sexta-feira, 10 de março de 2017

DIÁSPORA COMERCIAL CHINESA.

Nunca foi diferente... Mesmo depois que os britânicos derrubaram a muralha de normas governamentais que cercava a economia interna chinesa , os ramos principais da chamada Primeira Revolução Industrial tiveram dificuldade em vencer os produtos chineses na concorrência. Em 1850, os produtos de algodão respondiam por meros 6% das exportações britânicas para a China , e em 1875, por apenas 8% . Ainda em 1894, a indústria artesanal nativa da China continuava a abastecer 86% do mercado chinês de tecidos de algodão . A essa altura , as importações estrangeiras vinham substituindo rapidamente a fiação artesanal de fibras de algodão , , que sofreu uma contração estimada em 50% entre 1871 – 1880 e 1901-1910 . Mas o uso de fios estrangeiros mais baratos , produzidos à máquina , deu um novo impulso à indústria nacional de tecelagem, que conseguiu resistir e até se expandir . A competitividade das firmas ocidentais que instalaram sua produção na China foi ainda menos impressionante. Na indústria da seda , as empresas estrangeiras sofreram prejuízos imensos , enquanto as firmas locais prosperavam, decuplicando-se o número de fábricas, de trabalhadores empregados e de exportações das modernas fiações de propriedade chinesa entre a década de 1880 e a de 1890 . ‘’Aos estrangeiros ‘’ , lamentou um cônsul britânico em Cantão, certa vez , ‘’restou pouca coisa além do comércio de exportação ‘’. Os produtos e empresas ocidentais conseguirem , com efeito , triunfar em algumas indústrias , como a de cigarros, que não competia com nenhum produto local, e a de querosene , que substituiu o óleo vegetal local . Em linhas gerias, no entanto , é difícil contestar a observação de que ‘’ o mercado da China significou frustração para os mercadores estrangeiros ‘’. Os produtos chineses tiveram tão somente uma presença superficial nos mercados chineses. O ópio , é claro , era a grande exceção, havendo deixado uma marca profunda e duradoura . Mas embora a predominância do ópio entre as importações chinesas durante todo o século XIX possa ser tomada como uma medida da falta sistemática de competitividade da maioria dos outros produtos estrangeiros no mercado chinês, até o comércio do ópio trouxe uma certa frustração para os comerciantes estrangeiros . Só se podia obter acesso aos consumidores finais da droga através de intermediários chineses , organizados em grupos , e redes com base na língua, na residência, no parentesco e na proteção política. O ‘’arrocho’’ que esses intermediários impunham aos comerciantes estrangeiros foi objeto de queixas reiteradas . Por mais egoístas que fossem essas queixas, sem dúvida , a verdade é que os intermediários chineses de todos os ramos de comércio, mesmo quando formalmente empregados por mercadores estrangeiros, muitas vezes ganhavam mais dinheiro do que seus patrões ocidentais, não demoravam a aprender o que havia a aprender sobre as técnicas comerciais do Ocidente e, ao competirem com as firmas estrangeiras, levavam a grande vantagem de ter despesas gerais muito menores e de não serem arrochados por nenhum intermediário . O resultado foi uma expansão sem precedentes das redes comerciais e das comunidades chineses que se haviam desenvolvido , no correr dos ´seculos, nas regiões costeiras da China e nos interstícios do sistema sinocêntrico de comércio de tributos. Os comerciantes chineses sempre haviam aparecido com destaque nessas comunidades intersticiais , mas em momento algum as condições de sua expansão foram mais favoráveis do que no século XIX , como resultado direto do ataque ocidental às estruturas organizacionais do sistema chinês de comércio de tributos. À medida que declinou a capacidade de o governo Qing controlar os canais entre a economia interna chinesa e o mundo externo , aumentaram as oportunidades para que os mercadores chineses operassem fora do perímetro do império . Muitos desses mercadores ganharam seu primeiro ‘’tanque de ouro ‘’ no comércio de ópio . Mas a maior expansão da diáspora mercantilista chinesa a ligar a China com o resto da região ocorreu no ‘’comércio de cules’’, isto é , no aliciamento e no transbordo de trabalhadores contratados como aprendizes para prestar serviços em regiões de além-mar . Inicialmente promovido pelos portugueses no século XVI, o comércio de cules chineses passou por um crescimento explosivo na segunda metade do século XIX. Entre 1851 e 1900 , mais de dois milhões de ‘’trabalhadores contratados’’ foram embarcados para fora da China, dois terços deles indo para o sudeste da Ásia. A transformação de boa parte do sistema sinocêntrico em uma grande fonte de matérias-primas para os países europeus expandiu repentinamente a demanda de mão-de-obra barata na região . Ao mesmo tempo, a desintegração vigente da economia política imperial inflou o excedente populacional da China e minou a capacidade de o regime Ging interferir na transplantação desse excedente para regiões ultramarinas. A explosão que se seguiu no tráfico de cules impulsionou de diversas maneiras correlatas a expansão ultramarina da diáspora comercial chinesa. Embora os transportes estivessem nas mãos de companhias de navegação européias, a maioria dos outros ramos desse comércio era controlada por sociedades secretas chinesas nos principais portas da China e do Sudeste da Ásia . Os lucros eram altos e tornaram-se a base de muitas novas fortunas entre os mercadores chineses. Além de fazer a fortuna de comerciantes isolados, o tráfico de cules também fez a fortuna das cidades portuárias de Cingapura, Hong kong , Penang e Macau . Todos se tornaram , em graus variáveis, grandes sedes e ‘’reservatórios ‘’ da riqueza e do poder da diáspora mercantil chinesa. Igualmente importante , o tráfico de cules deixou uma herança de colonização chinesa em todo o Sudeste da Ásia . é esse legado que, até os dias atuais , tem proporcionado aos chineses de além-mar uma fonte muito fecunda de oportunidades de lucro de uma ou outra forma de intermediação comercial e financeira , dentro e através das jurisdições da região . A consolidação e a expansão de uma diáspora capitalista chinesa, como principal intermediária e beneficiária do comércio entre a China continental e o mundo externo , deixaram uma marca profunda e duradoura na economia política do Sudeste da Ásia. Nem a modernização japonesa  nem a Revolução Chinesa de 1911, nem tampouco o atual dinamismo da economia chinesa , podem ser plenamente entendidos a não ser à luz desse fenômeno do século XIX (o naufrágio do livro Lord Jim, de Joseph Conrad, é de um vapor que transportava cules  ). Concentrando nossa atenção na modernização japonesa, vemos que a industrialização do Japão , depois da abertura de seus portos, tanto foi uma resposta à supremacia comercial chinesa no Leste da Ásia quanto uma resposta à supremacia militar ocidental. Especificamente, a produção de artigos têxteis de exportação para a China --- um componente fundamental do processo de industrialização japonesa em seus estágios iniciais ---- visou, primordialmente , a romper o controle exercido pelos comerciantes chineses ultramarinos sobre o comércio exterior japonês . Mas as rivalidades sino-japonesas e o deslanchar da modernização no Japão e na China devem ser situados no contexto de uma competição que não apenas comercial, mas política.


K.M.  

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