quinta-feira, 23 de março de 2017

OS ESTADOS E A COERÇÃO (Charles Tilly)

Por volta de 1490 , os muçulmanos estavam-se retirando de Granada, o seu último posto avançado na Ibéria, mas ao mesmo tempo construíram  um extenso império em torno do Mediterrâneo oriental e faziam incursões até os Balcãs . Começaram a surgir nos flancos da Europa estados dotados de grandes exércitos e de algum controle judicial e fiscal sobre territórios de bom tamanho , e as cidades-estado principiaram a armar-se para a guerra terrestre como nunca havia acontecido antes. O mapa europeu de 1490 atribui grandes áreas à Inglaterra, à Suécia , à Polônia, à Rússia e ao Império Otomano, mas tbm assinala dezenas de ducados, principados, arcebispados, cidades-estado e outros estados-miniatura. 

A quantidade de estados distinguíveis depende de decisões discutíveis relacionadas com a própria natureza dos estados da época. São elas : se os 13 cantões suíços (como em 1513) e as 84 cidades livres do Império Otomano (como em 1521) devem ser contados como entidades separadas ; se as possessões tecnicamente autônomas de Aragão e Castela, como a Catalunha e Granada , merecem reconhecimento ; se a colcha de retalhos dos Países-Baixos constituíam um único estado (ou apenas parte de um estado ) sob a hegemonia dos Habsburgos ; se osestados tributários sob o controle otomano pertenciam individualmente ao sistema europeu de estado da época . Nenhum conjunto plausível de definições fornece menos de 80 unidades distintas , ou mais de 500. Podemos tomar, arbitrariamente, 200 como um número médio. As cercas de 200 entidades políticas européias da época que detinham uma autonomia formal controlavam uma média de 24, 5 mil quilômetros quadrados, mais ou menos o tamanho dos atuais El Salvador , Lessoto e Catar . 


A população européia era de aproximadamente 62 milhões de habitantes em 1490 e distribuía-se numa média de 310  mil pessoas por estado. Evidentemente, as médias obscurecem as enormes variações : o grande número de estados menores europeus e suas populações pincipiava a consolidar-se em estados territorialmente distintos e organizados em torno de instituições militares permamentes, e a superioridade militar começava a propiciar aos estados melhores chances de sobrevivência. 


Para falar a verdade , apenas começava . Em 1490, os exércitos eram constituídos, em sua grande maioria , de mercenários contratados para uma campanha, de clientes dos grandes senhores e de milícias de cidadãos. Na França e na Borgonha , os exércitos permanentes haviam sido substituídos por milícias urbanas, mas em outros reinos não muito . Dentro dos estados maiores , as comunidades, as guildas , as igrejas e os magnatas regionais detinham grande parcela de imunidade e autonomia. A administração se concentrava sobretudo nas questões militares, judiciais e fiscais. Na zona central da Europa continuavam a proliferar as jurisdições diminutas . Como as cidades-estado, ligas de cidades, impérios dinásticos, principados vinculados apenas nominalmente a monarquias ou impérios maiores, e entidades eclesiásticas como a Ordem Teutônica, todos coexistissem (embora litigiosamente ) no continente , ainda não era evidente que os estados nacionais, da forma como os conhecemos hoje , iriam tornar-se as organizações predominantes da Europa. Não antes do século XIX , com as conquistas de Napoleão e as subsequentes unificações da Alemanha e da Itália , quase toda a Europa se teria consolidado em estados separados entre si, dotados de forças armadas permanentes e profissionais e que exerciam um controle considerável sobre as pessoas em áreas de 100 mil quilômetros quadrados ou mais. 


Nos quatro séculos  seguintes , muitos tratados de paz e algumas federações deliberadas reduziram drasticamente o número de estados europeus. No século XIX , o número tendeu a estabilizar-se. No começo do ano de 1848 , por exemplo , a Europa abrigava de 20 a 100 estados, dependendo de como se contam os 35 membros da Confederação Germânica, os 17 estados papais , os 22 segmentos tecnicamente autônomo da Suíça e umas poucas unidades dependentes mas formalmente distintas, como Luxemburgo e a Noruega : no Almanaque de Gotha, o catálogo de nobres estadistas , a lista alfabética da época começava com os diminutos Anhalt - Bernburg, Anhalt-Dessau e Anhalt-Kothan antes de incluir os mais extensos Áustria, Baden e Bavária. 


As principais consolidações aconteceram quando da formação do Império Germânico e do reino da Itália. Mais ou menos no início de 1890, a lista de estados havia diminuído para cerca de 30 , nove dosquais eram membros do Império Germânico e do Reino da Itália.. Mais ou menos no início de 1890, a lista de estados havia diminuído para cerca de 30, nove dos quais eram membros do Império Germânico. No final de 1918, a contagem estava em torno de 25 estados separados. Embora as fronteiras tivessem mudado significativamente com os tratados que puseram fim à Primeira e à Segunda Guerra Mundial, o número e o tamanho dos estados europeus não mudou muito no curso do século XX . Se, de acordo com Small e Singer , contarmos apenas aqueles grandes o bastante para estabelecer uma diferença militar independente, detectamos realmente uma leve inversão da tendência longo prazo : 21 contendores no final das Guerras Napoleônicas, 26 em 1848, 29 (incluindo agora Malta, Chipre e Islândia ) em 1980 (Smalle Singer ).


Em contraste com os 24.500 quilômetros quadrados de 1490, os 30 estados de 1890 controlavam uma média de 160 mil quilômetros quadrados, o que os igualava às atuais Nicarágua, Síria e Tunísia. Em vez dos 310 il habitantes de 1490 , o estado médio de 1890 contava com cerca de 7,7 milhões . Se o imaginarmos num circunferência, os estados originam-se num raio médio de 90 até 230 quilômetros. Num raio de 90 quilômetros, o controle direto do interior pelos governantes de uma única cidade muitas vezes era viável ; a 230 quilômetros, ninguém governava sem um aparelho especializado de vigilância e supervisão . Além disso, embora os micro-estados como Andorra (453 km quadrados) , Liechtenstein (157), San Marino (62) e mesmo Mônaco (1,8) tenham sobrevivido à grande consolidação, as desigualdades de tamanho diminuíram radicalmente com o tempo.


Falando de modo geral , a última parcela da Europa a consolidar-se em estados nacionais extensos foi a faixa de cidades-estados que ia da Itália do Norte , em torno dos Alpes, e abaixo do Reno até os Países -Baixos . As criações sucessivas da Alemanha e da Itália colocaram sob controle nacional essas pequenas municipalidades prósperas mas briguentas, e suas regiões interioranas . É como se os europeus descobrissem que, sob condições predominantes a partir de 1790 ou mais, um estado viável necessitava de um raio de pelo menos 160 quilômetros, e não poderia dominar com facilidade além de um raio de 400 quilômetros.


Charles Tilly


COERÇÃO, CAPITAL E ESTADOS EUROPEUS

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