terça-feira, 21 de março de 2017

ROTA DE COLISÃO.

O mais livre fluxo possível de suprimentos do mundo inteiro para o mercado interno britânico era essencial para reduzir os custos domésticos de produção , ao mesmo tempo fornecendo para os clientes estrangeiros os meios necessário para comprar produtos britânicos. Afirmação dos interesses industriais provinciais e o medo do cartismo  pressionaram os grupos dominantes da Grã-Bretanha a adotar o livre comércio unilateral , mas amplamente e com mais rapidez do eles fariam em outras circunstâncias . Mas o livre fluxo de suprimentos para o mercado interno britânico era essencial não só para aplacar os interesses industriais e as classes subalternas, como tbm para que os grupos dominantes da Grã-Bretanha pudessem exercer de fato sua excepcional liberdade de escolha, num mercado mundial cada vez mais integrado . Tamanhas foram as vantagens do livre comércio unilateral para a grã-Bretanha imperial que o contramovimento protecionista nunca teve oportunidade de se tornar hegemônico, nem entre as classes dominantes, nem entre as subalternas. A Grã-Bretanha era e continuou a ser, até o fim , o epicentro do movimento de livre -comércio . Parafraseando Hobsbawm , ela nunca abandonou realmente o sistema de livre comércio que havia criado ; antes, foi o mundo que abandonou a Grã-Bretanha . O mundo começou a abandonar o sistema de livre comércio da Grã-Bretanha quase imediatamente após esse sistema se estabelecer : ''O aumento do  ritmo e do volume do comércio internacional , bem como a mobilização universal envolvida no transporte maciço de grãos e de matérias-primas agrícolas de uma parte do planeta para outra, a um custo reduzidíssimo , (...) transformaram a vida de dezenas de de milhões de pessoas na Europa rural (...) A crise agrária e a Grande Depressão de 1873-86 abalaram a confiança na cura da economia por si mesma . A partir de então , a instituição típica da economia de mercado só pôde ser introduzida , em geral , se acompanhada de medidas protecionistas , ainda que, desde o fim da década de 1870 e o princípio da de 1880, as nações passaram a se formar como unidades organizadas, passíveis de sofrer terrivelmente com as transformações exigidas pela súbita adaptação às necessidades do comércio exterior ou das divisas estrangeiras . (K Polany ) . O epicentro do contramovimento protecionista foi a recém -criada Alemanha Imperial . Quando o colapso de 1873 - 79 atingiu a Alemanha , o chanceler Bismarck acreditava tão firmemente quanto qualquer um de seus contemporâneos nos poderes auto-reguladores dos mecanismos do mercado . A princípio, encontrou consolo no alcance mundial da depressão e esperou pacientemente que ela atingisse seu ponto mais baixo . Todavia , quando isso ocorreu , em 1876-77 , ele percebeu que o veredicto do mercado sobre a viabilidade do Estado alemão e da sociedade alemã, a  fim de que a devastação do mercado auto-regulador não destruísse o edifício imperial que ele acabara de construir . Ao mesmo tempo , a crescente convergência dos interesses agrários e industriais, que pressionavam pela proteção governamental contra a concorrência estrangeira, tornou-lhe fácil passar repentinamente do livre-comércio e do laissez -faire  para uma postura altamente protecionista e intervencionista . Com esdsa mudança , ele não estava apenas cedendo às pressões sociais e econômicas. Estava tbm consolidando e fortalecendo os poderes do Reich alemão. Nunca agradara a Bismarck um sistema que punha a autoridade central à mercê dos Estados Confederados : ''Em 1872, disse ao Reichstag : ---- Um império que depende das contribuições de estados individuais carece dos laços de uma instituição financeira sólida e comum a todos (.) ---  , e, em 1879, declarou que era degradante que a autoridade central tivesse que ''passar o chapéu ''. como um mendigo , de um estado da federação para o outro, a fim de obter os recursos essenciais às suas necessidades '' (Henderson ) . Em consonância com esses sentimentos, a intervenção governamental destinada a proteger a sociedade alemã não se rendeu a interesses particularistas . ao contrário , foi usada para fortalecer a autoridade governamental e a soberania do Reich : ''O poder político investido no executivo do Reich devia ser usado para ajudar a superar a contratação e estagnação econômica a curto prazo , mas, em troca de seus serviços , o Estado deveria obter conquistas políticas duradouras (...) Vastos esquemas pairavam diante dos olhos de Bismarck : a construção (..) da independência financeira inexpugnável do Reich e de sua máquina militar, fora do controle parlamentar ,l  através da manipulação dos pedidos de proteção tarifária , feitos pelos produtores, e de uma reforma tributária visando a reduzir os custos impostos de cima . Ou a exploração política dos desajustes econômicos e fiscais, de modo a garantir um novo equilíbrio de poder entre o Reich e os estados (...) e concluir a unificação nacional , cimentando-a com elos econômicos impossíveis de romper '' (Rosenber ) . Estabelceu-se assim uma relação orgânica de ''intercâmbio político'' entre o governo alemão e algumas empresas comerciais seletas . Enquanto o governo alemão fez tudo o que estava ao seu alcance para auxiliar a expansão dessas empresas, estas fizeram tudo o que podiam para auxiliar o governo a consolidar a unidade da economia alemã e dotar o Estado alemão de um poderoso aparelho militar-industrial. Os principais parceiros do governo alemão nessa relação de intercambio político foram as empresas industriais que estavam profundamente envolvidas na permanente ''industrialização da guerra '' e, acima de tudo , seis grandes bancos . Esse ''Grossbanken '' havia emergido da estrutura pessoal e interfamilair dos bancos alemães, ainda vigente na década de 1850, sobretudo através do financiamento  de empresas ferroviárias e de empresas da indústria pesada envolvidas na construção de ferrovias (Charles tilly ) . Sua dominação sobre as finanças alemãs aumentou ainda mais durante a depressão da década de 1870 . Na década seguinte , quando uma grande parcela de seus recursos empresariais e pecuniários foi liberada pela nacionalização de ferrovias , eles agiram depressa para tomar, integrar e reorganizar a indústria alemã, em conluio com um pequeno número de firmas industriais poderosas . "'Grandes empresas e cartéis , trabalhando em estreita associação com grandes bancos, eis aí o s pilares gêmeos da economia alemã no último quarto do século XIX '' (Henderson ) . Às vésperas da Grande Depressão , o capitalismo familiar ainda era a norma na Alemanha , assim como na Grã-Bretanha ; mas, na virado do século , uma estrutura empresarial extremamente centralizada havia assumido seu lugar . Nas duas décadas seguintes , a centralização aumentou ainda mais , em sua maior parte através da integração horizontal . Na medida em que as empresas de pequeno e médio porte sobreviveram --- e muitos o fizeram ---- , elas passaram a viver como membros subalternos de uma economia de comando privado controlada por um grupo intimamente ligado de financistas e industriais, que atuavam mediante burocracias administrativas cada vez maiores e mais complexas. A economia interna alemã, parafraseando Engel s , estava realmente começando a parecer ''uma grande fábrica '' . ''Hilfering interpretou esse fenômeno como o sinal mais claro de que a expectativa de Marx de uma centralização cada vez maior do capital estava se materializando, e tratou de conceituar esse fato como o marco de uma nova etapa do capitalismo , caracterizada progressivamente pela substituição da ''anarquia '' típica da regulação mercantil  pelo planejamento capitalista centralizado'' (Auerbach , Desai e Shamsavari ) .  Ao fomentar a formação de cartéis que abrangiam ramos inteiros da indústria, os grandes bancos facilitaram o funcionamento  tranquilo e eficiente das empresas que eles haviam passado a controlar . À medida que aumentou a lucratividade dessas empresas , comparada à das quais que ainda estavam sujeitas  às incertezas do mercado , os bancos adquiriram novos meios de ampliar ainda mais seu controle sobre o sistema industrial, e assim sucessivamente , até que um cartel passasse a controlar toda a economia nacional : ''Toda a produção capitalista seria então conscientemente regulada por um só órgão , que determinaria o volume da produção de todos os ramos da indústria . A determinação dos preços tornar-se-ia uma questão puramente nominal , implicando apenas distribuição da produção total entre os magnatas do cartel , de um lado , e todos os outros membros da sociedade , de outro . Então , o preço deixaria de refletir relações efetivas estabelecidas entre as pessoas e se tornaria um mero dispositivo fiscal , mediante o qual as coisas seriam distribuídas entre elas (...) Em sua forma aperfeiçoada, portanto , o capital financeiro é arrancado do solo que o nutriu em seus primórdios. A incessante movimentação do dinheiro atingiu seu objetivo na sociedade regulamentada'' (Hilferding ) . No início do século XX, esse processo fora suficientemente longe para permitir que as empresas alemãs buscassem a eficiência técnica com uma determinação sem precedentes e, sob muitos aspectos, sem paralelo . Foi essa a raiz principal  da ''racionalidade tecnológica '' das empresas alemãs , que , segundo David Landes , contrastamos com a ''racionalidade pecuniária '' das empresas britânicas . Uma vez que a racionalidade tecnológica das primeiras estava associada a taxas de crescimento industrial muito mais altas e a uma aplicação mais sistemática da ciência na indústria do que a racionalidade pecuniária das segundas ---- dois traços que fizeram da indústria alemã  a ''maravilha do mundo '' ----,  foi um pequeno passo , para os marxistas,  considerar que o sistema alemão de iniciativa, de planejamento mais consciente e mais central , havia superado o britânico enquanto modelo de capitalismo avançado . Na realidade , o sistema alemão só estava superando o britânico no desempenho industrial . Quanto à geração e à apropriação do valor adicionado , o sistema alemão mal estava reduzindo a grande lacuna que separara a Alemanha e a grã-Bretanha no começo da Grande Depressão: ''A diferença nos índices globais de crescimento entre a Alemanha e a Grã-Bretanha era consideravelmente menor do que levaria a esperar a discrepância nas taxas de crescimento industrial. A produção inglesa de artigos manufaturados (inclusive minerais e alimentos industrializados ) pouco mais do que duplicou  de 1870 a 1913 , em contraste com um aumento alemão de quase seis vezes . Mas a proporção entre o crescimento da renda dos dois países, tanto calculada globalmente quanto per capita, era da ordem de 0,7 ou 0,8 por 1 '' (Landes ). Em outras palavras, a comunidade empresarial alemã teve que expandir a produção industrial quase três vezes mais depressa do que a britânica, para obter um ganho relativamente pequeno no valor adicionado . Em termos econômicos , esse desempenho mais parece um pequeno fracasso do que o grande sucesso que muitos julgam que foi . Pode-se objetar que o valor adicionado não oferece uma base adequada para avaliar as realizações do sistema bancário alemão de iniciativa empresarial , pois a principal finalidade desse sistema era social e política. Como vimos , isso é sem dúvida verdadeiro . Mas é precisamente em termos políticos e sociais que o desempenho alemão , comparado ao britânico, foi desastroso . Quanto mais poderoso se tornou o Reich alemão , mais ele entrou em rota de colisão com o poder e os interesses da Grã-Bretanha Imperial. Quando as duas potências efetivamente entraram em choque, na Primeira Guerra Mundial , todos os ganhos adicionais de poderio mundial que a Alemanha Imperial havia obtido no meio século anterior transformaram-se, de súbito, num imenso  prejuízo .

K.M.  

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