Não existe novidade nenhuma no fato de mercadores exercerem (ou buscarem exercer) poder político. O exemplo mais famoso é o da Companhia das Índias Orientais, que nos seus bons dias, conquistou um subcontinente, governou mais de 250 milhões de pessoas, formou e sustentou o maior exército permanente do mundo, empregou 43 vasos de guerra e teve até seus próprios bispos. Até o dia em que o Lorde Canning proclamou que a coroa ''está assumindo o governo dos territórios da Índia, até agora administrados em nosso nome pela honorável East Índia Company '', os mais ilustres dos procônsules britânicos ---- Clive , Hastings, Raffles , Cornwallis ---- administraram um império como se ele fosse uma empresa comercial. Na verdade , as primeiras trading companies britânicas, tais como a Company of Merchants Adventurers (1505) , a Russia Company (1553) e a Levant Company (1581) precederam o moderno sistema de nações-Estado. Os ancestrais dos administradores mundiais foram mercadores à procura de especiarias e comerciantes que se lançavam ao mundo para açambarcar mercados de lã ou tecidos . Envolviam-se profundamente em política. A mais antiga organização comercial inglesa a operar no exterior , a Company of The Merchants of The Staple, foi criada em princípios do século XIV como uma maneira de restaurar o tesouro real . À medida que corriam os anos , a coroa começou a partilhar mais e mais do poder econômico e político com os ativos comerciantes , que não precisavam de ordens para se aventurarem em lugares exóticos para comprar e vender . Para a coroa , a explosão de atividade empresarial internacional no século XVI constituiu um meio para regulamentar o comércio e, mais tarde , desenvolver novos mercados. Reis e companhias prosperaram juntos. Às companhias foram concedidas monopólios de comércio e muitos dos privilégios de governo, e , em troca, elas construíram um império para a coroa. (A Virginia Company e a Plymouth Company desenvolveram o Novo Mundo ; três anos depois de ter a Russia Company pacificou um subcontinente.) Em suma, as primeiras empresas internacionais desempenharam um papel decisivo no lançamento da pedra fundamental do moderno império industrial e, no processo , tornaram-se, por algum tempo, elas mesmas governo . Conforme observa Sigmund Timberg : ' A Inglaterra, a Holanda e outras grandes nações comerciais delegaram poder ''político '' a seus comerciantes que operavam no exterior quando permitiram a eles que se lançassem --- coletivamente e sob a égide de uma empresa ---- no comércio exterior ''. Na frase de Henry Maitland : ''Eram as companhias que faziam a guerra ''. Observa Timberg ainda que os cartéis internacionais são descritos nos pareceres legais como ''regulamentação privada '' , e que os advogados, ao rascunharem acordos entre eles, usam palavras como ''território neutro '' e ''despojos'' . Esse uso constante de termos políticos (nota ele ) '' é mais do que mera metáfora : é o reconhecimento de uma realidade básica ''. Karl Polany, o grandioso historiador econômico , argumenta que o surgimento da ''mentalidade de mercado '' no clima de ''laissez-faire '' da Revolução Industrial modificou de alto a baixo a relação entre o público eo governo privado, porque alterou radicalmente as próprias finalidades de todos os governos. A economia de mercado criou ''um novo tipo de sociedade '' sob a qual ''o mecanismo do mercado tornou-se determinante da vida do corpo social ''. Não é de espantar , nota ele , que ''a emergente agregação urbana tenha sido uma sociedade 'econômica' em um grau do qual não houvera antes nem mesmo aproximação''. Numa sociedade que se mede pelos critérios de lucro e produto e acredita em regulamentação social baseada no medo à fome e no amor ao ganho , a linha entre o público e o privado é sempre indistinta, mesmo quando existe uma resistência explícita do próprio governo , e que ele anuncie fartamente o combate ao ''tráfico de influência'' na esfera pública, não está inteiramente no poder de nenhum Estado atual neutralizar os grupos de pressão do mercado financeiro. O comportamento de ambos é determinado primariamente por finalidades puramente econômicas. Conforme observa Polany : '' na mentalidade pré-mercado havia o motivo de ganho , mas era ele ''específico aos mercadores , como era a bravura ao cavaleiro , a religiosidade ao sacerdote e o orgulho ao artesão . A idéia de tornar universal o motivo de ganho nunca passou pela cabeça de nossos antepassados. '' .Logo que a economia se transformou na essência da política , o poder passou para as grandes companhias e conglomerados ---- ou seja : para empresas capazes de utilizar com máximo efeito as economias de escala. A ascensão da moderna empresa foi acompanhada por um extraordinário aumento das atividades e pretensões da moderna nação-Estado. O Estado contemporâneo foi obrigado a compartilhar tradicionais prerrogativas reais com empresas privadas, embora , ao mesmo tempo , os governos tenham se arrogado prerrogativas empresariais desconhecidas em toda a história humana anterior : direito de dirigir a economia através do controle da taxa de juros, oferta de moeda , comércio exterior , impostos, cotas e tarifas ; direito de alocar recursos dentro da sociedade (como no orçamento militar americano ) ; direito de fixar limites aos preços e aos salários; direito de escolher que empresas serão subsidiadas ou mesmo salvas da falência. Sob a bandeira da segurança nacional , o Estado moderno exige tbm o direito de controlar o destino de seus cidadãos quando viajam , com quem podem negociar, e que tipos de acordos comerciais podem fazer além de suas praias. Em tempo algum dispuseram os Estados de coisa alguma comparável com o poderia militar das potências nucleares e, consequentemente, nunca se mostraram tímidos em alargar os ordenamentos jurídicos para ampliar e depurar suas intervenções . Nem a nação-Estado nem a empresa assenhorearam-se de direitos administrativos exercidos pela outra.. Em vez disso, companhias privadas e governos públicos, compartilhando de muitas das mesmas finalidades administrativas , tais como o crescimento e a estabilidade , expandiram juntos seu poderio. O crescimento da empresa, nas palavras de Stephen Hymer : '' da oficina à fábrica e daí à empresa nacional e à empresa de múltiplas divisões '' é uma história de triunfo contínuo da organização sobre as limitações territoriais. Em cada estágio, a empresa liberta-se progressivamente de laços territoriais até que, como disse um alto funcionário do Departamento de EStado nos anos oitenta : '' os gigantes globais passam a encarar o país e o mundo como propriedade sua '' . As empresas, cuja lealdade principal é para com seus balanços contábeis, podem vaguear pelo mundo em busca de pechinchas em financiamentos, recursos naturais e mão de obra barata. Donas de casa que procuram equilibrar o orçamento doméstico, trabalhadores que buscam um empregos ou indústrias locais amarrados ao mercado interno não tem a mesma mobilidade . A raison d´´étre da nação-Estado é a defesa e o desenvolvimento de uma território material e geográfico específico . Os Estados são medidos pela extensão territorial que controlam e pelo que acontece dentro de suas fronteiras. A lealdade nacional tem como fundamento a divisão do espaço. O patriotismo é a adoração de um pedaço de terra , a louvação mística do ''mundo ambiente '' heideggeriano e de uma herança comum baseada no co-inquilinato .Dinheiro e bens viajam ; a maioria das pessoas, não .
K.M.
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