período de mais de trinta anos – mas não tinha nada a ver com a Segunda Guerra Mundial em particular.  Se o indivíduo, ou o herético, apreender certa verdade essencial, ou vir algum erro no sistema que está sendo aplicado, ele próprio comete tantos erros marginais, que se considera esgotado antes de poder provar seu ponto de vista.

O mundo, nos últimos vinte anos, acumulou muita histeria: ansiedade quanto a uma terceira guerra, tirania burocrática e histeria causada por fórmulas de papel. A imensa e inegável perda de liberdade, tal como era em 1900, é inegável.  Temos visto o aceleramento da eficiência dos fatores tiranizantes.  Basta, para isso, que se mantenha um homem preocupado. As guerras são feitas para criar débitos. Creio que há possibilidade nos satélites do espaço e em outras formas de fazer dívidas.

ENTREVISTADOR — Quando você foi pego pelos americanos esperava ser preso? Ou mesmo ser enforcado?

POUND — No começo, fiquei perplexo, pensando que havia cometido algum engano em algum momento.  Eu esperava voltar-me para mim mesmo e que me perguntassem o que eu havia aprendido. Eu fiz isso, mas ninguém me perguntou nada. Sei que me analisei em várias ocasiões, durante as transmissões, refletindo que não cabia a mim fazer certas coisas, nem trabalhar para um país estrangeiro. Oh, era uma paranóia pensar que se podia argumentar contra as usurpações, contra os sujeitos que desencadearam a guerra para que os Estados Unidos participasse dela. Todavia, odeio a ideia de obediência a algo que é errado. Fui, depois, levado para o pátio da prisão, em Chiavari. Eles fuzilavam os prisioneiros, e eu pensei que tinha chegado meu fim.  Então, finalmente, um sujeito se aproximou de mim e disse que ele estaria ferrado se ele me entregasse aos americanos, a menos que eu mesmo quisesse ser entregue.

ENTREVISTADOR — Em 1942, quando os Estados Unidos entraram na guerra, eu entendi que você tentou sair da Itália e voltar para a América. Quais foram as circunstâncias da recusa?

POUND — Tais circunstâncias foram só boato. Não tenho muito claro na minha memória um certo período de tempo, e acho que... Eu lembro que tive uma chance de chegar até Lisboa, e ficar escondido lá até o fim da guerra.

ENTREVISTADOR — Por que você quis voltar aos EUA naquela época?

POUND — Eu queria voltar durante a eleição, antes da eleição.

ENTREVISTADOR — A eleição foi em 1940, não é?

POUND — Seria em 1940. Honestamente, não lembro o que aconteceu. Meus pais estavam muito velhos para viajar. Eles tiveram que ficar em Rapallo. Meu pai se aposentou lá.

ENTREVISTADOR — Durante aqueles anos de guerra na Itália você escreveu poesias? Os “Pisan Cantos” foram escritos enquanto você esteve internado. O que você escreveu durante aqueles anos?

POUND — Argumentos, argumentos e argumentos. Ah, eu fiz algumas traduções de Confúcio.

ENTREVISTADOR — Como foi o fato de você voltar a escrever poesia somente depois de ter sido internado?  O senhor não escreveu quaisquer cantos durante a guerra, escreveu?

POUND — Deixe-me ver – as coisas sobre Adams apareceram pouco antes de a guerra estourar. Não.  Escrevi “Oro e lavoro”.  Eu estava escrevendo coisas sobre economia em italiano.

ENTREVISTADOR — Desde sua prisão você publicou três coleções de “Cantos” e recentemente, “Thrones”. Você já deve estar perto do fim. Poderia dizer o que vai fazer nos “Cantos” restantes?

POUND — É difícil escrever um paradiso, quando todas as indicações superficiais são as de que se deveria escrever um apocalipse. É evidentemente muito mais fácil encontrar habitantes para um inferno ou para um purgatório.  Estou tentando reunir os registros dos voos mais altos da mente.  Talvez eu tivesse feito melhor em colocar Agassiz no topo, ao invés de Confúcio.

ENTREVISTADOR — Você está mais ou menos estagnado?

POUND — Ok, estou estagnado. A pergunta é: estou morto, como os senhores A.B.C desejam? Caso eu enguice, e é o que provisoriamente terei de fazer: devo elucidar obscuridades; tornar mais claras ideias definidas e dissociações. Devo descobrir uma fórmula verbal para combater o aumento da brutalidade – o princípio de ordem versus desintegração do átomo. Havia um homem no manicômio, a propósito, que insistia em dizer que o átomo jamais fora desintegrado.

Um épico é um poema que contém história.  A mente moderna contém elementos heteróclitos. A poesia épica teve êxito quando todas ou uma grande parte das respostas eram pressupostas, pelo menos entre o autor e a assistência, ou uma grande massa da assistência. A tentativa, numa época experimental é, por conseguinte, temerária. O senhor conhece a história: “O que você está desenhando, Johnny?” “Deus.” “Mas ninguém sabe qual é a aparência Dele.” “Saberão, quando eu terminar!” Tal confiança já não é mais possível. Existem temas épicos. A luta pelos direitos individuais é um assunto épico, consequência dos julgamentos por conselhos de jurados em Atenas até Anselmo versus William Rufus, até o assassinato de Becket e, desde o assassinato de Coke até John Adams.

Então, tal luta parece surgir contra um bloco. A natureza da soberania é uma questão épica, embora possa ser um tanto obscurecida pelas circunstâncias. Algo disso pode ser traçado, indicado; evidentemente, tem de ser condensado, a fim de adquirir forma. A natureza do indivíduo, o conteúdo heteróclito da consciência contemporânea. Essa a luta da luz contra a subconsciência; exige obscuridades e penumbras. Uma grande parte do que se escreve hoje em dia evita as áreas inconvenientes do assunto.

Eu estou escrevendo a fim de resistir à ideia de que a Europa e a civilização estão caminhando para o Inferno. Se estou sendo "crucificado por uma ideia" – isto é, a ideia coerente em torno da qual minhas confusões se acumulam é devido, provavelmente, à ideia de que a cultura europeia necessita sobreviver, de que suas melhores qualidades devem sobreviver juntamente com quaisquer outras culturas, qualquer que seja a sua universalidade. Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, terá você uma bela e simples resposta?  Temos trabalhado com certos materiais, procurando estabelecer as bases e os eixos de referência. Escrevendo assim para sermos compreendidos, há sempre o problema de ratificação, sem que se renuncie ao que é correto.  Há sempre a luta para não firmar um compromisso a favor da oposição.

ENTREVISTADOR — As partes separadas dos “Cantos”, agora – as três últimas seções apareceram com nomes separados – significam que você está referindo-se a problemas particulares em seções particulares?

POUND — Não. “Rock Drill” tinha como intenção inferir a resistência necessária para conseguir uma tese contrária – forçar. Eu não estava seguindo exatamente as três divisões da “Divina Comédia”.  Não se pode seguir o cosmo dantesco na era do experimento. Mas fiz a divisão entre pessoas dominadas pela emoção, pessoas lutando para elevar-se, e aquelas que possuem certa parte da visão divina.  Os “Thrones”, no “Paraíso de Dante”, são destinados aos espíritos das pessoas que foram responsáveis por bons governos.  Nos “Cantos”, os “Thrones” são uma tentativa no sentido de o homem se livrar do egoísmo e estabelecer uma definição de uma ordem possível ou, pelo menos, concebível sobre a terra.  Tem-se como apoio a baixa percentagem de razão que parece agir nos assuntos humanos. Os “Thrones” dizem respeito aos estados de espírito de pessoas responsáveis por algo mais que sua conduta pessoal.

ENTREVISTADOR — Agora que você se aproxima da parte final, fez quaisquer planos para revisar os “Cantos”, após tê-los terminado?

POUND — Não sei. Há necessidade de melhorá-los, de torná-los mais claros, mas não sei se uma revisão compreensiva seria possível. Não há dúvida de que o trabalho é muito obscuro como se encontra gora, mas eu espero que a ordem de ascensão no Paradiso seja na direção de uma clareza maior. É claro que deve haver uma edição corrigida por conta dos erros nos quais eu rastejei.

ENTREVISTADOR — Permita-me mudar de novo de assunto.  Durante todos os anos que passou internado no hospital St. Elizabeth, você conseguiu captar a realidade da América contemporânea através dos que foram visitá-lo?

POUND — O problema nos visitantes é que não dava pra saber muito sobre a oposição. Eu sofro do isolamento crescente de não ter contato suficiente – quinze anos vivendo mais com ideias do que com pessoas.

ENTREVISTADOR — Você tem planos para voltar aos EUA? Você quer voltar?

POUND — Sem dúvida. Mas se há nisso uma nostalgia ou não pela América, já não sei. Há uma diferença entre um Adams-Jefferson abstrato, e uma América de Adams-Jackson e o que quer que esteja acontecendo. Indubitavelmente tenho momentos em que deveria gostar muito de viver na América. Há essas dificuldades concretas contra o desejo geral.  Richmond é uma bela cidade, mas não se pode viver nela a menos que dirija um automóvel. Eu gostaria de passar pelo menos um ou dois meses por ano nos Estados Unidos.

ENTREVISTADOR — Você disse outro dia que à medida que se torna mais velho, mais americano se sente. Como isso acontece?

POUND — Acontece. Os estrangeiros foram necessários como uma tentativa em uma base. Somos transferidos e crescemos, e somos impelidos novamente ao local de onde saímos, e esse lugar já não está mais lá. Os contatos já não estão mais lá, e eu suponho que a gente se volta para a própria natureza e a considera misericordiosa. Você já leu as memórias de Andy White?  Foi ele quem fundou a Universidade de Cornell. Aquele era o período de euforia, quando todo o mundo pensava que todas as boas coisas da América iriam funcionar, por volta de 1900. White abrange um período da história que vai até Buchanan. Ele alternava, sendo hora embaixador da Rússia e reitor de Cornell.

ENTREVISTADOR — Então sua volta à Itália foi um desapontamento?

POUND — Sem dúvida. A Europa foi um choque. O choque de não mais se sentir no centro de algo talvez seja parte disso. Há também a incompreensão, a incompreensão da Europa, da América orgânica.  Há muitíssimas coisas que eu, como americano, não posso dizer a um europeu com esperança de ser compreendido.  Alguém disse que eu sou o último americano a viver a tragédia da Europa.

Nota: A saúde do Sr. Pound impossibilitou que ele terminasse a revisão dessa entrevista. O texto está completo, mas pode conter detalhes que o Sr. Pound teria mudado em circunstâncias melhores.