No começo da década de 1980, o capital desviou-se cada vez mais da produção e do comércio para as finanças e as atividades especulativas , dando origem a uma nova expansão financeira sistêmica. Como na expansão financeira liderada pelos holandeses em meados do século XVIII, e na liderada pelos britânicos no fim do século XIX , uma polarização rápida e vergonhosa da riqueza indicou que as elites estavam abandonando seus esforços para integrar no bloco hegemônico '' uma ''classe-média '' cada vez maior . Essa polarização foi o primeiro sinal de que a base de estabilidade sociopolítica estava desmoronando . Nas transposições do passado, as crises de legitimidade e a agitação sociopolítica aumentaram , pois o consumo ostensivo no topo contrastava marcantemente com a pobreza ostensiva na base e cm a insegurança generalizada no meio . Na década de 1980 , à medida que a financeirização do capital se acelerava, os observadores começaram a apontar para uma polarização crescente da riqueza dentro e entre os Estados , enquanto também se aprofundava o fosso norte-sul . Quando a política mundial tornou-se cada vez mais turbulenta , na década de 1990 , começou-se não apenas a se estabelecer uma ligação entre essa polarização e a crescente instabilidade política , mas tbm a sugerir que a dinâmica atual se assemelhava às que , historicamente , haviam precedido os grandes colapsos nacionais . Russell Baker chegou a apontar em 1996 para a ''ascensão de uma nova classe americana de superultra ricos '' e rotulou os anos 90 de ''a década decadente''. Com grande sarcasmo , ele traçou ainda alguns paralelos com outros períodos históricos : ''Quando moço, eu sonhava viver em uma época de decadência ---- em Roma pouco antes da queda, ou na França pouco antes da Revolução . Nessa decadência miserável eu pecaria sem parar ---- ou assim acreditava . E agora, ei-la aqui , finalmente ---- -a grande era da decadência americana --- e eu me pergunto : onde está a alegria ?? É provável que a maioria dos romanos tbm não a tenha encontrado, como a maioria dos franceses pré-revolucionários . Isso deve tê-los amargurado. Talvez tenha sido por isso que aqueles antigos surtos de encantadora decadência foram seguidos pela queda de roma e pela Revolução Francesa. Em espírito similar, Kevin Phillips começou a repisar o impacto corrosivo que a financeirização e a polarização da década de 1980 vinham tendo sobre o bem-estar e a segurança do que chamou de ''classe-média americana''. (Ou ,pela minha perspectiva , os sócios minoritários do bloco hegemônico, que incluem a classe trabalhadora já estabelecida na produção de massa ) . ''Enquanto os especuladores e os manipuladores dos preços das ações levam imensas somas para casa '', escreveu Phillips ''''a família norte-americana média acabou temendo pela segurança de suas contas bancárias, da cobertura de seus seguros, do valor de seus imóveis e dos planos de pensão. ''Em vastas faixas da América das churrasqueiras e dos cortadores de grama , a classe média ficou em dificuldade (...) e o Sonho americano corria riscos cada vez maiores''. Em 1991-92 ''a perigosa da ascensão da política de frustração da classe-média ''pôde ser revista no sucesso político popular de Pat Buchanan e David Duke . Ambos misturavam ''uma mensagem anti-elitista e progessista em um pacote confuso , que tbm incluía o nacionalismo , o ressentimento contra os imigrantes e os apelos econômicos à classe-média ''. Contudo, assim como nas transições hegemônicas do passado, a nação hegemônica em declínio não é o ''locus '' principal de polarização e de crescente inquietação sociopolítica . As expansões financeiras têm sido processos que envolvem o sistema capitalista mundial como um todo . Assim, na transição hegemônica holandesa para a britânica , a financeirização criou ciclos especulativos de crescimento e declínio que deixaram zonzas as cidades portuárias das colônias norte -americanas às vésperas da Revolução . do mesmo modo, a ''fuga de capitiais '' e a especulação dos anos entre-guerras abalaram os sistemas políticos e sociais da Europa Central, preparando o terreno para o fascismo . Nas décadas de 1980 e 1990, os efeitos da financeirização e da polarização novamente se fizeram sentir em todo o mundo capitalista . Países de todo o mundo vem competindo com intensidade cada vez maior pelo capital circulante, desmantelando instrumentos antigos de luta contra o desemprego. Da mesma forma, ''os projetos de desenvolvimento foram sendo abandonados em favor dos ajustes estruturais e dos programas de austeridade fiscal pelo FMI , , com o propósito de tornar solventes os países do Terceiro Mundo nos mercados financeiros mundiais'' (McMichael ) . O resultado tem sido a polarização da riqueza dentro das nações e entre elas . Examinando a classificação dos países de acordo com o PIB per capita as décadas de 1980 e 1990 viram ''a vasta maioria do Sul (...) retroceder , estagnar , ou crescer mais devagar que o Norte (Broad e Land ) . No plano intranacional , ''trabalhadores e comunidades do mundo inteiro vêm sendo empurrados para uma competição desastrosa '', que provoca, nas palavras de Jeremy Brecher ''uma corrida para o fundo do poço '' nos salários e nas condições ambientais . Julius Ihonvbere liga tais tendências à ''instabilidade progressiva , à inquietação , tumulto e violência generalizados que vem afligindo um número sem precedentes de países do mundo desenvolvido e em desenvolvimento ''. Do ponto de vista da década de 1990, a atual transição parece estar seguindo uma trilha conhecida: a financeirização, a polarização da riqueza e o abandono do pacto social que ligava os sócios- minoritários ao bloco hegemônico estão criando crises generalizadas de legitimação das elites globalizantes mundiais . Os sinais da agitação sócio-política crescente e da violência incontrolável indicam que talvez estejamos entrando novamente em um período de caos sistêmico , caracterizado por revoluções eleitorais nacionalistas, colapsos estatais causados por políticas econômicas deflacionárias e violência disfuncional sem controle . Como foi sugerido por Hobsbawm ''As revoluções de 1989 e o colapso da URSS parecem ter sido, em retrospectiva , os arautos de uma nova fase de caos sistêmico ''. Nas transições do passado , os longos períodos de caos sistêmico desempenharam um papel decisivo não apenas na destruição dos alicerces sociais desgastados da ordem hegemônica em colapso , mas tbm na criação das condições em que se formaram blocos dominantes e pactos sociais novos e mais abrangentes ou melhores , os quais, no correr do tempo , tornaram-se hegemônicos . As novas estruturas de governabilidade mundial só foram criadas quando os grupos dominantes da nação que despontou com a maior concentração de poderio militar e financeiro global conseguiram formular uma ''resposta social '' eficaz para o desafio que , para os grupos dominantes de todo o sistema , foi criado pelos conflitos sociais cada vez mais disfuncionais do período de transição . Podemos esperar que a atual transição realize a mesma trajetória ??? Há múltiplas razões para se acreditar que NÂO : a transição atual diverge das do passado . Isso tem a ver com a mudança fundamental que ocorreu de uma transição para a outra , na relação entre a luta interestatal pelo poder e o conflito social . Nas transições anteriores , a guerra interestatal promoveu uma escalada do conflito social antes e depois do colapso da antiga ordem hegemônica. Durante a crise da hegemonia britânica (mas nã da holandesa ) tbm prevaleceu a relação causal inversa : o conflito social promoveu e inibiu o compromisso dos governos na guerra. Essa diferença entre as duas transições parece ter sido levada ao extremo na crise da hegemonia norte-americana. A crise inicial dessa hegemonia foi assinalada pela derrota dos Estados Unidos em uma guerra civil do Terceiro Mundo (Vietnam ) e tbm pela revolta contra essa guerra, que eclodiu dentro do país e no mundo inteiro . A guerra e os movimentos de oposição à ela se entrelaçaram com os movimentos negros pelos direitos civis, já mobilizados antes , e com a crescente afirmação das demandas de uma nova ordem econômica internacional por parte do Terceiro Mundo . As tentativas iniciais de aplacar essas revoltas só fizeram intensificar a crise tributária dos Estados Unidos. O declínio do poder e prestígio da América chegou ao auge na revolução iraniana de 1979 e na crise dos reféns em 1980 . Nesse contexto desafios sóciopolíticos internos e externos generalizados , a elite norte-americana mudou de estratégia . Os New Deals internos e globais foram abandonados , e os Estados Unidos procuraram estabelecer seu prestígio militar. Para arcar com os custos do crescimento militar da ''Segunda Guerra fria '' , os Estados Unidos elevaram as taxas de juros e começaram a competir ativamente pelo capital circulante internacional . O superávit mundial foi atraído pelos Estados Unidos na década de 1980, precipitando a ''crise da dívida '' e assinalando o abandono da promessa de ''desenvolvimento '' . Ao abandonar a promessa hegemônica de universalizar o Sonho americano , , a elite dominante norte-americana admitiu , essencialmente , que tal promessa fora uma fraude . Como disse Wallerstein ''o capitalismo mundial tal como se constitui hoje em dia, não pode acolher o conjunto das demandas do Terceiro Mundo (de relativamente pouco por pessoa, mas para muitas pessoas ) e da classe trabalhadora ocidental (para relativamente poucas pessoas , mas de muito por pessoa ) . Em suma : nas crises hegemônicas passadas , a intensificação das rivalidades entre as grandes potências precedeu e moldou a intensificação do conflito social . Tbm se pode detectar uma aceleração análoga da história social na relação entre conflito social e a competição interempresarial . Entretanto, nas crises anteriores, o conflito social eclodiu depois da intensificação da competição entre as empresas , na crise hegemônica norte-americana uma onda de militância trabalhista precedeu e moldou o fordismo . A onda de militância trabalhista que varreu boa parte do centro , no fim da década de 1960 e início da de 1970, conformou-se aos padrões anteriores de conflito social das transições hegemônicas, os protagonistas da onda de turbulência foram os novos grupos criados durante o período de expansão sistêmica. A espinha dorsal do ''ressurgimento do conflito de classes na Europa Ocidenal '' (Crouch e Pizzorno ) foi a nova e grande produção em massa criada pelas classes trabalhadoras na Europa Ocidental , nas décadas de 1950 e 60, como resultado da disseminação das empresas multinacionais norte-americanas e da resposta européia ao desafio
americano .
K.M.
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