terça-feira, 28 de março de 2017
Metamorfoses.
Não só o deslumbramento de um Colombo divisava as suas Índias e as pintava , ora segundo os modelos edênicos provindos largamente de esquemas literários, ora segundo os próprios termos que tinham servido aos poetas gregos e romanos para exaltar a idade feliz, posta no começo dos tempos , quando um solo generoso , sob constante primavera... ; onde os homens, isentos da desordenada cobiça (pois tudo tinham sem esforço e sobejo ) , não conheciam ''nem ferros, nem aço, nem armas '', nem eram aptos para eles --- são feitas, aliás , as próprias palavras de que se servirá o genovês ao tratar dos gentios das ilhas descobertas ----, mas até os de mais profundo e repousado saber se inclinavam a encarar os mundos novos sob as aparências dos modelos antigos . O historiador sueco Sverder Arnoldsson , bem familiarizado com a historiografia hispano-americana do período colonial, pôde dizer , sem exagero, que além de Colombo , numerosos cronistas da conquista se valeram usualmente , ao descreverem as Índias, e em particular os indígenas do Novo Mundo , das próprias palavras de Ovídio sobre a Idade de Ouro , copiadas, citadas e inúmeras vezes lida durante mil e quinhentos anos . Os trechos que Arnoldsson em parte reproduz do original das Décadas do Orbe Novo , e que vão a seguir, de acordo com a versão de Temístocle Celotti, não só aludem expressamente à Idade e Ouro como chegam a ser , por vezes, um decalque literal do texto célebre das Metamorfoses. Assim é que Anghiera , depois de observar que tinham muitos reis, cada qual mais poderoso que o outro , ''como se diz que o lendário Enéias encontrou o Lácio dividido entre Latino , Mesêncio , Turno e Tarconte '', reinando sobre minúsculos territórios. Logo ele acrescenta : ''Sou de parecer, entretanto , que os nossos ilhéus de Española hão de ser mais afortunados do que aqueles , desde que aprendam a religião ; pois que nus, sem pesos nem medidas, sem a mortífera pecúnia , vivendo na idade de ouro, sem leis, sem caluniosos juízes, sem livros, contentam-se com o estado da natureza, nada preocupados com o porvir . E isso está dito no segundo livro da primeira Década, que Pedro Mártir redigiu , com o subsequente, por instâncias do Cardeal Ascânio Sforza , durante o biênio de 1493-1494, quando as notícias ainda frescas do descobrimento e as esperanças a que davam lugar ainda permitiam essa visão imaculada.
K.M.
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