Nunca foi diferente... Mesmo depois que os britânicos derrubaram a muralha de normas
governamentais que cercava a economia interna chinesa , os ramos principais da
chamada Primeira Revolução Industrial tiveram dificuldade em vencer os produtos
chineses na concorrência. Em 1850, os produtos de algodão respondiam por meros
6% das exportações britânicas para a China , e em 1875, por apenas 8% . Ainda
em 1894, a indústria artesanal nativa da China continuava a abastecer 86% do
mercado chinês de tecidos de algodão . A essa altura , as importações
estrangeiras vinham substituindo rapidamente a fiação artesanal de fibras de
algodão , , que sofreu uma contração estimada em 50% entre 1871 – 1880 e
1901-1910 . Mas o uso de fios estrangeiros mais baratos , produzidos à máquina
, deu um novo impulso à indústria nacional de tecelagem, que conseguiu resistir
e até se expandir . A competitividade das firmas ocidentais que instalaram sua
produção na China foi ainda menos impressionante. Na indústria da seda , as empresas
estrangeiras sofreram prejuízos imensos , enquanto as firmas locais
prosperavam, decuplicando-se o número de fábricas, de trabalhadores empregados
e de exportações das modernas fiações de propriedade chinesa entre a década de
1880 e a de 1890 . ‘’Aos estrangeiros ‘’ , lamentou um cônsul britânico em
Cantão, certa vez , ‘’restou pouca coisa além do comércio de exportação ‘’. Os
produtos e empresas ocidentais conseguirem , com efeito , triunfar em algumas
indústrias , como a de cigarros, que não competia com nenhum produto local, e a
de querosene , que substituiu o óleo vegetal local . Em linhas gerias, no
entanto , é difícil contestar a observação de que ‘’ o mercado da China significou
frustração para os mercadores estrangeiros ‘’. Os produtos chineses tiveram tão
somente uma presença superficial nos mercados chineses. O ópio , é claro , era
a grande exceção, havendo deixado uma marca profunda e duradoura . Mas embora a
predominância do ópio entre as importações chinesas durante todo o século XIX
possa ser tomada como uma medida da falta sistemática de competitividade da
maioria dos outros produtos estrangeiros no mercado chinês, até o comércio do
ópio trouxe uma certa frustração para os comerciantes estrangeiros . Só se
podia obter acesso aos consumidores finais da droga através de intermediários
chineses , organizados em grupos , e redes com base na língua, na residência,
no parentesco e na proteção política. O ‘’arrocho’’ que esses intermediários
impunham aos comerciantes estrangeiros foi objeto de queixas reiteradas . Por
mais egoístas que fossem essas queixas, sem dúvida , a verdade é que os
intermediários chineses de todos os ramos de comércio, mesmo quando formalmente
empregados por mercadores estrangeiros, muitas vezes ganhavam mais dinheiro do
que seus patrões ocidentais, não demoravam a aprender o que havia a aprender
sobre as técnicas comerciais do Ocidente e, ao competirem com as firmas
estrangeiras, levavam a grande vantagem de ter despesas gerais muito menores e
de não serem arrochados por nenhum intermediário . O resultado foi uma expansão
sem precedentes das redes comerciais e das comunidades chineses que se haviam
desenvolvido , no correr dos ´seculos, nas regiões costeiras da China e nos
interstícios do sistema sinocêntrico de comércio de tributos. Os comerciantes
chineses sempre haviam aparecido com destaque nessas comunidades intersticiais
, mas em momento algum as condições de sua expansão foram mais favoráveis do
que no século XIX , como resultado direto do ataque ocidental às estruturas
organizacionais do sistema chinês de comércio de tributos. À medida que declinou
a capacidade de o governo Qing controlar os canais entre a economia interna
chinesa e o mundo externo , aumentaram as oportunidades para que os mercadores
chineses operassem fora do perímetro do império . Muitos desses mercadores
ganharam seu primeiro ‘’tanque de ouro ‘’ no comércio de ópio . Mas a maior
expansão da diáspora mercantilista chinesa a ligar a China com o resto da
região ocorreu no ‘’comércio de cules’’, isto é , no aliciamento e no
transbordo de trabalhadores contratados como aprendizes para prestar serviços
em regiões de além-mar . Inicialmente promovido pelos portugueses no século
XVI, o comércio de cules chineses passou por um crescimento explosivo na
segunda metade do século XIX. Entre 1851 e 1900 , mais de dois milhões de ‘’trabalhadores
contratados’’ foram embarcados para fora da China, dois terços deles indo para
o sudeste da Ásia. A transformação de boa parte do sistema sinocêntrico em uma
grande fonte de matérias-primas para os países europeus expandiu repentinamente
a demanda de mão-de-obra barata na região . Ao mesmo tempo, a desintegração
vigente da economia política imperial inflou o excedente populacional da China
e minou a capacidade de o regime Ging interferir na transplantação desse
excedente para regiões ultramarinas. A explosão que se seguiu no tráfico de
cules impulsionou de diversas maneiras correlatas a expansão ultramarina da
diáspora comercial chinesa. Embora os transportes estivessem nas mãos de
companhias de navegação européias, a maioria dos outros ramos desse comércio
era controlada por sociedades secretas chinesas nos principais portas da China
e do Sudeste da Ásia . Os lucros eram altos e tornaram-se a base de muitas
novas fortunas entre os mercadores chineses. Além de fazer a fortuna de
comerciantes isolados, o tráfico de cules também fez a fortuna das cidades
portuárias de Cingapura, Hong kong , Penang e Macau . Todos se tornaram , em
graus variáveis, grandes sedes e ‘’reservatórios ‘’ da riqueza e do poder da
diáspora mercantil chinesa. Igualmente importante , o tráfico de cules deixou
uma herança de colonização chinesa em todo o Sudeste da Ásia . é esse legado
que, até os dias atuais , tem proporcionado aos chineses de além-mar uma fonte
muito fecunda de oportunidades de lucro de uma ou outra forma de intermediação
comercial e financeira , dentro e através das jurisdições da região . A
consolidação e a expansão de uma diáspora capitalista chinesa, como principal
intermediária e beneficiária do comércio entre a China continental e o mundo
externo , deixaram uma marca profunda e duradoura na economia política do
Sudeste da Ásia. Nem a modernização japonesa nem a Revolução Chinesa de 1911, nem tampouco
o atual dinamismo da economia chinesa , podem ser plenamente entendidos a não
ser à luz desse fenômeno do século XIX (o naufrágio do livro Lord Jim, de
Joseph Conrad, é de um vapor que transportava cules ). Concentrando nossa atenção na modernização
japonesa, vemos que a industrialização do Japão , depois da abertura de seus portos,
tanto foi uma resposta à supremacia comercial chinesa no Leste da Ásia quanto
uma resposta à supremacia militar ocidental. Especificamente, a produção de
artigos têxteis de exportação para a China --- um componente fundamental do
processo de industrialização japonesa em seus estágios iniciais ---- visou,
primordialmente , a romper o controle exercido pelos comerciantes chineses ultramarinos
sobre o comércio exterior japonês . Mas as rivalidades sino-japonesas e o
deslanchar da modernização no Japão e na China devem ser situados no contexto
de uma competição que não apenas comercial, mas política.
K.M.
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