O choque entre civilizações ocidentais e não ocidentais está mais no passado do que à nossa frente. O que temos pela frente são dificuldades implícitas na transformação do mundo globalizado em uma comunidade de civilizações que reflitam as mudanças no equilíbrio de poder entre civilizações ocidentais e não-ocidentais , antes de mais nada na civilização sinocêntrica que ressurgiu nas últimas décadas. Quão drástica e dolorosa será essa transpormação ---- e se de fato ela envolve alguma idéia alternativa de ''comunidade internacional'' ou qualquer outra opção à destruição mútua das civilizações ---- é algo que depende, em última instância, de duas condições. Depende da Inteligência com que os principais centros da civilização ocidental consiga adaptar-se à uma situação ''menos destacada'', e segundo, de os principais centros da civilização sinocêntrica reemergente poderem ou não colocar-se , coletivamente , à altura da tarefa de fornecer soluções sistêmicas para os problemas sistêmicos deixados pela hegemonia norte-americana. O choque entre as civilizações ocidentais e orientais foi uma constante do processo histórico pelo qual o moderno sistema mundial passou de um sistema europeu para um sistema global . A transição da hegemonia holandesa para a britânica foi marcada pela conquista violenta ou a desestabilização dos sistemas mundiais nativos da Ásia. A transição da hegemonia britânica para a norte-americana foi marcada, em primeiro lugar , por uma nova ampliação dos impérios territoriais ocidentais na Ásia e na África e, em segundo , por uma revolta generalizada contra a dominação ocidental . Sob a hegemonia norte-americana, o mapa do mundo foi redesenhado , de maneira a acolher as demandas de autodeterminação nacional . Esse novo mapa refletiu o legado do colonialismo e do imperialismo ocidentais, inclusive a hegemonia cultural da qual sempre falamos, e que também levou as elites não ocidentais a reivindicar para si ''Estados nacionais ''mais ou menos viáveis , à imagem das organizações políticas metropolitanas de seus antigos senhores imperiais. Não obstante, como vjá salientamos, houve uma importante exceção à regra : o Leste da Ásia . Salvo por alguns Estados em sua orla meridional (sobretudo a Indonésia e as Filipinas ) , o mapa dessa região refletiu primordialmente o legado do sistema mundial sinocêntrico, que a intromissão ocidental havia desestabilizado e transformado em suas margens, mas sem jamais conseguir destruí-lo ou e recriá-lo à imagem do Ocidente . Todas as mais importantes nações incorporadas no sistema ampliado de Westfalia ---- desde o Japão , a Coréia e a China até o Vietnã, o Laos, o Camboja e a Tailândia ---- já era nações muito antes da chegada européia. E todas tinham sido nações ligadas entre si por relações diplomáticos e comerciais , fosse diretamente , fosse através do centro chinês, e haviam-se mantido unidas por uma compreensão comum dos princípíos, normas e regras , que regulavam suas interações recíprocas como um mundo entre outros. A velocidade espantosa com que essa formação regional se transformou na nova oficina e no cofre do mundo , sob a liderança ''invisível '' de um Estado semelhante a uma empresa (o Japão ) e de uma gigantesca diáspora comercial (os chineses de além-mar ) , contribui para uma disseminado ''medo da queda '' nos grandes centros da civilização ocidental. A queda ocidental do alto comando do sistema capitalista mundial , mais ou menos concretizada , trouxe muitos novos temores à Humanidade, boa parte deles inclusive ainda não totalmente clarificados. Como afirmou Sanger na década de noventa, ao discorrer sobre o então ''novo pavor'' do dinheiro asiático que vinha varrendo os Estados Unidos quando se descobriram doações feitas ao Partido Democrata por Taipei , Bangkok , Jacarta e outros postos avançados da diáspora chinesa : '' (... não está claro se os doadores estão recebendo o que vale seu dinheiro . Talvez , como fizeram os japoneses na década de 1980 , não tardem a decidir que esse é um mal investimento ''. A realidade da vida de Washington de então era de que muitas das políticas buscadas pelos executivos das empresas asiáticas ---- inclusive a separação entre o histórico chinês nos direitos humanos e o comércio chinês ---- tbm foram buscadas, em geral , por gigantes transnacionais americanos, com a Boeing , a IBM e a Bechtel. As forças da economia transnacional seguiram minando velozmente o poder dos Estados. Mas nesse processo alguns deles ganharam poder. Embora o grau e a intensidade dessas forças não tenha precedentes na história , o mesmo n]ao acontece com o aumento do poder de algumas nações em meio à perda generalizada de poder . Ele foi típico das duas transições hegemônicas passadas (Holanda e Inglaterra) A diferença é que os Estados que ganharam o poder no passado eram líderes na diplomacia e na guerra , ao passo que os de hoje não o são . A liderança destes últimos é basicamente invisível, , porque ---- tomando a expressão dos anos ''90'' para descrever a ---- liderança japonesa --- ocorre ''por trás '' . É análogo ao tipo de liderança que as cidades=Estado , as diásporas comerciais e a própria República holandesa exerceram no sistema mundial europeu , até serem eliminadas da política mundial pelos Estados nacionais construtores de impérios . A liderança desses agentes era tão visível que os observadores ainda têm dificuldade de reconhecâ-la. Mas foi precisamente sob a liderança de um deles que nasceu o sistema de Westfalia. Esse remanescente geopolítico geopolítico do cataclismo global europeu foi tão difícil de integrar na ordem mundial norte-americana da Guerra Fria quanto havia sido na ordem mundial britânica. As linhas de fratura entre as esferas de influência norte-americana e soviética na região começaram a se romper tão logo foram criadas ---- primeiro pela rebelião chinesa contra a dominação soviética , e depois pela incapacidade norte-americana de dividir a nação vietnamita segundo os moldes da Guerra Fria . Depois , enquanto as duas superpotências faziam uma escalada em sua competição , no último abraço da Segunda Guerra Fria , as várias peças do quebra-cabeça do Leste da Ásia tornaram a se juntar no centro mais dinâmico dos processos mundiais de acumulação de capital . A queda da hegemonia era provável porque as principais nações do Ocidente eram já também prisioneiras das vias de desenvolvimento que fizeram sua fortuna , tanto política quanto econômica . Essas vias vieram gerando retornos decrescentes em termos de taxa de acumulação e balança comercial , em comparação com a trajetória regional do Leste da Ásia, mas n]ão podem ser abandonadas em favor da via mais dinâmica sem provocar tensões sociais tão insuportáveis, que resultariam em algo mais próximo do caos do que da ''competitividade''. Uma situação semelhante surgiu nas transações hegemônicas do passado . Na época de suas respectivas crises hegemônicas , holandeses e ingleses afundaram-se cada vez mais na via específica de desenvolvimento que lhes fizera a fortuna, apesar de haver vias mais dinâmicas sendo abertas nas margens de seu raio de ação . Nenhum dos dois saiu da via já estabelecida, até desmoronar o sistema mundial centrado neles. E os sistemas mundiais desmoronam não só porque novas potências, desequilibradas e agressivas , tentam dominar seus vizinhos, mas também porque as potências em declínio, em vez de se adaptarem e se harmonizarem , procuram cimentar sua preeminência, que lhes escapa, em uma hegemonia ''exploradora'' e predatória. O papel das novas potências agressivas na precipitação de desmoronamentos sistêmicos certamente reduziu-se de uma transição para outra, enquanto aumentou o papel desempenhado pela dominação exploratória do Estado hegemônico em declínio. O poder mundial holandês já estava tão diminuído , nas décadas de declínio de sua hegemonia, que a resistência holandesa desempenhou apenas um papel marginal no colapso sistêmico, em comparação pelo papel desempenhado pelos Estados nacionais emergentes , agressivos e construtores de impérios, antes de mais nada a Grã-Bretanha e a França. Durante seu declínio hegemônico, a Grã-Bretanha seguiu suficientemente poderosa para transformar sua hegemonia numa dominação exploradora. Embora o surgimento de novas potências agressivas --- a Alemanha, antes de mais nada ---- ainda tenha desempenhado um papel no colapso do sistema mundial centrado na Grã-Bretanha , a resistência dessa última à adaptação e à conciliação foi crucial . A China talvez já tenha capacidade de comportar-se como uma potência agressiva , capaz de provocar o colapso do sistema mundial centrado nos Estados Unidos, mas a peculiaridade atual é que os Estados Unidos agora tem uma capacidade ainda maior do que teve a Grã-Bretanha, para converter sua hegemonia decrescente em uma dominação exploradora . Mas até que ponto irá a resistência do novo governo americano à conciliação e adaptação passiva ao legado liberal na América e no mundo ?? A adaptação e conciliação norte-americana ao crescente poder econômico do Leste da Ásia parecia uma condição essencial para uma transição não muito catastrófica para um novo arranjo mundial. Os próximos movimentos seguirão redesenhando o novo modelo.
K.M.
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