quinta-feira, 30 de março de 2017

Continuação.

 ''A essência do New Deal era a idéia de que os grandes governos deviam gastar com liberdade para conquistar a segurança e o progresso. Assim ,a segurança do pós -guerra exigiria uma certa liberalidade de desembolsos por parte dos Estados Unidos, a fim de superar o caos criado pela guerra. A ajuda aos países pobres teria o mesmo efeito dos programas de bem-estar social dentro dos Estados Unidos --- dar-lhes-iam segurança para superar o caos e impediria que eles se transformassem em revolucionários violentos. Enquanto isso, eles seriam inextricavelmente atraídos para o renascido  sistema de mercado mundial . Ao serem introduzidos no sistema geral , tornar-se-iam responsáveis, tal como o tinham sido os sindicatos norte-americanos durante a guerra . A ajuda à Grã-Bretanha e ao restante da Europa Ocidental reativaria o crescimento econômico, estimularia o comércio transoceânico e, desse modo , ajudaria a economia norte-americana alongo prazo . A América havia gasto somas enormes , acumulando déficits imensos, para manter o esforço de guerra.O resultado fora um crescimento econômico espantoso e inesperado . Os gastos do pós- guerra produziriam o mesmo efeito , mas em escala mundial '' (Schurman ) . E assim fizeram , mas só depois que a ideologia de Roosevelt foi adaptada pela doutrina de Truman, que falava de dois mundos irremediavelmente opostos entre si  . É que o unimundismo de Roosevelt simplesmente não era realista o bastante para granjear o apoio necessário   do Congresso e do empresariado norte-americanos. O mundo era um lugar grande demais e caótico demais para que os Estados Unidos o reorganizassem à sua imagem e semelhança, sobretudo se essa reorganização tivesse que ser conseguida através de órgãos de governo mundial, como imaginados por Roosevelt, nos quais os Estados Unidos tivessem que fazer concessões contínuas às visões particularistas de amigos e inimigos. O Congresso e a comunidade empresarial norte-americanos eram por demais ''racionais '', em seus cálculos de custos e benefícios financeiros da política externa dos Estados Unidos, para liberar os recursos necessários à efetivação de um plano tão pouco realista quanto esse. Roosevelt sabia que os Estados Unidos nunca adotariam o livre-comércio unilateralmente, como fizera a Grã-Bretanha na década de 1849, e nunca propôs essa política. Mas o Congresso nunca aprovou  nem mesmo sua proposta menos radical de criar uma Organização Internacional do Comércio (OIC) com poderes para reconstruir um sistema de comércio multilateral , compatível com o objetivo de promover e sustentar uma expansão econômica de escala global.  O Congresso simplesmente se recusou a ceder a soberania, nas questões comerciais , até mesmo a um orgão que, num futuro previsível , estava fadado a ser controlado por dirigentes , interesses e ideologia norte-americanos . O que se tornou realidade ----o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), criado em 1948 ---- não passou de um fórum para a ''negociação '' bilateral e multilateral  de redução de tarifas e outras restrições ao comércio  internacional. Ele deixou o ritmo de liberalização comercial do comércio nas mãos dos governos nacionais . Embora o GATT tenha ajudado a reconstruir um sistema multilateral de comércio , a liberalização comercial mais fez seguir do que liderar a expansão econômica mundial das décadas de 1950 e 1960, em nítido contraste com a adoção unilateral do livre-comércio pela Grã-Bretanha, que precedera a expansão do comércio e da produção mundiais de meados do século XIX e contribuíra decisivamente para ela. Mesmo que o comércio  tivesse sido liberalizado com mais rapidez , através da adoção unilateral do livre-comércio pelos Estados Unidos ou através da ação natimorta OIC , a extrema centralização da liquidez , capacidade produtiva e poder aquisitivo mundiais na jurisdição dos Estados Unidos teria constituído um obstáculo muito sério à expansão econômica mundial do que as barreiras tarifárias e outras restrições impostas pelos governos ao comércio . A menos que a liquidez mundial tivesse uma distribuição mais equânime, o mundo não poderia comprar dos Estados Unidos os meios de produção de que precisava para fornecer alguma coisa de valor aos consumidores norte-americanos , em cujas mãos estava concentrada a maior parte da demanda global efetiva. Mas tbm nesse aspecto , o Congresso dos Estados Unidos mostrou-se extremamente relutante em abrir mão de seu controle sobre a liquidez mundial  como um meio visando à finalidade de estimular a expansão econômica do mundo. Nesse contexto , convém frisar que o sistema monetário mundial criado em Bretton Woods foi muito mais que um conjunto de acordos técnicos com vistas a estabilizar paridades entre algumas moedas nacionais seletas , e a ancorar o conjunto dessas paridades nos custos de produção , através de uma taxa de câmbio fixa entre o dólar norte-americano e o ouro . ''Se isso fosse tudo , o novo regime monetário teria simplesmente restabelecido o antigo padrão ouro internacional do fim do século XIX e início do XX , com o dólar e o Sistema da Reserva Federal assumindo o papel da libra e do Banco da Inglaterra . Mas isso estava longe de ser tudo. Por baixo desse velho cortinado técnico, houve uma grande revolução no agente e no modo de ''produzir '' o dinheiro mundial '' (Cohen ).

K.M.

8 comentários:

  1. Nos sistemas monetários anteriores , inclusive o britânico, os circuitos e redes de altas finanças tinham sido firmemente controlados por banqueiros e financistas privados, que os organizavam e administravam para obter lucros. O dinheiro existente no mundo , portanto , era um subproduto de atividades com fins lucrativos . No sistema monetário mundial criado em Bretton Woods, em contraste, a ''produção '' do dinheiro mundial foi assumida por uma rede de organizações governamentais, primordialmente movidas por considerações de bem-estar, segurança e poder --- em princípio, o FMI e o Baco Mundial e, na prática, o Sistema da Reserva dos Estados Unidos, agindo em concerto com os bancos centrais dos aliados mais íntimos e mais importantes do país. O dinheiro mundial tornou-se um subproduto de atividades de gestão de Estado. Como disse Henry Morgenthau em 1945 ''A segurança e as instituições monetárias da nova ordem mundial eram tão complementares quanto as lâminas de um tesoura (citado em Calleo e Rowland , 1973)

    K.M.

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  2. Roosevelt e Morgenthau , como certa vez se vangloriou este último, realmente lograram transferir o controle da liquidez mundial das mãos de particulares para as de governos, e de Londres e Wall Street para Washington , Bretton Woods foi uma continuação , por outros meios, do rompiemnto anteiror de Roosevelt com a haute finance. Apesar da formação internacionalista de Roosevelt , qu incluía o grande trabalho de Wilson e o apoio da Liga das Nações , o alvo principal de seu New Deal era libertar a politica norte-americana, voltada para a recuperação econômica nacional ,

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  3. O papel daGrã-Bretanha fora o de uma economia líder, plenamente integrada no sistema econômico mundial e, em grande medida,possibilitadora de seu funcionamento exitoso, graças à dependência britânica do comércio exterior, à influência generalizada de suas instituições comerciais e financeira s , e tbm à coesão fundamental entre sua política economica nacional e a que era exigida para a integração econômica do mundo. Em contraste, os Estados Unidos são uma economia dominante, apenas parcialmente integrada no sistema econômico mundial

    K.M.

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  4. Uma economia dominante,apenas parcialmente integrada no sistema econômico mundial e, em grande medida, possibilitadora de seu funcionamento exitoso

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  5. A essência da distinção é correta sim .Ela corresponde à distinção --- introduzida com objetivos totalmente diversos por Samin Amin ---- entre as economias nacionais ''extrovertidas '' e as ''auto-centradas ''. No esquema de Amim, as economias dos países centrais são ''auto-centradas '', no sentido de que seus elementos constitutivos (setores de produção , produtores e consumidores ,capital e trabalho , etc ) estão organicamente integrados numa única realidade nacional,, em nítido contraste com a extroversão (a unidade dos elementos que a compõem ) não é apreensível dentro do contexto nacional --- essa unidade é rompida e só pode ser redescoberta em escala mundial (Amin )

    K.M.

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  6. Em meu esquema , a distinção entre economia nacional extrovertida e uma autocentrada é extremamente útil na identificação de uma diferença fundamental de estrutura, não entre economias centrais e periféricas, mas entre o regime de acumulação britânico do século XIX e o regime norte-americano que o sucedeu. No regime norte-americano a natureza autocentrada da economia nacional dominante e líder ( a norte-americana ) tornou-se a base de um processo de ''internalização'' do mercado mundial, no âmbito organizacional de corporações empresariais gigantescas , enquanto as atividades econômicas nos Estados Unidos continuaram organicamente integradas numa realidade nacional única, em grau muito maior do que jamais tinham estado na Grã-Bretanha do ´seculo XIX.

    K.M.

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  7. A variante de capitalismo de corporações que emergiu nos Estados Unidos durante a GRande Depressão de 1873-96 consistiu num desvio muito mais eficaz e radical no regime britânico e capitalismo de mercado do que a variante surgida na Alemanha, mais ou menos na mesma época. Os dois tipos de capitalismo de corporações evoluíram como uma reação à competição excessiva e às perturbações que advinham do processo de formação do mercado mundial centrado no Reino Unido. A variante alemã apenas ''suspendeu '' esse processo, a norte-americana realmente a superou .

    K.M.

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  8. O mercado tem uma única promessa para a empresa comercial; Trata-se da promessa de mais dinheiro. Quando a empresa não tem influência sobre seus preços , ela não tem opções quanto às metas que persegue. Tem que tentar ganhar dinheiro e, por uma questão prática, tem que tentar ganhar o máximo de dinheiro possível. Não conseguir amoldar-se a isso não é uma opção (Galbraith )

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