A fascinação alemã pela escuridão turbulenta das origens e inícios sempre presente nas atmosferas vulcânicas das épocas apocalípticas. ----- Veja o que Hitler escreveu em Mein Kampf sobre o início da Guerra Mundial de 1914 : ''Já se fazia sentir sobre os Balcãs essa aragem morna e opressiva que prenuncia comumente as tempestades e já por vezes surgia o clarão mais vivo no céu para logo desaparecer e dar lugar a trevas inquietantes. Foi então que irrompeu a guerra nos Balcãs e o primeiro pé de vento varreu a Europa febril . A era que se iniciava oprimia o homem como um insuportável pesadelo, como um ardente calor tropical , de tal modo que o pressentimento da catástrofe iminente criou uma constante inquietude e uma espera impaciente: desejava-se que o céu desse afinal razão a uma fatalidade que ninguém mais podia deter. Então abateu -se sobre a terra o primeiro e estrondoso tiro : a tempestade se desencadeou e trovões celestes se misturaram aos fogos das barragens e dos canhões do Guerra Mundial '' . A genealogia como instrumental de toda um cultura, na Alemanha de então e de antes. Hamann , Herder, Nietzsche , Freud. E a ontologia de Heidegger, que não passa da elaboração de uma certa ''preexistencialidade '' mística saída da Fenomenalogia , como sugestão do ser primevo anterior às particularidades do fenômeno . De acordo com o próprio Heidegger , é na arte que se encontram os vestígios mais enigmáticos e luminosos dessa ''preexistencialidade'' .----- Houve o brilho de um raio e oh (!) -----, satori : noite sem lua sob estranhos telhados retorcidos e muitas ''janelas de hera'' : ''Aquelas foram horas como uma libertação das penosas impressões da minha juventude . Não sinto vergonha de dizer hoje que, impulsionado por um entusiasmo transbordante, caí de joelhos e agradeci de todo coração aos céus '' (Adolf Hitler, Mein Kampf ) . A busca pela legitimidade de suas fundações e pelo vigor de sua ancestralidade inspirou decisivamente o pensamento e a política alemãs, não só o nazismo . As bases da criação (em sua forma mítica ou mito-poética mais elevada ) deveriam ser estabelecidas como se fossem um instrumento contra o artifício e a fabricação contingente para se reivindicar uma AURORA (sem dúvida nórdica e teutônica) tão eloquante em Wagner quanto em Heidegger, e uma apropriação em que o arcaico se reveste de uma aura genuinamente seminal . A exaltação dos pré-socráticos em Heidegger representa o clímax dessa reivindicação do próprio prenúncio do pensamento e da consciência ocidental . Trata-se da escuridão fragmentária de Heráclito e Anaximandro que aponta paradoxalmente para a luz. Justificativas e perigos políticos se misturam vertiginosamente. ---- Cada ebulição dessas marca a história das palavras reproduzidas na minha mente (: elas nunca foram nada , nem explicam satisfatoriamente o bater do coração com que historicizei minha própria consciência. Tais cenas e citações, que eu descontextualizava e refratava poeticamente, encontravam um elemento de força incalculável no que os militares denominam, em matéria ofensiva, de ''a vantagem da surpresa '' . Detournement: o poder traumatógeno da citação .Minha sensibilidade nunca conseguiu ficar imune a certos estilos de representação, por fluidos que tornam os conceitos(.) ----, eu disse. As visitas que eu fazia ou recebia, o tempo que eu passava em rodas de discussões, as noites de perambulação e insônia após horas de pesquisa na Biblioteca Pública de NY ; bem como naquela malvadez borbulhante da língua, na posse da qual eu me sentia suspenso num trono arquetípico de citações e colagens sobre a vasta e densificada massa humana da megalópole ; tudo se tornando, ao mesmo tempo , justificativa e perigo das zonas cinzentas de indiscernibilidade presentes nas minhas idéias. Nos ambientes sucessivos , e nas diferentes cidades pelas quais passei, e onde só se falava de mim com um arrepio , vozes sussurrantes e sem muita ênfase sobre nada concreto ----- eu não fazia mais que dissimular e brilhar obscuramente. ''De resto '' (eu pensava ) ''semelhante alegria não me abandonará jamais (.) '' -----, eu disse à ela. Sem que ela percebesse, eu a levara comigo para o interior de uma percepção e uma apreensão absolutamente históricas de processos e formas de cinese ---- do ser em movimento ---- a toda fenomenalogia inteligível . ----- Seu riso imortalmente jovem (ela disse) realmente combina com os risos e as marteladas de Siegfried, e com a ''alegria do fabricante '' da poíesis... seria por acaso essa habilidade que confere , nos artistas de gênio , a ilusão de uma originalidade intrínseca, irredutível , aparentemente o reflexo de uma realidade mais que humana, ou preexistencialidade, e que é de fato o produto de uma labor industrioso ( . ??) ----, perguntou-me . O sentimento de gratidão ao universo impregnava minha alma naqueles dias. O dia em que a pergunta dela ''deflagrou -se e varreu a paz do meu coração '' foi um instante sagrado de beleza, que praticamente consumou todas as minhas aspirações. Na minha lassidão de antes, no meu tédio radioativo profundo , não só eu , mas a maioria das opiniões sobre mim via na guerra contra minha ''ontologia sem categorias'' apenas um meio de escapar à pobreza da vida no mundo globalizado . Eu era o ''fenômeno de purificação '' mais combatido da cultura mundial, e ao mesmo tempo o mais representativo. Hegel (para ficar nos alemães) também insistia muito sobre o papel da Revolução Francesa e da Saga Napoleônica na gênese e na articulação de sua fenomenalogia e sua lógica. ''Houve o brilho de um raio e oh (!)'', a pressão do movimento de tudo no interior até da mais abstrata das consciências tornou-se formidável ; o pensamento tornou-se a história desdobrando-se no clima radical de um tempo acelerado pelos avanços da Revolução e do Império Mundial. ----- A possibilidade napoleônica (eu disse à ela ) tomada em Hegel no seu sentido mais amplo e empírico, teria (para ele ) concluído a realização do destino histórico do homem. Auto-realização do Geist e autoconcepção do homem : as propriedades imediatas da intelecção e da compreensão (...) A célebre passagem de Napoleão a caminho de Jena sob a janela de Hegel no exato momento em que o prefácio da Fenomenologia era concluído parece o tipo de coincidência irônica que só pode ser encontrada nos abismos subconscientes sincrônicos do Finnegan´s Wake, mas realmente aconteceu . A filosofia completa sua jornada no exato instante em que a própria história se encaminha para seu final inevitável . Mas o ''fim '' do processo histórico viria a ser deslumbrado e formulado ainda muitas vezes depois de Hegel . O fim da URSS chegou a ser interpretado como ''fim da história'' no sentido hegeliano, mas numa lamentável leitura carregada de sugestões liberais (.) -----, eu disse.
K.M.
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