quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Vórtice negentrópico automonitorador espontâneo. 31

----- O que é Satã, no fundo (?) ----, Gisele perguntou-me. De fato: alguma coisa grande e silenciosa estava acontecendo no mundo e era melhor contar-lhe tudo. Mas agora (?), eu sempre pensava. - ---- A des glaciers atentatoire, je ne sais le naif péché (..) Teologicamente, é o símbolo da mais alta liberdade concedida por Deus no mundo manifestado, sem o qual este não teria razão de ser; por outro lado, é também o horror aristocrático à liberdade impotente engajada na ação política, pois o satanismo clássico define-se por uma poesia mais alta que pode (verbalmente) calcar aos seus pés a ordem estabelecida e substituí-la por outra coisa, sem a participação do povo.  ----- Você me deixa confuso, Gisele (.) Há momentos em que, graças a você, não me pareço mais comigo mesmo, sob sua influência. Fico perturbado, mas dessa vez sei exatamente para onde vou...Não é mais o jogo de há pouco. Como você é barulhenta (!) Me dedicarei ao Jogo, apesar de tudo. E começarei jogando com aquilo que vejo (.) ----, concluí. Querendo dizer que uma ''rebelião'' como aquela , de Gisele, devia ser esmagada sem piedade. Assim que passei os dedos em volta de seus tornozelos, detendo-me primeiramente em seus pés, que eram perfeitos como suas mãos, e acariciei vezes sem conta seu pescoço, perdido em abundante cabeleira. Seus seios arfavam enquanto eu os beijava, marcando a linha dos seus ombros com os dentes. Tinha começado bem, com uma sintaxe que convidava a um mar de exegeses, quase todas em torno da sugestão de erotismo. A ausência de pontuação do Jogo não excluía o ato sexual em si, mas o estendia sobre uma nota irônica, orgulhoso de seu número. Certamente, aquele Jogo envolvia a possibilidade de que uma vontade de ferro, quando forjada pela fornicação, fosse tão poderosa numa esposa quanto nos músculos de seu cônjuge. Além do mais, dizer que eu ''M´introduire dans ton histoire'' era algo bem diferente de uma simples metáfora sexual. Com aquilo, eu tornava para sempre meus o informe e o inarticulado presentes em Gisele, devido à uma jogada de ironia reticente e cerimoniosa.  Jamais (eu pensava) tínhamos protagonizado uma peça tão chinesa. No nosso aposento, naquele instante, abundavam jornais e obras clássicas de taoismo acumuladas pelos cantos. Belo bloco duplo de meridianos à luz da lua: de l´inclination d´y placer, tornando árida a possibilidade de acompanhar o resto da conversa através de intérpretes. Uma intensidade de emoção acompanhada de mudez era sempre atraente para um demônio: gozar com Gisele era mais garantido que merda de manhã e impostos. E todo exagero de sentimentos honestos está para Satã como o solo negro está para o agricultor que sonha com plantações futuras.   ----- Até quando você seguirá me envolvendo nessas coisas (?) (protestou Gisele) Coisas das quais não estou gostando (.) -----,  ... ouvindo-a, pensei que não demoraria para que eu me visse novamente sozinho, sem a luz daquela bela cabeleira, articulando hipóteses incuriosas de rebaixamentos na região do euro, fazendo paralelos obscuros entre a crise da Europa periférica e os mercados emergentes, em meio à longas caminhadas com os braços estendidos, rumo à algum esconderijo onde eu permaneceria ininterruptamente disciplinado e atento à minha própria respiração. Não, eu nao podia recomeçar o Jogo com um exagero. Portanto, jogaria totalmente só, impossibilitado de pensar um projeto mais corajoso. ------ Esses são tempos muito estranhos, Gisele (eu disse) O crédito fraco não está inibindo os investidores de se amontoarem em busca de oportunidades, porque os lugares com rendimentos positivos estão desaparecendo do mapa como água no ralo. Isso tem feito a taxa de captação dos países emergentes cair, o que transforma a economia mundial numa derrisão, o que a MINORA. Cegueira de todos os tipos possíveis e imagináveis. Acho que não esqueci nada, dessa vez. Alavancagem crescendo e crédito caindo. Uma atitude econômica ingênua, do blefe que exige a perfeita puerilidade antes de perder tudo; algo do fauno que se gaba em profanar, prolongando o pensamento livre daqueles que se divertem com a economia, como eu. Pagar aos outros e a mim mesmo com Palavras, suspender, pela ênfase acefalada no próprio corpo, o peso de uma realidade mundial aterradora e prosaica. Vai ser bom. Não sei. Ser claro sem me tornar maníaco será meu compromisso com a leitora.  Obviamente, que corro o risco de extinção súbita, de um momento para o outro. Mas Baudelaire também escolheu estar sempre em falta como uma criança.  Esse era o único meio de sustentar sua posição insustentável até o final. Mais adiante, falarei do sentido geral ---- econômico e histórico ----- dessa maldição que pesava sobre ele, e que agora pesa sobre mim. Da escolha que está na essência do fato poético. Ela se dá por um tipo indescritível de excesso, sabe (?) E um cálculo curioso está presente nela. Audácia inteiramente pagã, menos perversa do que ingênua, e tão mais natural quanto ela se confunde com os primeiros raios de um sol tímido roçando a relva. Tudo concorre para me encorajar, embora ainda seja cedo demais. Toda minha vida passei me segurando  para não fazer esse balanço, dizendo a mim mesmo Cedo demais, Cedo demais. E aqui estou eu de novo discutindo essas ninharias sem sentido. Mas não perderei o sangue-frio. Fixado enfim, traçarei a linha e farei a soma de novo. Devo ter esquecido alguma coisa. Por Deus, devo ter esquecido tudo..

K.M.

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