sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo . 32

''De forma  alguma (eu disse à Gisele) não se trata de afetação ou perversidade da minha parte. Apenas um pretexto útil . Sou do tipo que nunca se esquece de si mesmo. Quando me olho no espelho, olho para me ver olhando-me, é minha própria consciência o que eu contemplo. As coisas só me aparecem através dela, por meio de uma translucidez  às vezes viscosa, adorante demais, como um tremor de ar quente no verão. Na causa nobre em que minha consciência luta agora, o ineditismo de certas cenas revela a inexperiência dos atores adversários. Hume, possivelmente, não teria conseguido acompanhar isso com curiosidade E quem depois de Lolme ainda anima-se a escrever com elegância sobre repúblicas régias ? Opitimatium populique. Ainda assim, tenho um programa único. Não me afastarei dele, na medida em que não tenho opção. Agora diga-me ! Bem, eu fui provocado, não fique com medo. A mente humana é estranha. Objetivamente, essas forças estranhas pouco me afetam, mas me despertam um desejo absurdo de ação que estabeleça conexão com outras ações , de coerência, de formas, de forças, de mistérios e de fábula.s . Pode ser que ainda pense não ter outra opção, mas ,pelo visto, estou surpreendentemente enganado. E não gosto disso, parece pouco verossímil. Não faz mal. Porque os poderes teriam mudado em relação à mim ? Positivamente não gosto disso. Essas forças , em última análise, não são estranhas a quem leu o Paraíso Perdido, de Milton, mas muita gente ali não é versada nos clássicos.  Portanto, é melhor adotar explicações mais simples, com gráficos coloridos e linguagem de surdo-mudo, mesmo que não expliquem grande coisa. Por exemplo: que os chineses trocaram o uísque Chivas e a vodka Absolut pelo conhaque barato, nos bares e casas noturnas. Pensar que medidas restritivas do Governo Chinês estão mergulhando o ideograma alcóolico da população numa nuvem de ressaca. Não é necessária uma grande clareza aqui, apenas uma luz fraca, fiel, que nos permita viver e nos regojizar na estranheza, encontrando em cada realidade uma insatisfação fixada, um apelo à outra coisa, mesmo que seja uma bebida. Não posso falar em nome de todos os consumidores do mundo, mas como demônio sou obrigado à me devotar à boa escrita. Como numa imensa colméia, as zonas de livre-comércio do mundo são sacudidas por zunidos de sexo pago e mão de obra barata, enquanto alguns poucos rostos enrugados permanecem mergulhados nos negócios, ou relaxando em algum piano bar das alturas. Rostos eternamente congelados em sorrisos condescendentes e fingidos, apurando o ouvido em horas diversas do dia para garantir o valor dos seus estoques de riqueza parasitária. Ações de estabilização ampliando os critérios de avaliação nas decisões dos gastos de suas empresas. Quantitative Easing disfarçados de longos e pacíficos desenvolvimentos filosóficos onde até mesmo palavras como ''filantropia'' aparecem. Que pérolas de cultura ! Prreezisa de Lebensraum ou offshoring ? O P. de L. (espaço vital) é um elemento de geopolítica alemã do século XIX, apropriado depois pelo Nazismo. Pregava, assim como a Globalização, a necessidade de expandir o espaço geográfico alemão para estimular o crescimento da população germânica. Hitler sempre citava a doutrina do Lebensraum para justificar suas invasões internacionais. Por mais impreciso que eu seja nos meus detalhes, sinto que apresento uma demonstração pioneira, desta vez. Uma ''DISCUSSÃO PEGUILHENTA ''. Quanto aos outros acontecimentos, todos culminando no desmaio, e aos quais não devíamos ser tão sensíveis, não me resta deles na cabeça nada de inteligível. Se alguém ainda fosse capaz de interpretar risos, julgariam que estou louco. Esses acontecimentos, às vezes me divirto inventando-os, mas sem chegar a me divertir de verdade. Sinto-os espiritualizados numa ordem hierárquica: um mosaico que me oferece uma compreensão intuitiva deles. Eu mesmo ocupando uma alta posição em tal hierarquia, como FIAT LUX, a mais alta, como único que não pode ser considerado de uma categoria imperdoavelmente banal. A essência da minha escrita (eles sabem) é operar, ao preço de uma tensão mundial ansiosa, a fusão da consciência cósmica com esses mesmos acontecimentos, que imploram a um só vez para causarem angústia e refletí-las em notícias e atos governamentais. Muitos senhores formalmente trajados, sendo bons observadores, costumam aceitar minha palavra como conclusiva em diversos aspectos, nas mais altas instâncias de decisão política. Mas perder a consciência própria para mim é perder pouca coisa. E mencionar meu nome publicamente é uma maneira infalível de se começar um discussão violenta consigo mesmo. Talvez eles tenham me golpeado mais de uma vez, recorrendo a casos sem fim para provar tanto minha eficiência milagrosa quanto minha inutilidade absoluta. ''Para tipinhos como você '' (disseram) ''''Tudo é muito fácil. Pode ficar escondido debaixo dos panos. Mas nós temos uma reputação a zelar. Uma herança política a defender. Uma oposição a derrotar. Isso vai nos criar problemas (.) '' ;. Bem, isso não teria sido notado direito, mas saberiam que eu estava sempre rindo. O contrário teria sido menos surpreendente. Sempre ergo-me , lento, nessas ocasiões, preparando minha imitação de um aristocrata inglês pronto à ensinar uma lição ao mundo. Por exemplo: de que a chave da sensibilidade de nossa época, em pleno século XXI, ainda seja um punhado de obras literárias e filosóficas escritas entre 1915 e 1930. Pois nem o surrealismo e o existencialismo francês acrescentaram nada às caracterizações heideggerianas presentes em Sein und Zeit. A imagem definitiva de nossa miséria social e cultural ainda pertence à descrição da cotidianidade em Ser e Tempo e aos febris comentários de Walter Benjamin em ''Viagem Através da Inflação Alemã''. Quanto ao amor, Proust esgotou o tema como um carniceiro maníaco, fixando para sempre sua Facies Hippocratica. E o que dizer de Kafka e James Joyce (?) Nos tiraram qualquer possibilidade de descoberta.  A literatura que veio depois se limitou a revisitar atmosferas psicológicas passadas e a registrar ínfimas variações daqueles temas. A explicação para isso é que as experiências-limite da elite-intelectual dos anos 1930 deram lugar à experiência das massas. Nos cumes inacessíveis do pensamento, onde o nada e o misticismo mudo afivelam sua máscara inexpressiva de olhos chamejantes, o filósofo e o poeta de vanguarda encontravam-se agora na companhia de uma interminável e barulhenta massa sem autoridade espiritual, cuja sensibilidade nunca prometeu nada além de grunhidos.

K.M.

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