sexta-feira, 31 de março de 2017
Rolo de papel contínuo ????
:
A poética da obra "aberta" tende [...] a promover n o intérprete "atos de liberdade consciente", pô-lo como centro ativo de uma rede de relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura sua própria forma, sem ser determinado por uma necessidade
O CONCEITO DE VANGUARDA A PARTIR DA REFLEXÃO SOBRE A OBRA ABERTA, DE UMBERTO ECO
A obra de arte, na concepção de Heidegger, tem uma articulação essencial com essas idéias, na medida em que ser obra é instalar um mundo, e para instalar mundo é preciso deixar em aberto o aberto do mundo. A obra coloca à luz o ser das coisas e a possibilidade de abertura e transcendência no relacionar-se com elas.
"Parar o mundo", em Castaneda, e "ser obra de arte", em Heidegger, podem ser relacionados pelo fato de apontarem para uma abertura de possibilidades de sentido para além do mundo que tomamos como dado.
Parar o mundo e ser obra de arte, falando dessas noções, os dois autores discorrem sobre realidades plásticas, sobre mundos que existem a partir de experiências, sobre formas de ec-xistir e transitar entre mundos, mantendo-se na abertura do ente
Trata-se de um horizonte de mistério fundamental do ser homem: horizonte de abertura da própria existência.
seja através da arte ou por outros caminhos, é a "brecha", a "abertura" que nos permite transitar entre mundos.
Essa busca em que a tensão entre razão e transcendencia religiosa se traduz em um modo não muito tranquilizador de proceder com a linguagem e o pensamento, se apresenta como deliberada em nossa obra.
Métodos de intensificação por desmantelamento: Burroughs leu Joyce com olhos de quem nunca interrompe a busca por outra maneira de pensar e extraía assim geometrias intertextuais que estavam muito além da expressão verbal literária ou de qualquer interesse restrito á esse âmbito. Se o método surrealista buscava criar um vínculo novo para as associações com a escrita automática ou mediúnica, os métodos de Burroughs quebram todo vínculo, toda associação, toda linha de associação pré-estabelecida para resgatar intacta a IMAGINAÇÃO PRIMORDIAL soterrada sob múltiplas camadas geológicas de falsas cadeias de associações, academica e socialmente impostas. `A isso se referem nossas considerações metodológicas e se junta ainda outro método que o cabalista Abraham Abulafia denominava ''dillug'' ou 'kéfitsá'', e que podemos traduzir como o salto + de um conceito a outro. Trata-se de servir-se de associações e passar de uma á outra segundo certas regras estabelecidas intra-psiquicamente através da auto-hipnose ou linguagem ritmada (ullimna mantiqat-tayri (no Islã) - linguagem dos pássaros): cada salto abre uma nova esfera, no interior da qual o espírito pode estabelecer novos e insuspeitados mundos de associações. Nas palavras de Abulafia, este salto+ nos libera da prisão da esfera da NATUREZA e nos eleva aos limites da esfera CELESTIAL (produz em bloco ou uma onda ininterrupta daquilo Marcel Proust chamava de um ''minuto liberado do tempo'' ou hendidura, fenda, punto de velamen, poros de origem, por assim dizer, órfica nas paredes da realidade convencionada)
Além de intercambiar experiências e especulações é preciso operar com a própria decodificação e este deve estar por cima do tropológico, seja, deve ser quase totalmente hieroglífico e tão barrocamente contorsionado que produza ou devele ''rachaduras'', indicações, sinais, cifras etc... e, ao mesmo tempo, esgotando todas as anfractuosidades da hieroglífica se logre um EFEITO ANAGÓGICO com nosso estilo que, dito de outra maneira, deve ser PRÉ-ALFABÉTICO e PÓS-ALFABÉTICO (o alfabeto deve ser retorcido, fustigado, encurralado, anonadado para que nos devolva intacta a SIMBOLOGIA, a IDEOGRAMÁTICA arcaica),
K.M.
UM MUNDO LIVRE DE SURPRESAS '
Um dos motivos por que o nacionalismo nunca desapareceu é que as empresas globais necessitam na nação-Estado. Grandes princípios como livre-comércio, anti-imigração e mesmo moeda sólida foram muitas vezes postos de lado quando pareceram interferir nos ganhos dos lucros do amanhã . Eles alimentaram uma visão evolutiva do que constitui o bom Estado na era da globalização .O modelo que tem em mira para o Estado do século XXI preenche certas funções específicas : defensor da livre circulação de capitais e bens ; regulador e educador do mercado de trabalho ; equilibrador da economia privada; formador de consenso capaz , pelo menos, de aliviar injustiças corrigíveis através da transferência de pagamentos ---- como , por exemplo, a segurança nacional, etc -- - -, e pacificador disposto a enfrentar com força os efeitos sociais e econômicos das contradições internas do sistema capitalista. . Tradicionalmente, a maior dependência das empresas em relação ao Estado tem sido na esfera da estabilidade ---- o que seus planejadores gostam de chamar de ''UM MUNDO LIVRE DE SURPRESAS ''. Esse não , obviamente, um ''pedido modesto '' , e os administradores sabem que a realidade é menos conciliadora. Como diz o antigo ditado: ''Vou devagar, pois tenho pressa ''
K.M.
K.M.
Diplomacia empresarial.
Theodore H. Moran, da Brookings Institution, há décadas analisou a estratégia diplomática da Kennecott para impedir a nacionalização. A empresa elaborou o seguinte plano : desenvolveu , para usar as palavras de Moran , uma ''formidável rede de alianças transnacionais '', na esperança de que nenhum governo ousasse expropriar suas minas . Tomou um grande empréstimo ao Eximbank e levantou 45 milhões de dólares de capital adicional ''pela venda de contratos de cobra a longo prazo com clientes europeus e asiáticos a um consórcio de bancos europeus... e a um consórcio de instituições japonesas ''. Procurou seguir a imposição de sanções legais diretamente ao Estado chileno e tirou proveito máximo das garantias da AID, do governo americano . ''O objetivo dessas medidas '', disse Robert Haldeman , vice-presidente executivo das operações chilenas, a Moran , ''foi assegurar que ninguém exproriaria a Kennecott sem perturbar as relações com credores, clientes e governos de três continentes ''. Observa Moran que a ''Anaconda, a Asarco , a Freeport Sulphur e a Roan Selection seguiram as linhas traçadas pela Kennecott ao negociarem novas concessões na América Latina, sul da Ásia e África. Quando o Congresso Chileno, a despeito de todos os esforços da companhia, resolveu unanimemente nacionalizar as minas, a Kennecoott foi aos tribunais da França, Suécia, Alemanha, Itália etc para bloquear todos os pagamentos ao Chile pelo cobre nacionalizado e vendido nesses países. ''Os funcionários da Kennecott estão dispostos a manter a pressão sobre o Chile '', comunicou a revista Time . ''Os escritórios em Manhattan do Procurador-Geral Pierce McCreary , que dirige a campanha, tem o ar de uma sala de operações de guerra ''.
K.M.
A ''verdade efetiva da coisa ',' a que alude Maquiavel.
O espetáculo, ou a simples notícia de algum continente mal sabido e que, tal como a cera, se achasse apto a receber qualquer impressão e assumir qualquer forma, suporta assim , entre muitos deles, as idealizações mais inflamadas . Idealizações estas de que seria como um ''negativo ''' fotográfico este nosso mundo densificado e convulsionado, e em que parece voltar a ganhar atualidade histórica a possibilidade de remissão. Se isso é especialmente verdadeiro no caso de Colombo, que acreditava que o fim do mundo seria em 1656 , não o deixa de ser em outros navegantes que o antecederam ou sucederam. A maior parte deles sempre preferiu a essa cumplicidade com a ''verdade efetiva da coisa '', a que alude Maquiavel (o reconhecimento da natureza básica do mundo ) , um ideal mais limpo . Nas palavras do próprio Príncipe : ''Preferir o ''como se vive '' ao ''como se deveria viver '', ao ser um dever ser. E é bem compreensível , nestas circunstâncias, se numerosos marinheiros e exploradores que se movem , quase por necessidade de ofício, conforme os juízos dos astrólogos, tendam a fazer ''baixar seu dever '', os seus ''paraísos '', destes mesmos mundos arquetípicos mais puros para a realidade ainda nublada que lhes oferecem as terras incógnitas e remotas. O processo mental que se encontra à base de semelhante atitude não é muito diferente do que, em certas obras de imaginação, escritas aproximadamente no fim do século XV , opõe a uma degradação da Natureza e do mundo moderno a nostalgia das imagens idílicas. Assim, numa das églogas, anterior a 1482, a célebre Arcadia de Sannazaro, apontando para o mundo que se agravava , evoca os tempos bons que de hora a hora se esgarçam :
Or vedi , Opico mio , se´l mondo aggravasi
di male in peggio ; e deiti pur compiangere
pensando al tempo buon che ognor depravasi
Or vedi , Opico mio , se´l mondo aggravasi
di male in peggio ; e deiti pur compiangere
pensando al tempo buon che ognor depravasi
quinta-feira, 30 de março de 2017
Continuação.
''A essência do New Deal era a idéia de que os grandes governos deviam gastar com liberdade para conquistar a segurança e o progresso. Assim ,a segurança do pós -guerra exigiria uma certa liberalidade de desembolsos por parte dos Estados Unidos, a fim de superar o caos criado pela guerra. A ajuda aos países pobres teria o mesmo efeito dos programas de bem-estar social dentro dos Estados Unidos --- dar-lhes-iam segurança para superar o caos e impediria que eles se transformassem em revolucionários violentos. Enquanto isso, eles seriam inextricavelmente atraídos para o renascido sistema de mercado mundial . Ao serem introduzidos no sistema geral , tornar-se-iam responsáveis, tal como o tinham sido os sindicatos norte-americanos durante a guerra . A ajuda à Grã-Bretanha e ao restante da Europa Ocidental reativaria o crescimento econômico, estimularia o comércio transoceânico e, desse modo , ajudaria a economia norte-americana alongo prazo . A América havia gasto somas enormes , acumulando déficits imensos, para manter o esforço de guerra.O resultado fora um crescimento econômico espantoso e inesperado . Os gastos do pós- guerra produziriam o mesmo efeito , mas em escala mundial '' (Schurman ) . E assim fizeram , mas só depois que a ideologia de Roosevelt foi adaptada pela doutrina de Truman, que falava de dois mundos irremediavelmente opostos entre si . É que o unimundismo de Roosevelt simplesmente não era realista o bastante para granjear o apoio necessário do Congresso e do empresariado norte-americanos. O mundo era um lugar grande demais e caótico demais para que os Estados Unidos o reorganizassem à sua imagem e semelhança, sobretudo se essa reorganização tivesse que ser conseguida através de órgãos de governo mundial, como imaginados por Roosevelt, nos quais os Estados Unidos tivessem que fazer concessões contínuas às visões particularistas de amigos e inimigos. O Congresso e a comunidade empresarial norte-americanos eram por demais ''racionais '', em seus cálculos de custos e benefícios financeiros da política externa dos Estados Unidos, para liberar os recursos necessários à efetivação de um plano tão pouco realista quanto esse. Roosevelt sabia que os Estados Unidos nunca adotariam o livre-comércio unilateralmente, como fizera a Grã-Bretanha na década de 1849, e nunca propôs essa política. Mas o Congresso nunca aprovou nem mesmo sua proposta menos radical de criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC) com poderes para reconstruir um sistema de comércio multilateral , compatível com o objetivo de promover e sustentar uma expansão econômica de escala global. O Congresso simplesmente se recusou a ceder a soberania, nas questões comerciais , até mesmo a um orgão que, num futuro previsível , estava fadado a ser controlado por dirigentes , interesses e ideologia norte-americanos . O que se tornou realidade ----o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), criado em 1948 ---- não passou de um fórum para a ''negociação '' bilateral e multilateral de redução de tarifas e outras restrições ao comércio internacional. Ele deixou o ritmo de liberalização comercial do comércio nas mãos dos governos nacionais . Embora o GATT tenha ajudado a reconstruir um sistema multilateral de comércio , a liberalização comercial mais fez seguir do que liderar a expansão econômica mundial das décadas de 1950 e 1960, em nítido contraste com a adoção unilateral do livre-comércio pela Grã-Bretanha, que precedera a expansão do comércio e da produção mundiais de meados do século XIX e contribuíra decisivamente para ela. Mesmo que o comércio tivesse sido liberalizado com mais rapidez , através da adoção unilateral do livre-comércio pelos Estados Unidos ou através da ação natimorta OIC , a extrema centralização da liquidez , capacidade produtiva e poder aquisitivo mundiais na jurisdição dos Estados Unidos teria constituído um obstáculo muito sério à expansão econômica mundial do que as barreiras tarifárias e outras restrições impostas pelos governos ao comércio . A menos que a liquidez mundial tivesse uma distribuição mais equânime, o mundo não poderia comprar dos Estados Unidos os meios de produção de que precisava para fornecer alguma coisa de valor aos consumidores norte-americanos , em cujas mãos estava concentrada a maior parte da demanda global efetiva. Mas tbm nesse aspecto , o Congresso dos Estados Unidos mostrou-se extremamente relutante em abrir mão de seu controle sobre a liquidez mundial como um meio visando à finalidade de estimular a expansão econômica do mundo. Nesse contexto , convém frisar que o sistema monetário mundial criado em Bretton Woods foi muito mais que um conjunto de acordos técnicos com vistas a estabilizar paridades entre algumas moedas nacionais seletas , e a ancorar o conjunto dessas paridades nos custos de produção , através de uma taxa de câmbio fixa entre o dólar norte-americano e o ouro . ''Se isso fosse tudo , o novo regime monetário teria simplesmente restabelecido o antigo padrão ouro internacional do fim do século XIX e início do XX , com o dólar e o Sistema da Reserva Federal assumindo o papel da libra e do Banco da Inglaterra . Mas isso estava longe de ser tudo. Por baixo desse velho cortinado técnico, houve uma grande revolução no agente e no modo de ''produzir '' o dinheiro mundial '' (Cohen ).
K.M.
K.M.
quarta-feira, 29 de março de 2017
Considerações.
Os Estados Unidos continuam a ser a nação mais poderosa, ma não podem mais governar o mundo através do poder econômico ou militar . Os poderes do Departamento de Estado , da CIA e do Pentágono de estabelecer e derrubar governos, ou mesmo de interferir decisivamente neles, não é nem de longe o que era . A agonia de dez anos de Vietnan demonstrou que os custos econômicos e políticos para pacificar uma potência militar de terceira classe eram maiores do que qualquer nação podia pagar . É obsoleta a versão do império do século XIX na Era Atômica. Já no final dos anos 1960 , líderes empresariais começaram a perceber que eram proibitivos os custos para manter a supremacia americana mediante a estratégia militar Kennedy-Johnson . Os gastos militares maciços no exterior contribuíram para provocar um grave déficit no balanço de pagamentos e, tbm substancialmente , uma inflação interna. As mercadorias americanas tornaram-se crescentemente não competitivas , com o resultado, em 1971 , do primeiro déficit comercial do país em mais de duas gerações. A nação número 1 tornava-se economicamente mais fraca devido à sua política militar. Simultaneamente, a extraordinária liderança tecnológica que os Estados Unidos desfrutavam ao fim da Segunda Guerra Mundial desaparecia rapidamente . Perdiam terreno para o Japão, a Alemanha e outros países industrializados na concorrência pelo mercado de consumo. O orçamento militar , que havia ajudado a dar licença tecnológica às firmas americanas, bem como extraordinárias vantagens competitivas na primeira geração posterior à guerra, não mais desempenhava o mesmo papel na segunda geração, porque mudara toda a natureza da concorrência internacional . à medida que o mundo parecia tornar-se cada vez menos sujeito ao controle americano, as empresas acharam prudente anunciar menos o seu americanismo. Janelas quebradas e ameaças de bombas , partidas de grupos militantes opostos à intervenção dos Estados Unidos na Indochina , contribuíram para convencer as companhias americanas na Europa de que deviam ''livrar-se'' de seus ''rótulos nacionais '' . Simultaneamente, alguns executivos tentaram usar sua influência para persuadir o governo a recuar nas políticas externa e militar , porque prejudicavam seus interesses. O Presidente do Conselho do Bank of America, Louis Lundborg, manifestou-se publicamente contra a política militar contraproducente no sudeste da Ásia. Muitos outros, em particular, expressaram seu desagrado com a ''política obsoleta da guerra fria ''. Em março de 1968, os conselhos de líderes empresariais desempenharam um papel decisivo em persuadir Lyndon Johnson a desescalar a guerra. O problema bilateral de ajuda, que fora usado para subsidiar empresas americanas, não era mais politicamente aceitável nos Estados Unidos na sua forma tradicional. Entre 1950 e 1970, cerca de 41 por cento de todas as exportações do país eram financiadas pela AID (Agência de Desenvolvimento Internacional ) e suas antecessoras. Os acordos ''vinculados '', que forçavam países pobres a comprar produtos americanos com suas divisas, eram extraordinariamente lucrativos para as empresas. Em 1967, por exemplo, uma comissão de investigação do Senado descobriu que donativos para a saúde pública feitos a certos países latino-americanos estavam sendo usados para comprar medicamentos à Pfizer , Merck e outras indústrias farmacêuticas americanas, com elevações substanciais sobre os preços vigentes nos EUA. Observava-se um emprego crescente do Banco de Exportação e Importação para financiar exportações das empresas globais . Através de seu voto em organizações de ajuda e financiamento internacional , como o Banco Mundial , o governo americano procurava ainda usar dinheiro do público para financiar os negócios globais das empresas, e isso a despeito da crescente resistência do Congresso a qualquer ''cavação '' em ajuda externa e ao ''dinheiro levado para fora ''.
K.M.
K.M.
Um monopólio da liquidez mundial
Nova York, em si , continuava inteiramente subordinada a Londres , tanto em termos organizacionais quanto intelectuais. Sem dúvida , o grande aumento da participação norte-americana na liquidez mundial durante a guerra levara a um aumento igualmente significativo do poder e da influência da comunidade financeira nova-iorquina em geral e da Casa de Morgan em particular , dentro das redes de altas finanças baseadas em Londres. Mas essa redistribuição do poder e da influência não alterou o modo de funcionamento do sistema monetário mundial Wall Street e o Federal Reserve de Nova York simplesmente se aliaram à City de Londres e ao Banco da Inglaterra para manter e impor o padrão ouro internacional , cujo principal beneficiário era e continuou a ser a Grã-Bretanha. Como escreveu Jacques Rueff em 1932 , numa caracterização sectária mas exata dos arranjos monetários da década de 1920 : ''..o emprego do padrão ouro teve, para a Grã-Bretanha, a vantagem considerável de mascarar sua verdadeira situação por muitos anos . Durante todo o período do pós-guerra, a Grã-Bretanha pôde emprestar aos países da Europa Central fundos que continuavam retornando para ela , já que , no momento em que ingressavam na economia dos países tomadores , voltavam a ser depositados em Londres. Assim, como os soldados que marchassem pelo palco numa comédia musical, eles podiam reemergir indefinidamente e permitir que seus donos continuassem a fazer empréstimos no exterior, quando , na verdade , a entrada de divisas externas, que no passado havia possibilitado esses empréstimos, havia secado '' (Rueff ) . Mediante seu apoio ao padrão ouro internacional , portanto, a comunidade financeira de Nova York estimulou e sustentou as tentativas, afinal inúteis , de Londres de permamencer no centro das finanças mundiais . Nova York não foi a única a apoiar a tentativa de Londres de retornar ao mundo de 1913. durante toda a década de 1920, a maioria dos governos ocidentais partilhou a convicção de que somente o restabelecimento do sistema monetário mundial pré-1914 , ''desta vez sobre bases sólidas '' , poderia restaurar a paz e a prosperidade. ''Qualquer que fosse sua orientação ideológica, os governos nacionais adaptaram suas políticas fiscais e monetárias para salvaguardar a moeda , enquanto inúmeras conferências internacionais , de Bruxelas a Spa e Genebras, de Londres a Locarno e Lausanne, foram realizadas para criar as condições políticas da restauração do padrão ouro (K. Polanny). Ironicamente, porém , esse esforço conjunto , em vez de ressuscitar o sistema monetário mundial pré- 1914, principiou sua crise terminal . Todos concordavam em que moedas estáveis dependiam, em última instância, da liberalização do comércio . No entanto , ''o pesadelo da auto-suficiência atormentava as medidas tomadas para proteger a moeda '' (K Polanny ) . No intuito de estabilizar suas moedas,'' os governos recorreram a quotas de importação , moratórias e acordos de suspensão , sistemas de liberação e tratados de comércio bilaterais , acordos de trocas , embargos sobre as exportações de capital , controle do comércio exterior e fundos de equalização de trocas , cuja combinação tendeu a restringir o comércio exterior e os pagamentos externos '' (K Polanny) . ''Embora a intenção fosse liberalizar o comércio , o efeito foi estrangulá-lo '' (idem 0 . A busca de moedas estáveis, sob a pressão da ''fuga de capitais '', acabou por transformar a estagnação do comércio e produção mundiais da década de 1920 na depressão do início da de 1930 . Durante toda a década de 1920, a produtividade continuou a aumentar mais depressa nos Estados Unidos do que em qualquer dos países devedores, acentuando ainda mais a vantagem competitiva dos negócios norte-americanos e as dificuldades dos países devedores de amortizar, e muito menos de quitar, suas dívidas . E, à medida que se ampliou a dependência do sistema mundial de pagamentos em relação ao dólar norte-americano, os Estados Unidos foram adquirindo ativos em moeda estrangeiro ''com uma rapidez que (..) não tem paralelo na experiência de nenhuma grande nação credora dos tempos modernos '' (Dobb ) . No fim da década de 1920, os empréstimos e investimentos diretos dos Estados Unidos no exterior haviam acumulado ativos líquidos em contas particulares no valor de mais de U$ 8 bilhões . No final porém os crescentes desequilíbrios estruturais dos pagamentos mundiais estavam fadados a impedir a continuidade desse processo, sobretudo em vista das tentativas generalizadas dos governos de restabelecer o padrão ouro de suas moedas . Os investimentos de capital que cruzavam as fronteiras estatais assumiram um caráter cada vez mais especulativo : ''Essas movimentações de ''capital especulativo '', como ele passou a ser chamado (...) corriam de um lado para outro entre os centro financeiros do mundo , à procura de segurança temporária ou lucros especulativos, e, em intervalos frequentes , exerciam uma pressão perigosa sobre as reservas de ouro e divisas estrangeiras deste ou daquele país '' (Arndt ) . Nessa situação, uma alta ou uma baixa especulativas repentinas nos Estados Unidos resultariam numa suspensão dos empréstimos externos e no desmoronamento de toda a complexa estrutura em que se baseava o restabelecimento do comércio mundial . E foi justamente isso que acabou acontecendo. Perto do fim de 1928 , a alta de Wall Street começou a desviar os recursos dos empréstimos externos para a especulação interna . à medida que os bancos norte-americanos foram cancelando seus empréstimos europeus, a exportação líquida de capitais dos Estados Unidos ----que subira de menos de U$ 200 milhões em 1926 para mais de U$ 1 bilhão em 1928 ---- voltou a despencar para U$200 milhões em 1929 . A interrupção dos empréstimos e investimentos estrangeiros dos Estados Unidos tornou-se permanente, com a quebra de Wall Street e a subsequente depressão da economia norte-americana . Confrontados com os cancelamentos súbitos ou as fugas dos capitais de curto prazo , um país após o outro viu-se obrigado a proteger sua moeda , fosse através da desvalorização, fosse pelo controle do câmbio . ''A suspensão da conversibilidade da libra britânica em ouro , em setembro de 1931, levou à destruição final da única rede de transações comerciais e financeiras em que se baseavam os Destinos da City londrina . O protecionismo exacerbou-se furiosamente , a busca de moedas estáveis foi abandonada e ''o capitalismo mundial retraiu-se nos iglus de suas economias nacionais e dos impérios que lhes estavam associados '' (Hobsbawm ). Foi essa ''revolução mundial '' que Karl Polanny fez remontar à ''ruptura do fio de ouro '' . Seus marcos principais foram o desaparecimento da ''haute finance'' da política mundial , o desmoronamento da Liga das Nações em favor de impérios autárquicos, a ascensão do nazismo na Alemanha, os planos quinquenais soviéticos e o lançamento do New Deal norte-americano . ''No fim da Primeira Grande guerra , preponderavam os ideais do século XIX , havendo sua influência dominado a década seguinte . Mas em 1940 não era tão novo assim . Mas em 1940 todos os vestígios do sistema internacional haviam desaparecido e, excetuando alguns enclaves , as nações estavam vivendo num contexto internacional inteiramente novo '' (K. Polanny) . Mas , na verdade, o contexto internacional de 1940 não era tão novo assim, já que as grandes potências do sistema interestatal achavam-se em meio a mais um confronto militar , que ---- exceto por sua escala, ferocidade e destrutividade sem precedentes ----- reproduziu um padrão repetitivo da economia mundial capitalista. Logo , no entanto, esse confronto traduziu-se no estabelecimento de uma nova ordem mundial, centrada nos Estados Unidos e organizada por esse país. Em alguns aspectos fundamentais, ela diferia da extinta ordem mundial britânica, e se transformou na base de uma nova forma de reprodução ampliada da economia mundial capitalista. No fim da Segunda Guerra Mundial, já estavam estabelecidos os principais contornos desse novo sistema monetário mundial ; em Hiroshima e Nagasaki, novos meios de violência haviam demonstrado quais seriam os alicerces militares da nova ordem ; em San Francisco, novas normas e regras para a legitimação da gestão do Estado e da guerra tinham sido explicitadas na Carta das Nações Unidas. A concepção inicial, no governo de Roosevelt, e sua mais modesta materialização posterior , sob as ordens de Truman, refletiram a concentração de poder mundial sem precedentes que havia ocorrido como resultado da Segunda Guerra . Em termos militares, enquanto a guerra ainda estava em seu auge '' as antigas grandes potências --- a França e a Itália ---- já haviam entrado em eclipse . A cartada alemã pelo domínio da Europa estava desmoronando , o mesmo acontecendo com o do Japão no Extremo Oriente e no Pacífico . A Grã-Bretanha, apesar de Churcill, estava entrando em declínio. ''O mundo bipolarizado , tantas vezes previsto no século XIX e no início do século XX, enfim havia chegado ; a ordem internacional, nas palavras de DePorte, mudou-se então '' de um sistema para o outro '' . Somente os Estados Unidos e a URSS tinham importância ''(...) e, entre os dois, a potência norte-americana era imensamente superior '' (Kennedy ) . A centralização do poder financeiro foi ainda maior . O impacto da Segundo Guerra Mundial sobre a balança comercial norte-americana reproduziu, em escala ampliada , o impacto da Primeira . O pico é mais alto e mais longo . Isso reflete o maior grau em que os Estados Unidos atuaram como oficina do esforço de guerra dos Aliados e como celeiro e oficina da reconstrução européia do pós-guerra. Pela primeira vez na história norte-americana, o direito dos Estados Unidos sobre rendas geradas no exterior superaram por uma boa margem os direitos estrangeiros a receitas produzidas nos Estados Unidos superaram por uma boa margem os direitos estrangeiros a receitas produzidas nos Estados Unidos, de modo que , depois da guerra , o saldo da conta corrente era muito mais alto que o saldo comercial . Em consequência desse novo e maior movimento ascendente de seus saldos comerciais e de conta corrente, os Estados Unidos passaram praticamente a desfrutar de um monopólio da liquidez mundial . Em 1947 , suas reservas de ouro equivaliam a 70% do total mundial . E a exacerbação da demanda de dólares, por parte dos governos e empresas estrangeiros , significou que o controle norte-americano da liquidez mundial tornou-se muito maior do que estava implícito nessa extraordinária concentração de ouro monetário . A concentração e a centralização tanto da capacidade produtiva quanto da demanda efetiva já era igualmente impressionantes . Em 1938, a renda nacional norte-americana já era aproximadamente idêntica à soma das rendas nacionais da Grã-Bretanha, França , Alemanha , Itália e Países Baixos, e quase três vezes superior à da URSS. Mas, em 1948, equivalia a mais do dobro da renda do grupo supracitado de países da Europa Ocidental e a mais de seis vezes a da URSS (cálculo baseados em Woytinsky e Woytinsky ). Portanto , a derrocada final da economia mundial centrada no Reino Unido foi extremamente benéfica para os Estados Unidos. Menos de vinte anos depois do Crash de 1929 , o mundo estava em frangalhos , mas a riqueza e o poder nacionais dos Estados haviam galgado alturas sem precedentes e sem paralelo .
K.M.
K.M.
terça-feira, 28 de março de 2017
Metamorfoses.
Não só o deslumbramento de um Colombo divisava as suas Índias e as pintava , ora segundo os modelos edênicos provindos largamente de esquemas literários, ora segundo os próprios termos que tinham servido aos poetas gregos e romanos para exaltar a idade feliz, posta no começo dos tempos , quando um solo generoso , sob constante primavera... ; onde os homens, isentos da desordenada cobiça (pois tudo tinham sem esforço e sobejo ) , não conheciam ''nem ferros, nem aço, nem armas '', nem eram aptos para eles --- são feitas, aliás , as próprias palavras de que se servirá o genovês ao tratar dos gentios das ilhas descobertas ----, mas até os de mais profundo e repousado saber se inclinavam a encarar os mundos novos sob as aparências dos modelos antigos . O historiador sueco Sverder Arnoldsson , bem familiarizado com a historiografia hispano-americana do período colonial, pôde dizer , sem exagero, que além de Colombo , numerosos cronistas da conquista se valeram usualmente , ao descreverem as Índias, e em particular os indígenas do Novo Mundo , das próprias palavras de Ovídio sobre a Idade de Ouro , copiadas, citadas e inúmeras vezes lida durante mil e quinhentos anos . Os trechos que Arnoldsson em parte reproduz do original das Décadas do Orbe Novo , e que vão a seguir, de acordo com a versão de Temístocle Celotti, não só aludem expressamente à Idade e Ouro como chegam a ser , por vezes, um decalque literal do texto célebre das Metamorfoses. Assim é que Anghiera , depois de observar que tinham muitos reis, cada qual mais poderoso que o outro , ''como se diz que o lendário Enéias encontrou o Lácio dividido entre Latino , Mesêncio , Turno e Tarconte '', reinando sobre minúsculos territórios. Logo ele acrescenta : ''Sou de parecer, entretanto , que os nossos ilhéus de Española hão de ser mais afortunados do que aqueles , desde que aprendam a religião ; pois que nus, sem pesos nem medidas, sem a mortífera pecúnia , vivendo na idade de ouro, sem leis, sem caluniosos juízes, sem livros, contentam-se com o estado da natureza, nada preocupados com o porvir . E isso está dito no segundo livro da primeira Década, que Pedro Mártir redigiu , com o subsequente, por instâncias do Cardeal Ascânio Sforza , durante o biênio de 1493-1494, quando as notícias ainda frescas do descobrimento e as esperanças a que davam lugar ainda permitiam essa visão imaculada.
K.M.
Começo do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano.
A belle époque da era eduardiana marcou o ponto alto do imperialismo de livre comércio da Grã-Bretanha. A riqueza e o poder das classes proprietárias, não só da Grã-Bretanha, mas de todo o bloco ocidental, atingiram níveis sem precedentes . Todavia, a crise sistêmica do regime de acumulação britânico não fora resolvida e , no espaço de uma geração , faria ruir com estrépito todo o edifício da civilização no século XIX . O mais grave problemas subjacente enfrentado pelo regime britânico ainda era a intensidade da competição intercapitalista . A alta dos preços de meados da década de 1890 havia curado a doença da burguesia européia, revertendo a drástica redução dos lucros do quarto de século anterior . Com o tempo, porém , a cura revelou-se pior que a doença . É que a alta tinha se baseado primordialmente numa nova escalada da corrida armamentista entre as grandes potências européias . Como , refletira não uma '' superação da intensa competição intercapitalista que marcara a Depressão de 1873-96 , porém uma mudança de seu locus primário da esfera das relações interempresariais para a das relações interestatais . Parafraseando Weber , ''o controle da oferta de capital circulante dotou as classes capitalistas da Europa em geral , e as da Grã-Bretanha em particular , da capacidade de ditar aos Estados concorrentes as condições mediante as quais elas os auxiliariam na luta pelo poder. Isso, mais que qualquer outra coisa , facultou à burguesia européia não apenas recuperar-se da Depressão , mas desfrutar por cerca de vinte anos , de um momento de grande esplendor . A luta interestatal pelo poder , no entanto , tendeu a elevar os custos de proteção muito acima de seus benefícios para todo e qualquer Estado europeu , inclusive a grã-Bretanha ; ao mesmo tempo , tendeu a minar a capacidade de a burguesia, na maioria dos países , externalizar o ônus dessa luta . Quando a luta chegou a um ponto decisivo, na Primeira guerra Mundial , o destino do regime de acumulação britânico estava selado : '' Os andaimes dos acordos multilaterais, que antes de 1914 sustentavam a estrutura do comércio mundial , apoiavam-se em duas fundações principais . A primeira era o déficit do balanço de pagamentos indiano com a Grã-Bretanha e os excedentes com outros países, mediante os quais esse déficit era financiado ; a segunda eram as balanças comerciais entre a Grã-Bretanha, a Europa e a América do Norte . Essa estrutura de acordos, construída de forma muito gradativa, foi violentamente abalada pela Primeira Guerra Mundial, e a Segunda Guerra Mundial completou a destruição '' (Milward ). No meio século que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, o império ultramarino da Grã-Bretanha, e a Índia em particular , haviam-se tornado mais essenciais do que nunca à auto-expansão do capital britânico em escala mundial. Ao ampliar a capacidade de seu império de obter divisas estrangeiras mediante a exportação de produtos primários, a Grã-Gretanha ''conseguiu viver sem ter que reestruturar sua indústria e pôde investir nos países em que o capital trazia lucros mais altos '' (Saul ) .Os Estados Unidos foram o país que captou a maior parcela desses investimentos, e aquele que deu aos investidores britânicos os maiores direitos sobre ativos estrangeiros e receitas futuras . ''Entre 1850 e 1914 , o investimento externo e os empréstimos de longo prazo aos Estados Unidos somaram um total de U$ 3 bilhões. Mas durante esse mesmo período , , Os Estados Unidos fizeram pagamentos líquidos de juros e dividendos , em sua maior parte à Grã-Bretanha, num total de U$ 5,8 bilhões . A consequência foi um aumento imediato da dívida externa norte-americana de U$ 200 milhões, em 1843, para U$ 3,7 bilhões em 1914 '' (Knapp ) . Os direitos britânicos sobre os ativos e rendas norte-americanos foram muito importantes na economia dominada pela Grã-Bretanha, porque os Estados Unidos poderiam fornecer a esta , com presteza e eficiência , todos os suprimentos de que ela precisasse para defender seu dispersíssimo império territorial numa guerra global . ''Assim em 1905 , a Real Comissão de Abastecimento de Alimentos e Matérias-Primas em Tempo de Guerra informou que , havendo capital e navios suficientes , estava garantido o abastecimento, na eventualidade de uma guerra ; uma escassez de capital tinha pouquíssima probabilidade de ocorrer. Numa linha similar, quando eclodiu a Primeira Guerra , o ministro do Tesouro estimou que os resultados dos investimentos externos britânicos seriam suficientes para custear cinco anos de guerra. As movimentações maciças de divisas para Londres e um aumento de quase 300% nas reservas de ouro do Banco da Inglaterra , entre agosto e novembro de 1914 , pareceram corroborar essas expectativas otimistas '' (Millward ) . Porém , em 1915, a demanda britânica de armamentos , máquinas e matérias primas superou em muito o que a Real Comissão de 1905 havia projetado . Grande parte dos equipamentos necessários só podia ser fornecida pelos Estados Unidos , e sua compra deu início à erosão dos direitos britânicos à renda produzida nos Estados Unidos, bem como à acumulação de direitos norte-americanos sobre as receitas e ativos britânicos . Nos primeiros anos de guerra, os ativos britânicos nos Estados Unidos foram liquidados na Bolsa de Valores de Nova York com pesados descontos nos preços. Quando os Estados Unidos entraram no conflito suspenderam as restrições aos empréstimos à Grã-Bretanha . ''O governo britânico, com compromisso nos Estados Unidos que chegavam a centenas de milhões de libras , estava no limite de seus recursos. Não tinha nenhuma condição de cumpri-los. Entre essa data e o Armistício, tomou emprestado do governo norte-americano, para custear 'necessidades absolutas de subsistência e de guerra ' , não muito menos que U$ 1 bilhão '' (R.H. Brand citado em Milward ) . No fim da guerra, portanto , os Estados Unidos haviam recomprado por uma pechincha alguns dos investimentos maciços que tinham construído a infra-estrutura de sua própria economia doméstica no século XIX e , além disso , haviam acumulado imensos créditos . Ademais, nos primeiros anos do conflito , ''a Grã-Bretanha fizera empréstimos enormes a seus aliados mais pobres, sobretudo a Rússia , enquanto os Estados Unidos, ainda neutros, haviam tido plena liberdade para substituir com rapidez a Grã-Bretanha como principal investidor estrangeiro e intermediário financeiro na América Latina e em partes da Ásia. Terminada a guerra, esse processo tornara-se irreversível . A maior parte dos U$ 9 bilhões de créditos líquidos de guerra dos Estados Unidos era devida pela Grã-Bretanha e pela França , relativamente solventes ; porém mais de 75 % dos créditos líquidos de guerra da Grã-Bretanha eram devidas pela falida (e revolucionária ) Rússia, e tiveram que ser majoritariamente cancelados como incobráveis '' (Fishlow , Eichengreen e Portes , e Frieden ) . Os destinos financeiros dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram substancialmente invertidos, mas isso não deve ser exagerado. As reservas de ouro em Londres eram maiores na década de 1920 do que antes da guerra e pareceram justificar o retorno da libra esterlina ao padrão ouro, em 1926, com sua paridade do pré-guerra ; os direitos britânicos a rendas externas, apesar de reduzidos , ainda eram consideráveis ; era possível contar com os pagamentos alemães de reparação para arcar ao menos com parte dos custos de amortização das dívidas com os Estados Unidos ; e acima de tudo , o império colonial e semi-colonial britânico havia-se ampliado ainda mais, constituindo uma rede de segurança que , em caso de necessidade , podia aparar a queda da Grã-Bretanha metropolitana, como fez na década de 1930. Quanto aos Estados Unidos, ''o fim da guerra recolocou sua balança comercial numa situação superavitária, aproximadamente no nível em que estivera antes de 1914 . A principal diferença da situação do pré-guerra era que os direitos norte-americanos a rendas produzidas no exterior equilibravam-se , naquele momento , com os direitos estrangeiros sobre as receitas internamente produzidas, de modo que o excedente da balança comercial traduziu-se num expressivo excedente líquido de conta corrente '' (idem ) . Graças a esse excedente e a seus créditos de guerra, ''os Estados Unidos equipararam-se à Grã-Bretanha na produção e regulação do dinheiro mundial , mas não a substituíram . O dólar norte-americano transformou-se numa moeda de reserva plenamente madura, tal como a libra esterlina. Mas nem o dólar nem a libra , isoladamente , respondiam pela maioria das reservas em divisas estrangeiras dos bancos centrais '' (Eichengreen ) . Mais importante : a capacidade norte-americana de administrar o sistema monetário mundial continuava nitidamente inferior à capacidade residual da própria Grã-Bretanha. ''Sob esse ponto de vista , como sugeriu Geoffrey Ingham '' deve ser revista a tese de que o sistema monetário mundial foi instabilizado pela incapacidade britânica e pela falta de disposição norte-americana de assumir a responsabilidade por sua estabilização '' (Kindleberger ) . O controle de uma parcela substancial da liquidez mundial não dotou os Estados Unidos da capacidade de administrar o sistema monetário mundial .Em termos organizacionais, as instituições financeiras norte-americanas simplesmente não estavam à altura dessa tarefa. Na de´cada de 1920 , o Sistema de Reserva Federal , criado em 1913, ainda era um órgão mal articulado e inexperiente, incapaz de exercer com um mínimo de eficiência até mesmo suas funções domésticas. Nas transações externas, entre os doze bancos regionais da Reserva , somente o de Nova York tinha alguma experiência.
K.M.
K.M.
segunda-feira, 27 de março de 2017
Dever patriótico e uma oportunidade comercial .
Tanto Adam Smith quanto Karl Marx acreditavam que uma característica básica do capital é ser internacional . Para Smith , era uma questão de bom senso que o capital fosse libertado de barreiras políticas nacionais . Para Marx , a expansão progressiva do mercado através da internacionalização do capital constituía necessidade histórica do capitalismo . Os administradores mundiais são os promotores mais ativos da predição marxista : a nação -Estado , que no século XIX assinalou um avanço sobre as organizações políticas anteriores , não está à altura do desafio do mercado global . George Ball previu certa vez que , falando perante a Câmara dos Comuns canadense , que a lógica da economia levaria inevitavelmente à integração dos Estados Unidos e do Canadá . Lealdades territoriais bairristas cedem à racionalidade econômica. O fato de os interesses e lealdades dos capitalistas transcenderem o território nacional foi notado por Thomas Jefferson : ''Mercadores não possuem país que chama de seu . Onde quer que se encontrem , nenhum laço formam com o solo . Interessa-lhes apenas a fonte de seus lucros '' . O Presidente Eisenhower apresentou essencialmente o mesmo argumento em 1960 , no Rio de Janeiro , quando declarou que '' o capital constitui algo curioso, talvez sem nacionalidade '' (risos ) . Flui para onde é melhor servido '' . As companhias internacionais adotam tradicionalmente uma visão tolerante do patriotismo, em busca de um devir simbiótico e bem explorado. As grandes companhias químicas e petrolíferas que tinham acordos de cartel com firmas alemãs no início da Segunda Guerra Mundial opuseram-se ativamente ao combate contra Hitler. Adolph Berle descreve as dificuldades que os Estados Unidos tiveram nas vésperas da guerra para levar companhias americanas a deixar de cooperar com os alemães na América Latina . Durante a Guerra Fria , companhias adotaram engenhosas manobras para ladear as restrições do Departamento de Estado e do Pentágono sobre a venda de materiais ''estratégicos '' à União Soviética e à China . Em 1973 , a subsidiária filipina da Exxon recusou-se a vender petróleo à Marinha americana na baía de Subic porque seu interesse dominante consistia em fortalecer o boicote árabe mundial contra os Estados Unidos. Banqueiros americanos , acreditando que o capital é tanto internacional como não ideológico , fazem negócios com bancos nacionais russos e búlgaros há muitos anos . Falando-se sobre a renovação de um de seus empréstimos à Bulgária, Daniel Davidson , diretor do Morgan Guaranty Bank em Londres , soltou uma risadinha : 'Tanto quanto sabemos , eles podem estar comprando urânio com o empréstimo ''. Uma idéia do quão pouco as empresas podem dar-se ao luxo de lealdades locais é revelada pela história da expansão das mesmas nos Estados Unidos, As companhias mais antigas , as fábricas de tecido, eram locais em sentido político . Construíam e administravam cidades da companhia , e os negócios e a comunidade circundante cresciam juntos. As lealdades locais, porém , foram logo deixadas de lado quando as companhias começaram a crescer mais que os mercados local e regional . Tranquilamente , dispuseram-se a sacrificar as comunidades locais para construir o mercado nacional . As cidades -fantasma de Massachusetts e Appalachia , outrora centros de indústrias locais, foram abandonadas por empresas que se dirigiram para o sul e para o oeste em busca de mão-de-obra mais barata. Uma cidade como Gary, Indiana , transformou-se em área de serviço de empresas nacionais como a U. S. Steel . Os executivos da U.S. Steel não residiam em Gary, obviamente ) . Uma vez que (em apertada síntese)sentiam uma compulsão cada vez maior para um crescimento cada vez maior , não se podem dar ao luxo de prender-se a qualquer território . Este é o significado de serem ''de pés ligeiros '' , uma expressão usada pelos administradores mundiais para descrever suas operações. O relacionamento entre grandes empresas com interesses no exterior e o governo americano evoluiu incessantemente ao longo de dos anos . O último estágio foi a consequência do espetacular declínio dos Estados Unidos sob os Democratas como potência global . Raiou uma nova era na política mundial em que a prudência aconselha mais liberdade na escolha dos amigos e mais cautela no uso da força . Durante os 25 anos em que os Estados Unidos foram a nação mais poderosa da Terra , e mais fortes e notórios os laços entre Washington, Wall Street e Detroit, as companhias americanas foram beneficiadas e desenvolvidas. Quando a CIA removeu Mohamed Mossadec , o turbulento premier iraniano que ''irracionalmente '' tentou interferir nas perspectivas da Gulf and Standard Oil de assumir o controle do petróleo do país, ou quano a mesma agência correu em socorro do bananal guatemalteco para salva-lo da United Fruit de uma nacionalista ''subversivo '' eleito pelo povo , essas iniciativas foram consideradas patrióticas e aplaudidas pelos empresários . Haviam sido conjuntamente defendidas a pureza do capital e a da ideologia . Quanto mais dispostos se mostravam o Pentágono e a CIA para derrubar ou instalar governos nos países subdesenvolvidos, melhor era o clima de investimentos para as empresas americanas. O poder militar foi usado para estabelecer as regras mestras, dentro das quais podiam operar as empresas. O governo servia mais como uma espécie de consultor poderoso. O orçamento militar constitui, talvez , o melhor exemplo da compatibilidade entre patriotismo e lucros. Durante a Guerra Fria, o Departamento de Defesa dispôs de 40 a 50 bilhões de dólares anuais para distribuir pelas empresas através de contratos de fornecimento . Com 6 bilhões de dólares anuais para gastar em pesquisas, grande parte das quais foi empregada nos custos de desenvolvimento de produtos civis da Boeing 707, o Pentágono Pentágono foi um dos maiores subvencionadores de algumas das maiores empresas . Quando empresas de eletrônica e aviação faziam anúncios de página inteira nos jornais e revistas , advertindo contra a ameaça soviética , elas estavam cumprindo , da maneira como encaravam a coisa , simultaneamente um dever patriótico e uma oportunidade comercial .
K.M.
K.M.
DIALÉTICA ENTRE ESTADO E CAPITAL
Depois de serem expulsos do centro das altas finanças , os genoveses criaram , em 1647 , sua própria Compagnia delle Indie Orientali e , num gesto elegante , presumivelmente no intuito de minimizar os custos operacionais e os riscos de contramedidas holandesas agressivas , contrataram navios e marinheiros holandeses , enviando-os à Índias Orientais . Não se deixando impressionar nem um pouco com esse gesto , entretanto , ''a VOC retrucou capturando os navios, aprisionando os holandeses e mandando os genoveses de volta para casa '' (Israel citando E.O.G. Haitsma Muiler ) . A internacionalização dos custos de proteção permitiu aos holandeses levar os processos sistêmicos de acumulação de capital muito mais longe do que fizera ou poderia ter feito a estratégia genovesa de externalizar os custos de proteção . Sem dúvida, tal como os genoveses haviam ''pegado o barco de outras pessoas ''os holandeses estavam basicamente seguindo a trilha de terceiros '' (Braudel ) . Em particular , se os holandeses , ao contrário dos venezianos dois séculos antes, puderam transformar sua supremacia no comércio regional , com tanta rapidez e sucesso , numa supremacia comercial e financeira mundial , foi porque outros já haviam estabelecido uma rota marítima direta para as Índias Orientais. Mais ainda '' esses outros tinham-se tornado inimigos . Desde o começo , a expansão pelos oceanos ´´Indico e Atlântico foi concebida e executada pelos holandeses como uma extensão, no tempo e no espaço , de sua luta conta a Espanha Imperial , como é atestado pelo fato de que os alvarás da VOC e da Companhia holandesa das Índias Ocidentais ( a WIC) enfatizavam ,entre suas finalidades principais , o objetivo de atacar o poder, o prestígio e a receita da Espanha e de Portugal . Mas esse antagonismo ao poder ibérico foi justamente o que diferenciou a expansão comercial holandesa da genovesa, permitindo à primeira levar os processos sistêmicos de acumulação muito além do que pudera fazer a segunda . É que, tomando em suas próprias mãos a organização política do espaço comercial , os holandeses puderam fazer a lógica da ação capitalista influir nos custos de proteção do mundo extra-europeu . Essa tendência evidenciou-se ao máximo no Oceano Índico, onde os portugueses tinham levado a melhor antes e depois de sua incorporação pelo Império Espanhol na década de 1560. Ali como em outras áreas, a iniciativa portuguesa trazia trazia as marcas de fervor e intolerância religiosos que , antes de mais nada , haviam impelido governantes ibéricos a empreender a expansão ultramarina : ''A tradição cruzadista dos portugueses e a ortodoxia e vigor inflexíveis de seus missionários prejudicaram seriamente seus esforços comerciais e diplomáticos. Numa área em que o islamismo era a religião dominante e se espalhava rapidamente entre os povos indianos e pagãos , os portugueses viram-se muitas vezes comprometidos de antemão com a hostilidade religiosa , em lugares onde mais conviria a seus interesses firmar tratados comerciais '' (Parry ) . As tendências territorialistas que caracterizavam os governantes ibéricos tinham levado os portugueses na Ásia meridional a querer abarcar o mundo com as pernas , aumentando os custos de proteção na região , em vez de diminuí-los, e se tornando vulneráveis à chegada de concorrentes europeus ''mais parcimoniosos '' . Tomando as fontes de abastecimento, destruindo navios árabes e aumentando os riscos de captura dos comerciantes locais em geral , os portugueses haviam aumentado enormemente os custos de proteção da rota do Mar Vermelho, assim conseguindo, por algumas décadas , criar profundas dificuldades para seus concorrentes árabes e venezianos : ''Mas ao mesmo tempo, o rei português tbm criaras para sua empresa de comércio de especiarias alguns custos elevados de proteção , os custos da intimidação de príncipes hindus , da tomada de postos de comércio e da manutenção do controle naval do oceano Índico ... na tentativa de fechar a rota do Mar Vermelho , ele assumira custos de proteção que eram elevados para sua empresa . Mais tarde , não pôde baixar substancialmente os preços das especiarias e continuar a cobrir seus custos '' (Lane ) . Como consequência, a rota do Mar Vermelho nunca foi completamente fechada . Na verdade , após uma reorganização para enfrentar a nova concorrência , os árabes e venezianos conseguiram recuperar boa parte do terreno perdido para os portugueses. ''Talvez tenham sido ajudados nisso pela consolidação do Império Otomano , que não somente impôs tributos como tbm incentivou o comércio por seus domínios, oferecendo segurança em seus portos e rotas terrestres construindo e mantendo estradas e albergues , dando ocnsiderável liberdade de comércio aos mercadores locais e cooperando com os comerciantes estrangeiros '' (Kassaba ) . Quer a consolidação do Império Otomano tenha ajudado ou não , os produtos orientais continuaram a ser transportados em grandes quantidades pelas antigas rotas '' e, embora os portugueses saqueassem intermitentemente esse comércio, não conseguiram impedi-lo '' ( Parry ) . Com isso, os portugeses foram obrigados a '' encontrar seu lugar, não de império conquistador, mas de umas das muitas potências marítimas concorrentes e belicosas nas águas rasas do arquipélago da Indonésia '' (Parry ) . Sua navegação pelo Oceano Índico manteve-se como ''um fim a mais na trama existente do comércio interportuário malaio-indonésio '' (Boxer). Seu regime ''alicerçado na guerra , na coerção e na violência, não significou, em momento algum , um ''estágio de desenvolvimento superior '', em termos econômicos, para o comércio asiático '' (Van Leur ) . dentro da constelação de poderes do Oceano Índico, a posição dos portugueses como ''primus inter pares '', bem como a lucratividade de seu comércio, dependiam exclusivamente da superioridade de seu poderia naval . ''O aparecimento de um inimigo que pudesse derrotá-los no mar, em águas orientais , prejudicava gravemente seu poder e seu comércio . O s turcos haviam tentado e fracassado várias vezes. Na fim, foi um inimigo europeu que logrou êxito '' (Parry ) . A capacidade da VOC de derrotar os portugueses no mar foi uma condição necessária, mas claramente não suficiente , da lucrativa incorporação das Índias Orientais, ou de parte delas , no Império comercial holandês . Os holandeses cedo se aperceberam que a expansão lucrativa de seu comércio no Oceano Índico exigiria uma grande reestruturação das redes locais de comércio e poder : ''As especiarias eram baratas e abundantes nas ilhas . Havia muitas fontes alternativas de abastecimento e muitas rotas de transporte de cargas para a Índia , o Oriente Próximo e a Europa . Se a companhia holandesa se tornasse mais uma entre muitas transportadoras concorrentes , o resultado seria uma elevação dos preços na Indonésia e, provavelmente , uma saturação do mercado europeu . Para garantir uma oferta barata e regulada no Oriente e um preço sistematicamente elevado na Europa , era necessário um monopólio . Isso só poderia ser alcançado fazendo-se o que os portugueses não tinham conseguido fazer : controlar todas as principais fontes de abastecimento '' (Parry ) . A criação de condições de oferta e procura favoráveis à expansão lucrativa da VOC nas Índias Orientais implicou uma vasta gama de atos militares e conquistas territoriais . Algumas visaram a erradicar fontes alternativas de abastecimento, como no caso das ilhas Molucas, onde as cravoárias foram deliberadamente arrancadas, ou no de Cochin , na Índia , que foi ocupada para impedir a concorrência proveniente da produção de canela de qualidade inferior , porém mais barata . Algumas visaram a promover e impor a especialização entre diferentes ilhas , como no caso de amboyna , que se tornou a ilha do cravo, das Bandas , que se tornaram as ilhas do macis e da noz-moscada , e do Ceilão , que se transformou na ilha da canela. Algumas visaram a excluir os concorrentes das fontes de abastecimento que não pudessem ser diretamente controladas, como no caso de Banten , um sultanato de Java , cuja pimenta tornou-se monopólio holandês e cujos portos foram fechados a outros estrangeiros . Outras ainda visaram a eliminar os centros concorrentes existentes ou potenciais de troca de mercadorias, como no caso de Macassar , no arquipélago de Celebes , tomadas à força para impedir que se transformasse numa base de livre comércio de especiarias '' (Parry ) . Nesses e noutros casos, o histórico da brutalidade holandesa na escravização dos povos nativos (literal e metaforicamente ) , ou em priva-los de seus meios de sobrevivência, bem como no uso da violência para dobrar-lhes a resistência à política da Companhia , equiparou-se ou até superou os padrões já aterradores estabelecidos pelos cruzadistas ibéricos em todo o mundo extra-europeu . Mas essa brutalidade foi totalmente inerente à uma lógica empresarial de ação e, em vez de solapar , respaldou a lucratividade : ''O historiador , embora horrorizado com esse histórico de brutalidade , não pode deixar de ponderar sobre a rede premeditada , extraordinária e às vezes grotesca de compras , embarques, vendas e trocas entrelaçadas. As especiarias finas não tinham um mercado imediato apenas na Holanda : o Índia as consumia duas vezes mais do que a Europa e, no extremo Oriente , elas eram uma moeda de troca muito procurada , a chave que abria muitos mercados , tal como o faziam os cereais e os mastros de navios do báltico na europa '' (Braudel ) . Assim , a VOC combinou o que os portugueses já haviam levado para o oceano Índico (um poderia naval superior e um vínculo organizacional direto com os mercados europeus de produtos orientais ) com o que faltara à iniciativa ibérica, ou seja : a obsessão com o lucro e com a ''economia '', em vez da CRUZADA ; a evitação sistemática de envolvimentos militares e aquisições territoriais que não tivessem uma justificativa direta ou indireta na ''maximização '' do lucro ; e um envolvimento igualmente sistemático em qualquer atividade ( diplomática, militar, administrativa ,etc ) que parecesse prestar-se melhor à tomada e à manutenção do controle dos suprimentos mais estratégicos do comércio do Oceano Ìndico . Nessa comparação com a iniciativa portuguesa, a VOC menos fez finalizar do que ''economizar '' os custos de proteção . Ela reduziu os envolvimentos que não geravam retornos financeiros satisfatórios e complementou o poderio visível e dispendioso de seu aparelho de utilização e controle da violência com um poder invisível , e uma vez adquirido, autofinanciador, gerado pelo controle exclusivo da oferta de especiarias finas provenientes da área do oceano Índico. Desse modo, a VOC ''reproduziu '' no Oceano Índico o capitalismo (monopolista ) de Estado que a elite mercantil holandesa já havia praticado com sucesso na Europa . no oceano Índico, bem como na Europa , a arma decisiva manejada pelos holandeses na luta pela riqueza e o poder foi o controle exclusivo de uma oferta regionalmente estratégica ---- os cereais e as provisões navios , no comércio do Báltico , e as especiarias finas , no comércio do Oceano ìndico. E, em ambos os casos, a conquista e preservação desse controle exclusivo basearam-se na disposição de um aparelho autônomo e competitivo de gestão de guerra e do Estado . Foi essa duplicação do capitalismo 9monopolista ) de Estado que permitiu à elite mercantil holandesa, posicionada no alto comando do Estado holandês e e da ''paraestatal '' VOC , levar os processos sistêmicos de acumulação de capital mais longe do que o capitalismo (financeiro) cosmopolita da elite mercantil genovesa havia conseguido fazer. Como os genoveses, e ao contrário dos venezianos , os holandeses romperam a camisa de força do comércio regional para ''maximizar '' os lucros em escala mundial . Mas, como os venezianos e ao contrário dos genoveses, nunca externalizaram os custos de proteção e, portanto , puderam fazer uma lógica de ação econômica influir na expansão comercial no mundo extra-europeu . Mais uma vez, porém , o ponto forte de um regime de acumulação (no caso o holandês ) , em relação ao regime superado por ele (o dos genoveses ) , foi tbm sua principal deficiência em relação às forças a que ele deu origem ( o mercantilismo ). Quanto mais vasta a VOC tinha êxito na busca do lucro , mais poderosa se tornava no Ravi Palat chamou de ''sistema interestatal '' do Oceano Índico . Esse poderia crescente favoreceu sua liberdade de ação, não apenas nas regulamentações das condições de oferta e procura de seu comércio , mas tbm na imposição de tributos , sob a forma indisfarçada de '' contingências '' (tributos em espécie ) ou sob a forma disfarçada de ''fornecimentos compulsórios '' (contratos comerciais excepcionalmente favoráveis à VOC ) . Pouco a pouco, essas duas fontes de renda passaram a suprir o grosso de sua receita e foram cada vez mais confundidas entre si e com os proventos do comércio comum '' (Parry ). A proteção e a reprodução dessas receitas implicaram lutas contínuas contra povos subjugados à dominação da Companhia, contra os muitos príncipes navais e seus súditos que tinham sido empurrados para pirataria pela política da Companhia (tal como os próprios holandeses tinham sido levados à pirataria pela política da Espanha Imperial ), e contra governos e empresas comerciais européias tentando reproduzir esses sucessos . De maneira lenta mas inevitável , a combinação dessas lutas levou a VOC a vastas anexações territoriais ,muito além do que quer que houvesse planejado ou considerado desejável originalmente'' (boxer ) . Esse fenômeno teve um efeito adverso no regime de acumulação holandês. Para começar, acrescentou um novo toque ao ''efeito de exibição '' que vinha atraindo um número crescente de Estados europeus para a via de desenvolvimento holandesa. Os holandeses , como os venezianos antes deles , haviam demonstrado que as técnicas capitalistas de poder podiam produzir resultados consideráveis no contexto europeu . O sucesso prodigioso da VOC na segunda metade do século XVII, construindo no Oceano Índico um império muito mais poderoso que o dos portugueses haviam conseguido fazer noas 150 anos anteriores, mostrou que , em circunstâncias favoráveis , as técnicas capitalistas de poder eram capazes de derrotar as técnicas territorialistas do próprio terreno da expansão territorialista . Se a concentração unilateral na busca do lucro havia permitido que os holandeses criassem um poderoso ''mini-império '' do nada ---- do alvará de um governo que ainda estava lutando por sua soberania de uma ''linha de crédito '' aberta no mercado financeiro de Amsterdã ----, que haveria de impedir as organizações territorialistas de construírem impérios ainda mais poderosos, passando tbm a ter uma mentalidade capitalista ??? Assim, os sucessos da VOC na construção de um império acrescentaram um novo estímulo à onda mercantilista que vinha minando por dentro e por fora a supremacia comercial holandesa . além disso, eles tiveram um segundo efeito , mais adverso , no regime de acumulação holandês . ''Como acontece em muitas empresas hoje em dia, o próprio sucesso e auto-suficiência da VOC aumentaram o poder da burocracia administrativa que era responsável por suas operações cotidianas . E esse poder aumentado passou a ser exercido , não tanto em prejuízo da diretoria da empresa (os Heeren XVII) ,mas dos acionistas . Como consequência, uma percentagem crescente dos excedentes reais e potenciais da VOC passou a ser desviada do pagamento de dividendos para a expansão burocrática da empresa e , acima de tudo , para remunerações lícitas e ilícitas do círculo dos Heeren XVII e da alta administração da Companhia '' (Braudel ). O efeito principal dessa tendência ---- do ponto de vista que nos interessa aqui ---- foi fortalecer a atração comparativa dos investimentos e da especulaçãocom papéis e ações estrangeiros , especialmente ingleses, na bolsa de valores de Amsterdam . ''Foi para a Inglaterra (...) que o capital excedente dos negociantes holandeses começou então a fluir '' (Braudel ) . A bolsa de valores de Amsterdam, que no início do século XVII havia funcionado como uma poderosa ''bomba de sucção '' , puxando o capital excedente da Europa inteira para as empresas holandesas, assim se transformou, cem anos depois , numa máquina igualmente poderosa, que bombeava o capital excedente holandês para a iniciativa inglesa . Portanto, o sucesso prodigioso da VOC no sul da Ásia teve um efeito adverso sobre o regime de acumulação holandês. Criou um novo atrativo para que as organizações territoriais imitassem e competissem com os holandeses e, em seguida, empurrou o capital excedente holandês para o financiamento de novos competidores que fossem mais bem-sucedidos.
K.M.
domingo, 26 de março de 2017
Desconstrução e incondicional responsabilidade.
''Retomada de uma experiência originária do pensamento''
Os caminhos da desconstrução, de Heidegger a Derrida
Paulo Cesar Duque-Estrada
A palavra desconstrução acabou se consagrando na utilização que dela foi feita para denominar a obra de Jacques Derrida. Mas é importante lembrar que, num certo sentido, tal palavra é anterior a Derrida; ela vem de Heidegger. No período inicial de sua trajetória filosófica, Heidegger propunha um projeto que chamou de “destruição da metafísica”, o qual, na verdade, nada tinha de destrutivo; pelo contrário, ele buscava libertar os conceitos que, ao longo da tradição, haviam enrijecido, pelo hábito de sua transmissão, em estruturas semânticas estáveis, fazendo-os retornar à experiência originária de pensamento da qual haviam brotado. Em sua própria língua, Heidegger pôde chamar de Destruktion esse procedimento que consistia, basicamente, em uma desmontagem das estruturas tão evidentes quanto ossificadas de sentido, permitindo ao conceito uma abertura ao âmbito em que ele fora originariamente pensado. Muito sinteticamente, Heidegger pretendia retomar a experiência do sentido do ser que caíra no esquecimento, no decorrer da tradição, com a progressiva adesão do pensamento ao sentido objetivo das coisas. Derrida, por sua vez, percebeu ser impossível evitar a conotação fortemente negativa caso vertesse o termo alemão para o francês destruction. O termo “desconstrução” (deconstruction) lhe pareceu mais apropriado para captar esta idéia – de uma desmontagem que desenclausura e libera, permitindo a re-tomada de uma experiência originária de pensamento ocultada pela familiaridade conquistada no manejo dos conceitos – inicialmente contida no projeto de Heidegger.
Mas isso não quer dizer que a desconstrução seja uma mera repetição ou uma simples versão francesa do projeto heideggeriano. Atravessada por muitas outras influências, notadamente o pensamento de Nietzsche, a psicanálise, uma certa literatura, a lingüística e o pensamento do outro em Levinas, a leitura derridiana de Heidegger assume um estilo inteiramente diverso e envereda por caminhos muito distintos daqueles percorridos pelo filósofo alemão. Apesar de uma certa identificação com a suspeita heideggeriana de que a evidência do sentido guarda em si o impensado de sua proveniência, essa última foi pensada por Derrida de uma forma muito diferente. É que, para Derrida, o conceito jamais poderá ser restituído ou mesmo orientar-se em direção à sua origem, ao seu momento inaugural, ao seu solo, ambiência ou contexto próprio. Poder contar, de uma forma ou de outra, com a presença dessas coisas – solo, ambiente, contexto originário etc. – e, assim, com a possibilidade de uma devida retomada das mesmas, vale dizer, e para dizê-lo numa só palavra, poder contar com a presença e a retomada da origem é manter-se no pressuposto por excelência de toda metafísica. E Heidegger, nesse sentido, estaria ainda preso a um tal pressuposto, apesar de sua potente crítica da metafísica.
Em contraste, ao invés de encarnar a idéia de uma desmontagem com o intuito de liberar aquilo que, tendo sua origem ocultada, esquecida, acha-se impedido de ir ao encontro do que lhe é próprio, o alvo da desconstrução derridiana é a idéia mesma ou a ilusão de uma presença, de “algo” – a idéia, o espírito, a razão, a história etc. – que pode e deve ser retomado para a realização do que é ou deveria ser. Daí o uso derridiano da expressão “desconstrução da metafísica da presença”, que não constitui malquerença alguma em relação às coisas, muito menos algum tipo de pregação em favor do nada. Ao contrário, é por uma responsabilidade incondicional em relação às coisas que a desconstrução não abre mão de pensar o que quer que seja sem denegar o que ela acolhe e toma como um princípio; ou seja, toda “origem” nunca é “original”, pois ela é desde sempre suplementada por uma palavra, um termo, um conceito, enfim, por todo um discurso. Exemplo: o que é a “consciência” independentemente dos inúmeros discursos – psicanalíticos, filosóficos, científicos, jurídico-políticos – sobre a consciência? Ou seja, a consciência, longe de ser uma coisa primeira, separada, anterior a toda e qualquer palavra que a ela venha se adicionar posteriormente, como um suplemento, encontra-se, ao contrário, já e desde sempre intencionada em algum tipo de discurso que a ela se refere. Desse modo, a desconstrução parte sempre do princípio de que essa estrutura do suplemento é que é original ou originária, e não a presença nua e crua de alguma coisa, anterior à sua suplementação pelo conceito. Suplemento, aqui, não significa qualquer operação de referência que, num segundo momento, venha a se adicionar ou repetir, na sua ausência, o que já existia antes. Para darmos um outro exemplo, dessa vez apoiados em uma ilustração bem humorada do próprio Derrida1: ninguém nunca viu um “eu” andando por aí e, não obstante, sem que ninguém o tenha visto antes, o tempo todo há referências ao “eu” através das inúmeras formas de discurso. Isso quer dizer, em outras palavras, que a repetição, a estrutura referencial do suplemento, nunca foi um momento segundo, mas, desde sempre, primeiro.
É assim que a expressão derridiana “desconstrução da metafísica da presença” não se restringe às pretensões da filosofia, mas, antes, à pretensão da linguagem em geral. Pode-se dizer que a expressão diz respeito a uma relação, sempre tensa, com a pretensão da linguagem de presentificar o que nela se encontra referido, ou seja, de se supor ela mesma, a linguagem, isenta de qualquer seleção e interpretação. Em uma linha de pensamento aberta por Nietzsche, Derrida busca desconstruir a idéia de que a linguagem, mesmo a linguagem científica, pretensamente neutra e objetiva, mantém uma relação direta, imediata, com aquilo a que se refere. Mas pode parecer estranho, de todo modo, que, em nome de uma incondicional responsabilidade em relação às coisas, proponha-se uma resistência quanto às pretensões presentificantes das coisas por parte da linguagem. O que ocorre é que com essa mudança de enfoque, da presença para o suplemento, da coisa referida para a referência à coisa, Derrida propõe não uma indiferença, um “dar as costas”, mas uma outra maneira de pensar as coisas e, em primeiro lugar, a própria linguagem.
É o que se vê, por exemplo, em Gramatologia2, onde, talvez, possa-se encontrar o melhor exemplo de desconstrução do conceito de linguagem. É importante ressaltar, contudo, que não é o livro Gramatologia que desconstrói, pela aplicação de um suposto método desconstrutivo, o conceito de linguagem. O livro apenas responde à desconstrução da linguagem que já vem ocorrendo no mundo e tenta pensar o que resulta de novo para a experiência contemporânea em uma tal ocorrência. Esta, aliás, é uma marca reivindicada em todo texto de Derrida: a desconstrução é sempre uma ocorrência no mundo, e o chamado pensamento desconstrutivo será sempre uma tentativa de resposta do pensamento a tal ocorrência. No caso do conceito de linguagem, a sua desconstrução se faz coetânea à crescente proliferação iniciada já nas primeiras décadas do século 20 – a cibernética, informática, teorias lingüísticas, filosofias da linguagem, entre tantas outras formas do uso do termo “linguagem” que vão configurando as experiências determinantes da nossa contemporaneidade – Derrida percebe, nessa proliferação, que o conceito de linguagem escrita, até então considerada um mero apêndice, algo exterior à unidade essencial entre a voz, a “palavra falada” e o sentido, começa a se emancipar da sua posição secundária para se projetar para além do próprio conceito de linguagem. A escritura, diz Derrida na abertura de Gramatologia, começa a ultrapassar a extensão da linguagem. Ela não é mais, de acordo com a estrutura do conceito de linguagem, um signo secundário, decaído, mero “significante do significante”, posto que apenas o signo gráfico de um signo oral, este, sim, mais importante, já que diretamente relacionado ao sentido. O que Derrida percebe, com a crescente proliferação de linguagens, é que o lugar secundário da escritura se projeta como o próprio movimento ou jogo da linguagem: toda palavra é sempre “secundária” já que ela nunca pode alcançar, possuir, se unir à coisa à qual ela se refere, pois não há nada “em si” que ela pudesse alcançar; as coisas do mundo, e até o próprio mundo, não existem fora ou anteriormente ao movimento da escritura.
Assim, sob a rubrica da escritura, não só a linguagem passa a ser pensada de um outro modo, mas também as coisas em geral. E aqui talvez possamos compreender melhor a relação entre a escritura e as coisas e em que medida se reivindica, com a escritura e para além do conceito de linguagem, uma incondicional responsabilidade em relação às coisas. É que se a estrutura do suplemento é que é originária, e o suplemento não se enraíza em solo ou fundamento algum; em outras palavras, como a estrutura referencial dos discursos não parte de algum ponto central ou inaugural – sempre houve estrutura referencial, até mesmo em referência a um hipotético ponto central ou inaugural –, isso quer dizer que nada, no universo de todas as coisas que nos chegam graças à linguagem, incluindo nós mesmos diante de nós mesmos, nada se mostra “enquanto tal”, malgrado a pretensão da linguagem; isto é, em sua presença nua e crua, anterior, autônoma, auto-idêntica, enfim, em sua verdade, naquilo que ela é etc. Poderíamos dizer que o “enquanto tal” de algo outra coisa não é senão o correlato de uma das intermináveis denegações da linguagem. A chamada responsabilidade incondicional, que é uma exigência infinita de se responder com o pensamento ao que a língua promete, mas não pode cumprir, ou seja, o revelar das coisas, essa responsabilidade se insere nessa dissimetria da linguagem – agora entendida como escritura – no âmbito de sua máxima tensão. É que sempre que alguma coisa (um objeto, uma cultura, uma obra, uma pessoa etc.), em sua singularidade, deixa-se representar no enquanto tal de sua verdade, o infinitamente irredutível de sua própria singularidade sofre, nesse momento, uma redução à lógica do discurso que, ao mesmo tempo, revela-lhe e toma posse de sua verdade enquanto tal, universalizando, tornando transmissível, familiar, previsível, o que é único. Não se trata de um acidente de percurso, algo que se possa evitar ou consertar, mas da dissimetria estrutural da própria linguagem à qual ela se volta e se revolta, nisso, constituindo a sua irredutível afirmatividade e incondicional abertura ao devir. Lugar originário da promessa, não da promessa não cumprida, mas da promessa anterior à toda promessa, abertura a toda promessa, apesar de tudo, a escritura tudo atravessa e a ela se entrega, talvez, por amor e tremor, o pensador desconstrutor.
1 Cf. documentário de Safaa Fathy D’ailleurs, Derrida. 2000.
2 Trad. Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. Ed. Perspectiva. São Paulo. 1999.
Paulo Cesar Duque-Estrada
é professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio e diretor do Núcleo de Estudos em Ética e Desconstrução (NEED) – www.need.pro.br
sábado, 25 de março de 2017
O patriotismo é a adoração de um pedaço de terra .
Não existe novidade nenhuma no fato de mercadores exercerem (ou buscarem exercer) poder político. O exemplo mais famoso é o da Companhia das Índias Orientais, que nos seus bons dias, conquistou um subcontinente, governou mais de 250 milhões de pessoas, formou e sustentou o maior exército permanente do mundo, empregou 43 vasos de guerra e teve até seus próprios bispos. Até o dia em que o Lorde Canning proclamou que a coroa ''está assumindo o governo dos territórios da Índia, até agora administrados em nosso nome pela honorável East Índia Company '', os mais ilustres dos procônsules britânicos ---- Clive , Hastings, Raffles , Cornwallis ---- administraram um império como se ele fosse uma empresa comercial. Na verdade , as primeiras trading companies britânicas, tais como a Company of Merchants Adventurers (1505) , a Russia Company (1553) e a Levant Company (1581) precederam o moderno sistema de nações-Estado. Os ancestrais dos administradores mundiais foram mercadores à procura de especiarias e comerciantes que se lançavam ao mundo para açambarcar mercados de lã ou tecidos . Envolviam-se profundamente em política. A mais antiga organização comercial inglesa a operar no exterior , a Company of The Merchants of The Staple, foi criada em princípios do século XIV como uma maneira de restaurar o tesouro real . À medida que corriam os anos , a coroa começou a partilhar mais e mais do poder econômico e político com os ativos comerciantes , que não precisavam de ordens para se aventurarem em lugares exóticos para comprar e vender . Para a coroa , a explosão de atividade empresarial internacional no século XVI constituiu um meio para regulamentar o comércio e, mais tarde , desenvolver novos mercados. Reis e companhias prosperaram juntos. Às companhias foram concedidas monopólios de comércio e muitos dos privilégios de governo, e , em troca, elas construíram um império para a coroa. (A Virginia Company e a Plymouth Company desenvolveram o Novo Mundo ; três anos depois de ter a Russia Company pacificou um subcontinente.) Em suma, as primeiras empresas internacionais desempenharam um papel decisivo no lançamento da pedra fundamental do moderno império industrial e, no processo , tornaram-se, por algum tempo, elas mesmas governo . Conforme observa Sigmund Timberg : ' A Inglaterra, a Holanda e outras grandes nações comerciais delegaram poder ''político '' a seus comerciantes que operavam no exterior quando permitiram a eles que se lançassem --- coletivamente e sob a égide de uma empresa ---- no comércio exterior ''. Na frase de Henry Maitland : ''Eram as companhias que faziam a guerra ''. Observa Timberg ainda que os cartéis internacionais são descritos nos pareceres legais como ''regulamentação privada '' , e que os advogados, ao rascunharem acordos entre eles, usam palavras como ''território neutro '' e ''despojos'' . Esse uso constante de termos políticos (nota ele ) '' é mais do que mera metáfora : é o reconhecimento de uma realidade básica ''. Karl Polany, o grandioso historiador econômico , argumenta que o surgimento da ''mentalidade de mercado '' no clima de ''laissez-faire '' da Revolução Industrial modificou de alto a baixo a relação entre o público eo governo privado, porque alterou radicalmente as próprias finalidades de todos os governos. A economia de mercado criou ''um novo tipo de sociedade '' sob a qual ''o mecanismo do mercado tornou-se determinante da vida do corpo social ''. Não é de espantar , nota ele , que ''a emergente agregação urbana tenha sido uma sociedade 'econômica' em um grau do qual não houvera antes nem mesmo aproximação''. Numa sociedade que se mede pelos critérios de lucro e produto e acredita em regulamentação social baseada no medo à fome e no amor ao ganho , a linha entre o público e o privado é sempre indistinta, mesmo quando existe uma resistência explícita do próprio governo , e que ele anuncie fartamente o combate ao ''tráfico de influência'' na esfera pública, não está inteiramente no poder de nenhum Estado atual neutralizar os grupos de pressão do mercado financeiro. O comportamento de ambos é determinado primariamente por finalidades puramente econômicas. Conforme observa Polany : '' na mentalidade pré-mercado havia o motivo de ganho , mas era ele ''específico aos mercadores , como era a bravura ao cavaleiro , a religiosidade ao sacerdote e o orgulho ao artesão . A idéia de tornar universal o motivo de ganho nunca passou pela cabeça de nossos antepassados. '' .Logo que a economia se transformou na essência da política , o poder passou para as grandes companhias e conglomerados ---- ou seja : para empresas capazes de utilizar com máximo efeito as economias de escala. A ascensão da moderna empresa foi acompanhada por um extraordinário aumento das atividades e pretensões da moderna nação-Estado. O Estado contemporâneo foi obrigado a compartilhar tradicionais prerrogativas reais com empresas privadas, embora , ao mesmo tempo , os governos tenham se arrogado prerrogativas empresariais desconhecidas em toda a história humana anterior : direito de dirigir a economia através do controle da taxa de juros, oferta de moeda , comércio exterior , impostos, cotas e tarifas ; direito de alocar recursos dentro da sociedade (como no orçamento militar americano ) ; direito de fixar limites aos preços e aos salários; direito de escolher que empresas serão subsidiadas ou mesmo salvas da falência. Sob a bandeira da segurança nacional , o Estado moderno exige tbm o direito de controlar o destino de seus cidadãos quando viajam , com quem podem negociar, e que tipos de acordos comerciais podem fazer além de suas praias. Em tempo algum dispuseram os Estados de coisa alguma comparável com o poderia militar das potências nucleares e, consequentemente, nunca se mostraram tímidos em alargar os ordenamentos jurídicos para ampliar e depurar suas intervenções . Nem a nação-Estado nem a empresa assenhorearam-se de direitos administrativos exercidos pela outra.. Em vez disso, companhias privadas e governos públicos, compartilhando de muitas das mesmas finalidades administrativas , tais como o crescimento e a estabilidade , expandiram juntos seu poderio. O crescimento da empresa, nas palavras de Stephen Hymer : '' da oficina à fábrica e daí à empresa nacional e à empresa de múltiplas divisões '' é uma história de triunfo contínuo da organização sobre as limitações territoriais. Em cada estágio, a empresa liberta-se progressivamente de laços territoriais até que, como disse um alto funcionário do Departamento de EStado nos anos oitenta : '' os gigantes globais passam a encarar o país e o mundo como propriedade sua '' . As empresas, cuja lealdade principal é para com seus balanços contábeis, podem vaguear pelo mundo em busca de pechinchas em financiamentos, recursos naturais e mão de obra barata. Donas de casa que procuram equilibrar o orçamento doméstico, trabalhadores que buscam um empregos ou indústrias locais amarrados ao mercado interno não tem a mesma mobilidade . A raison d´´étre da nação-Estado é a defesa e o desenvolvimento de uma território material e geográfico específico . Os Estados são medidos pela extensão territorial que controlam e pelo que acontece dentro de suas fronteiras. A lealdade nacional tem como fundamento a divisão do espaço. O patriotismo é a adoração de um pedaço de terra , a louvação mística do ''mundo ambiente '' heideggeriano e de uma herança comum baseada no co-inquilinato .Dinheiro e bens viajam ; a maioria das pessoas, não .
K.M.
K.M.
Como a China se tornou um Estado moderno.
Enquanto o desafio militar japonês à dominação ocidental no Leste da Ásia desfazia-se em fumaça, um desafio novo e mais portentoso surgiu nessa região , sob a forma da reconstituição da China como um Estado moderno , através de uma versão achinesada do marxismo-leninismo . Um vez derrotado o desafio militar japonês , o que foi imposto por essa reconstituição tornou-se o determinante isolado mais importante da política ocidental no Extremo Oriente . As origens imediatas desse novo desafio remontam à mesma bifurcação das trajetórias de modernização chinesa e japonesa ocorrida na esteira da Guerra Sino-Japonesa de 1894 , e que impelira o Japão pela rota de Pearl Harbor e Hiroshima. Além de impor às finanças chinesas uma indenização esmagadora de 230 milhões de taéis , o Tratado de Shimonoseki obrigou a China a abrir vários outros portos não apenas ao comércio, mas tbm ''às indústrias e manufaturas '' ----- uma concessão feita ao Japão e que , em virtude da cláusula de nação mais favorecida , foi ''ipso facto '' estendida a treze nações ocidentais . Além disso , o reconhecimento chinês da suserania japonesa na Coréia e a cessão de territórios chineses ao Japão desencadearam , entre as potências ocidentais, uma disputa renhida por esferas exclusivas de influência em grandes porções dos territórios chineses . Assim , as forças centrífugas que já haviam caracterizado a modernização chinesa antes da guerra receberam desta e de suas consequências um impulso tremendo. As tentativas de se opor à tendência para a desintegração territorial do império , empreendidas por facções opostas à corte dos Qing , só fizeram piorar as coisas . ''A humilhação da derrota diante de um antigo Estado tributário e a disputa que se seguiu por esferas exclusivas de influência incitaram o jovem imperador nominal Guangxu a promulgar , no verão de 1898, nada menos que 40 decretos , todos visando a uma modernização radical e abrangente do Estado chinês . O resultado, no entanto , foi um golpe militar articulado pela rainha-mãe , Cixi , que exercia o poder nos bastidores. A recuperação da sorte dos Qing , que Guangxu havia buscado mediante uma aceleração da modernização , foi buscada por Cixi através do patrocínio de uma revolta contra os estrangeiros, a Rebelião dos Boxers, que a China travou e perdeu contra todo o conjunto das nações ocidentais '' (Fairbank ) . A nova indenização , no montante estarrecedor de 450 milhões de taéis , e as novas restrições à soberania chinesa impostas pelo Protocolo dos Boxers de 1901 prepararam o terreno para a queda final do governo dinástico na Revolução de 1911 e para o colapso subsequente de qualquer simulacro de governo centralizado na era dos déspotas militares , de 1916 a 1927 . Economicamente, o Protocolo dos boxers agravou os efeitos do Tratado de Shimonoseki , comprometendo os esforços de modernização da China durante décadas. Os empréstimos contraídos para pagar a indenização aos japoneses em 1895. ''Em 1902 , esses pagamentos absorveram cerca de 45% da receita do governo central '' (Thomas ). Entre 1895 e 1911 , o custo conjunto das duas indenizações foi mais do dobro do capital de todas as empresas manufatureiras fundadas na China por nativos ou estrangeiros entre 1895 e 1913. Os investimentos estrangeiros mais do que dobraram entre 1902 e 1914 e, mais uma vez , entre 1914 e 1931 . ''Durante todo o período de 1902-1930 , porém , o capital que deixou a China sob a forma de ''lucros repatriados '' foi 75% maior do que o investido no país pelos estrangeiros '' (Esherick ) . Como resultado dessa drenagem de lucros e tributos , ''(...) a infra-estrutura industrial e de transportes na China , às vésperas da Segunda Guerra Mundial, era menor , mais desequilibrada e mais fragmentada que a da Índia, um país colonial que tinha uma população menor '' (Bagchi ) . Politicamente, o governo dos Qing ''ficou reduzido a pouco mais do que um desprezado órgão de coleta de impostos para as potências estrangeiras'' (Esherick) . Impedido pelos tratados desiguais de elevar as tarifas , ele foi obrigado a aumentar os impostos e a reduzir o apoio às ''iniciativas de autofortalecimento '' . Pior do que isso , malograram as reformas constitucionais que que almejavam introduzir uma certa medida de governo representativo e conquistar o apoio da alta classe de latifundiários para o regime vacilante , através da criação de assembléias provinciais . ''Os interesses e as autoridades provinciais não tardaram as transformar as assembléias em instrumentos de consolidação e legitimação de sua autonomia em relação à Pequim. Tão logo surgiu a oportunidade , as assembléias declararam sua independência do governo central , precipitando a Revolução de 1911 '' (So e Chiu ). A guerra sino-Japonesa, portanto, deixou legados opostos para a China e o Japão . A vitória na guerra impulsionou o Japão pela trilha da soberania plena e da respeitabilidade no jogo ocidental da política imperialista . A derrota fez a China mergulhar ainda mais fundo no caminho da desintegração imperial e da dominação estrangeira. Pouco antes da derrocada do movimento dos Boxers, Henri Borel, um observador ocidental bem informado , arriscou uma previsão que ainda assusta o Ocidente : '' O partido revolucionário tende a fazer exatamente o que fizeram os japoneses : livrar o país de todas as influências estrangeiras e transformá-lo numa potência independente no Oriente . Se o movimento tiver êxito, o Ocidente estará praticamente acabado e o futuro pertencerá à China e ao Japão, ao Oriente '' (citado em Romein ) . O movimento não teve êxito, e o futuro pertenceu ao Ocidente por mais um século . Mas, como observou Jan Romein depois de citar Borel , em um espaço de meros cinquenta anos, depois de chegar ao fundo do poço da humilhação nacional, a China reemergiu como uma potência autônoma. ''Por trás dos boxers rebelados , , com suas espadas primitivas , , pairava, como no teatro de sombras chinês , a figura gigantesca de Sun Yat-sen ; por trás dele pairou a do Marechal Chiang Kai-chek ; e por trás do marechal , a de Mao Tsé '' . A isso devemos acrescentar que , por trás das duas grandes transições dessa peça chinesa do teatro de sombras ---- dos boxers a Sun Yat-sen e Chiang Kai-chek a Mao ----, a sombra do Japão era era muito maior que a de qualquer país do Ocidente . Por trás da ascensão de Sun houve a sombra da vitória do Japão contra Rússia em 1905 ---- o mesmo ano em que Sun tornou-se chefe da Aliança Revolucionária, em uma reunião de estudantes chineses em Tóquio . Por trás da ascensão de Mao houve a sombra da tomada japonesa da Manchúria em 1931- 32 , a expansão de sua esfera de influência na China setentrional em 1934, e sua tomada das regiões costeiras da China em 1937-38 . No período decorrido entre a ascensão de Sun e a de Mao, houve a era dos déspotas militares na China (1916-1927) e a transformação do Japão, que passou de principal defensor estrangeiro do nacionalismo chinês ---- como ainda era nas vésperas da Revolução de 1911 --- a seu maior inimigo . Assim , a mudança das relações entre a China e o Japão , sob o impacto de sua corporação no sistema interestatal eurocêntrico , preparou o terreno para a evolução do movimento de libertação nacional chinês. Mas essa própria evolução ---- a natureza das respostas do movimento aos desafios criados pela ascensão do imperialismo japonês e a eficácia dessas respostas na consecução dos objetivos do movimento ----- foi determinada, primordialmente, pela relação do movimento com a sociedade chinesa ,, de um lado , e com a política mundial , de outro. No que concerne à relação do movimento com a política mundial, a influência mais importante, sem sombra de dúvidas , foi a exercida pelo marxismo-leninismo, tal como instituído pela Revolução Russa de 1917. em sua forma soviética original , é provável que o marxismo-leninismo tenha sido mais importante para revigorar o Guomindang de Sun , na década de 1920, do que para ajudar na subsequente ascensão do Partido Comunista chinês, de Mao, ao poder . Em 1922, quando uniu forças com o Comintern e começou a reorganizar o Guomindang em moldes soviéticos , Sun havia demonstrado sua preeminência como líder nacionalista da China, mas demonstrara tbm sua incompetência para concluir a Revolução . Segundo Fairbank : ''A ideologia do Guomindang, muito necessária para inspirar os ativistas estudantis, consistia, nominalmente, nos Três Princípios do Povo de Sun Yat-sen (nacionalismo, direitos do povo ou democracia , e sustento do povo ) , mas estes, na verdfade , mais eram uma plataforma partidária (um conjunto de metas ) do que uma ideologia ( uma teoria da história). O Guomindang não conseguiu mais do que o despotismo militar regional em Guangzhou , até que, em 1923, aliou-se à União Soviética, reorganizou-se em moldes soviéticos, criou um exército partidário doutrinado e compôs uma Frente Única com o Partido Comunista Chinês (PCC) . Os quatro anos de ajuda soviética e de colaboração do PCC, juntamente com a animosidade patriótica marxista-leninista contra o ''feudalismo '' interno dos déspotas militares e o ''imperialismo'' das nações estrangeiras, contribuíram para levar o Guomindang ao poder ''. Sun não viveu para colher os frutos da reorganização do Guomindang em moldes leninistas nem os da política da Frente Única com o PCC . Após sua morte , em 1925, a liderança do Guomindang passou para o comandante militar chiang Kai-chek; sob a direção de Chiang, o Guomindang nunca se desfez plenamente da forma leninista de organização e, assim que assumiu o controle da região de Xangai-Nanquim, voltou atrás na política da Frente Única que Sun estabelecera com o PCC. Em um ato sangrento de traição, em abril de 1927, Chiang Kai-chek atacou e dizimou os sindicatos das lideranças comunistas que haviam assumido o controle de Xangai e, em seguida , tratou de expulsar os comunistas chineses de seu recém-formado governo de Nanquim e de instituir o terror contra os comunistas em toda a nação . Essa inversão da política da Frente Única de Sun levou ao reconhecimento do governo de Chiang Kai-chek em Nanquim pelas nações imperialistas , em 1928, mas ''tendeu a eliminar o espírito revolucionário do Guomindang. Em pouco tempo, ele percebeu que estava na defensiva tanto contra o PCC quanto contra o Japão '' (Fairbank ). A ofensiva japonesa não tardou a chegar . Mas, antes que o PCC conseguisse substituir eficazmente o Guomindang na chefia dos movimentos de libertação nacional , sua ideologia e organização tiveram que se converter em uma expressão orgânica das forças revolucionárias dentro da própria sociedade chinesa . Essa transformação produziu um tipo chinês diferenciado de marxismo-leninismo e acabou levando o PCC ao poder. ela começou pela formação do Exército Vermelho, logo depois do rompimento de Chinag Kai-chek com o PCC , mas só chegou à plenitude depois que o Japão se apossou das regiões costeiras da China. Essa transformação teve dois aspectos correlatos. Primeiro, embora o princípio leninista do partido de vanguarda fosse preservado , o impulso insurrecional da teoria leninista foi abandonado . Na estrutura estatal profundamente fragmentária da China dos déspotas militares e do Guomindang , não havia um ''Palácio de Inverno '' a ser invadido (como já vimos em outra oportunidade) , ou melhor , havia um número demasiado grande desses palácios para que qualquer estratégia de insurreição lograsse êxito . Assim, os aspectos insurrecionais da teoria leninista foram substituídos pelo que Mao teorizou, tempos depois, como ''a linha das massas ''' ---- a idéia de que o Partido de vanguarda deveria ser não apenas o Mestre, mas também discípulo das massas . ''' Esse conceito das massas para as massas '' (observa Fairbank ) ''foi, na verdade , uma espécie de democracia ajustada à tradição chinesa, na qual o representante da classe alta governava melhor quando abrigava no coração os verdadeiros interesses da população local e, desse modo , governava em nome dela ''. Segundo e mais importante, ao buscar uma base social , o PCC deu prioridade ao campesinato, e não à ''classe revolucionária '' de Marx e Lênin (o proletariado urbano) . O massacre de trabalhadores liderado liderados pelos comunistas em Xangai , em 1927, havia demonstrado que as regiões costeiras, onde se concentrava o grosso do proletariado urbano, era um terreno traiçoeiro demais para se desafiar a dominação estrangeira e a hegemonia do Guomindang sobre a burguesia chinesa em rápida expansão . O reconhecimento do governo do Guomindang pelas nações estrangeiras , n o ano seguinte , tornou a situação dessas regiões ainda mais desanimadora do antes do para o PCC. Afastados das sedes da expansão capitalista pelos exércitos do Guomindang , treinados e equipados pelo Ocidente , o PCC e o Exército Vermelho ficaram sem grande alternativa senão a de lançar suas bases entre os camponeses das áreas pobres e distantes . O resultado, na célebre caracterização de Mark Selden, foi ''um processo de socialização bidirecional '' , pelo qual o partido-exército moldou as camadas subalternas da sociedade rural chinesa em uma poderosa força revolucionária e, por sua vez , foi moldado pelas aspirações e valores dessas camadas ''. A guerra com o Japão deu um impulso vigoroso a esse processo bidirecional de socialização , fazendo - o passar de uma força meramente local para um força de importância planetária. Quando da rendição do Japão, em 1945 , o partido-exército de Mao dominava quase 100 milhões de pessoas e estava em condições de vencer a guerra civil subsequente, que terminou com a derrota do Guomindang . O desafio à dominação ocidental que surgiu da dupla vitória do PCC --- contra o Japão e o Guomindang ---- foi fundamentalmente diferente do desafio militar japonês que acabara de ser encerrado pelos bombardeios estratégicos nucleares dos Estados Unidos. O desafio japonês tinha-se baseado na idéia de Wei Yuan de usar a tecnologia militar ocidental contra o Ocidente . Como foi assinalado antes, ele fracassou sobretudo porque os progressos japoneses nessa tecnologia não conseguiram manter-se à altura dos novos avanços do Ocidente . Mas fracassou tbm por haver despertado , na região do Leste da Ásia , , forças contrárias que se opunham tão firmemente à supremacia militar japonesa quanto à ocidental. quando o desafio japonês desmoronou, essas forças contrárias se mantiveram firmes, para deter o restabelecimento da dominação ocidental sob a hegemonia norte-americana. Esse novo desafio é que não se baseou na idéia de Wei Yuan de usar a tecnologia militar ocidental para controlar o Ocidente .embora um mínimo de proficiência no uso dessas tecnologias fosse essencial para seu sucesso , o novo desafio baseou-se predominantemente na idéia de Hong Xiuquan de usar a ideologia ocidental para controlar o Ocidente . Hong fizera essa tentativa com uma versão achinesada do cristianismo e havia falhado . Mao, seguindo os passos de Sun , tentou com uma versão achinesada do marxismo-leninismo e obteve sucesso . Entre o fracasso de Hong e o sucesso de Mao transcorreu um século, durante o qual o Ocidente sitiou o antigo centro do sistema mundial do Leste da Ásia, impôs-lhe à força uma grande reorganização , mas nunca conseguiu tornar-se hegemônico, a não ser no sentido restrito e contraditório de haver atraído o Japão para o caminho da guerra industrializada e a China para a trilha da revolução socialista. É a esse tipo de liderança que chamamos liderança contra a vontade do líder , porque, no decorrer do tempo, ela tende a intensificar a competição pelo poder e, com isso, tende mais a reduzir do que a ampliar o poder da nação hegemônica. Os avanços japoneses na aquisição de tecnologia militar do Ocidente intensificaram a competição , e a nação hegemônica ocidental em declínio foi a primeira a fracassar . Na década de 1930 , para todos os fins práticos, o Japão havia ofuscado a Grã-Bretanha como potência dominante da região do Leste da Ásia . Na competição intensificada que decorreu dos avanços da China na aquisição da ideologia revolucionária ocidental , foi o próprio Japão que fracassou . Isso deixou frente a frente a nação hegemônica ocidental em ascensão (os Estados Unidos ) e uma nova China , em uma luta pela centralidade no Leste da Ásia que, desde então , tem moldado as tendências e acontecimentos dessa região .
K.M.
K.M.
Assinar:
Postagens (Atom)