A belle époque da era eduardiana marcou o ponto alto do imperialismo de livre comércio da Grã-Bretanha. A riqueza e o poder das classes proprietárias, não só da Grã-Bretanha, mas de todo o bloco ocidental, atingiram níveis sem precedentes . Todavia, a crise sistêmica do regime de acumulação britânico não fora resolvida e , no espaço de uma geração , faria ruir com estrépito todo o edifício da civilização no século XIX . O mais grave problemas subjacente enfrentado pelo regime britânico ainda era a intensidade da competição intercapitalista . A alta dos preços de meados da década de 1890 havia curado a doença da burguesia européia, revertendo a drástica redução dos lucros do quarto de século anterior . Com o tempo, porém , a cura revelou-se pior que a doença . É que a alta tinha se baseado primordialmente numa nova escalada da corrida armamentista entre as grandes potências européias . Como , refletira não uma '' superação da intensa competição intercapitalista que marcara a Depressão de 1873-96 , porém uma mudança de seu locus primário da esfera das relações interempresariais para a das relações interestatais . Parafraseando Weber , ''o controle da oferta de capital circulante dotou as classes capitalistas da Europa em geral , e as da Grã-Bretanha em particular , da capacidade de ditar aos Estados concorrentes as condições mediante as quais elas os auxiliariam na luta pelo poder. Isso, mais que qualquer outra coisa , facultou à burguesia européia não apenas recuperar-se da Depressão , mas desfrutar por cerca de vinte anos , de um momento de grande esplendor . A luta interestatal pelo poder , no entanto , tendeu a elevar os custos de proteção muito acima de seus benefícios para todo e qualquer Estado europeu , inclusive a grã-Bretanha ; ao mesmo tempo , tendeu a minar a capacidade de a burguesia, na maioria dos países , externalizar o ônus dessa luta . Quando a luta chegou a um ponto decisivo, na Primeira guerra Mundial , o destino do regime de acumulação britânico estava selado : '' Os andaimes dos acordos multilaterais, que antes de 1914 sustentavam a estrutura do comércio mundial , apoiavam-se em duas fundações principais . A primeira era o déficit do balanço de pagamentos indiano com a Grã-Bretanha e os excedentes com outros países, mediante os quais esse déficit era financiado ; a segunda eram as balanças comerciais entre a Grã-Bretanha, a Europa e a América do Norte . Essa estrutura de acordos, construída de forma muito gradativa, foi violentamente abalada pela Primeira Guerra Mundial, e a Segunda Guerra Mundial completou a destruição '' (Milward ). No meio século que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, o império ultramarino da Grã-Bretanha, e a Índia em particular , haviam-se tornado mais essenciais do que nunca à auto-expansão do capital britânico em escala mundial. Ao ampliar a capacidade de seu império de obter divisas estrangeiras mediante a exportação de produtos primários, a Grã-Gretanha ''conseguiu viver sem ter que reestruturar sua indústria e pôde investir nos países em que o capital trazia lucros mais altos '' (Saul ) .Os Estados Unidos foram o país que captou a maior parcela desses investimentos, e aquele que deu aos investidores britânicos os maiores direitos sobre ativos estrangeiros e receitas futuras . ''Entre 1850 e 1914 , o investimento externo e os empréstimos de longo prazo aos Estados Unidos somaram um total de U$ 3 bilhões. Mas durante esse mesmo período , , Os Estados Unidos fizeram pagamentos líquidos de juros e dividendos , em sua maior parte à Grã-Bretanha, num total de U$ 5,8 bilhões . A consequência foi um aumento imediato da dívida externa norte-americana de U$ 200 milhões, em 1843, para U$ 3,7 bilhões em 1914 '' (Knapp ) . Os direitos britânicos sobre os ativos e rendas norte-americanos foram muito importantes na economia dominada pela Grã-Bretanha, porque os Estados Unidos poderiam fornecer a esta , com presteza e eficiência , todos os suprimentos de que ela precisasse para defender seu dispersíssimo império territorial numa guerra global . ''Assim em 1905 , a Real Comissão de Abastecimento de Alimentos e Matérias-Primas em Tempo de Guerra informou que , havendo capital e navios suficientes , estava garantido o abastecimento, na eventualidade de uma guerra ; uma escassez de capital tinha pouquíssima probabilidade de ocorrer. Numa linha similar, quando eclodiu a Primeira Guerra , o ministro do Tesouro estimou que os resultados dos investimentos externos britânicos seriam suficientes para custear cinco anos de guerra. As movimentações maciças de divisas para Londres e um aumento de quase 300% nas reservas de ouro do Banco da Inglaterra , entre agosto e novembro de 1914 , pareceram corroborar essas expectativas otimistas '' (Millward ) . Porém , em 1915, a demanda britânica de armamentos , máquinas e matérias primas superou em muito o que a Real Comissão de 1905 havia projetado . Grande parte dos equipamentos necessários só podia ser fornecida pelos Estados Unidos , e sua compra deu início à erosão dos direitos britânicos à renda produzida nos Estados Unidos, bem como à acumulação de direitos norte-americanos sobre as receitas e ativos britânicos . Nos primeiros anos de guerra, os ativos britânicos nos Estados Unidos foram liquidados na Bolsa de Valores de Nova York com pesados descontos nos preços. Quando os Estados Unidos entraram no conflito suspenderam as restrições aos empréstimos à Grã-Bretanha . ''O governo britânico, com compromisso nos Estados Unidos que chegavam a centenas de milhões de libras , estava no limite de seus recursos. Não tinha nenhuma condição de cumpri-los. Entre essa data e o Armistício, tomou emprestado do governo norte-americano, para custear 'necessidades absolutas de subsistência e de guerra ' , não muito menos que U$ 1 bilhão '' (R.H. Brand citado em Milward ) . No fim da guerra, portanto , os Estados Unidos haviam recomprado por uma pechincha alguns dos investimentos maciços que tinham construído a infra-estrutura de sua própria economia doméstica no século XIX e , além disso , haviam acumulado imensos créditos . Ademais, nos primeiros anos do conflito , ''a Grã-Bretanha fizera empréstimos enormes a seus aliados mais pobres, sobretudo a Rússia , enquanto os Estados Unidos, ainda neutros, haviam tido plena liberdade para substituir com rapidez a Grã-Bretanha como principal investidor estrangeiro e intermediário financeiro na América Latina e em partes da Ásia. Terminada a guerra, esse processo tornara-se irreversível . A maior parte dos U$ 9 bilhões de créditos líquidos de guerra dos Estados Unidos era devida pela Grã-Bretanha e pela França , relativamente solventes ; porém mais de 75 % dos créditos líquidos de guerra da Grã-Bretanha eram devidas pela falida (e revolucionária ) Rússia, e tiveram que ser majoritariamente cancelados como incobráveis '' (Fishlow , Eichengreen e Portes , e Frieden ) . Os destinos financeiros dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram substancialmente invertidos, mas isso não deve ser exagerado. As reservas de ouro em Londres eram maiores na década de 1920 do que antes da guerra e pareceram justificar o retorno da libra esterlina ao padrão ouro, em 1926, com sua paridade do pré-guerra ; os direitos britânicos a rendas externas, apesar de reduzidos , ainda eram consideráveis ; era possível contar com os pagamentos alemães de reparação para arcar ao menos com parte dos custos de amortização das dívidas com os Estados Unidos ; e acima de tudo , o império colonial e semi-colonial britânico havia-se ampliado ainda mais, constituindo uma rede de segurança que , em caso de necessidade , podia aparar a queda da Grã-Bretanha metropolitana, como fez na década de 1930. Quanto aos Estados Unidos, ''o fim da guerra recolocou sua balança comercial numa situação superavitária, aproximadamente no nível em que estivera antes de 1914 . A principal diferença da situação do pré-guerra era que os direitos norte-americanos a rendas produzidas no exterior equilibravam-se , naquele momento , com os direitos estrangeiros sobre as receitas internamente produzidas, de modo que o excedente da balança comercial traduziu-se num expressivo excedente líquido de conta corrente '' (idem ) . Graças a esse excedente e a seus créditos de guerra, ''os Estados Unidos equipararam-se à Grã-Bretanha na produção e regulação do dinheiro mundial , mas não a substituíram . O dólar norte-americano transformou-se numa moeda de reserva plenamente madura, tal como a libra esterlina. Mas nem o dólar nem a libra , isoladamente , respondiam pela maioria das reservas em divisas estrangeiras dos bancos centrais '' (Eichengreen ) . Mais importante : a capacidade norte-americana de administrar o sistema monetário mundial continuava nitidamente inferior à capacidade residual da própria Grã-Bretanha. ''Sob esse ponto de vista , como sugeriu Geoffrey Ingham '' deve ser revista a tese de que o sistema monetário mundial foi instabilizado pela incapacidade britânica e pela falta de disposição norte-americana de assumir a responsabilidade por sua estabilização '' (Kindleberger ) . O controle de uma parcela substancial da liquidez mundial não dotou os Estados Unidos da capacidade de administrar o sistema monetário mundial .Em termos organizacionais, as instituições financeiras norte-americanas simplesmente não estavam à altura dessa tarefa. Na de´cada de 1920 , o Sistema de Reserva Federal , criado em 1913, ainda era um órgão mal articulado e inexperiente, incapaz de exercer com um mínimo de eficiência até mesmo suas funções domésticas. Nas transações externas, entre os doze bancos regionais da Reserva , somente o de Nova York tinha alguma experiência.
K.M.
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