Magnata chinês é vinculado a pilha misteriosa de alumínio no México
Por Marcelo Villela, setembro 26th, 2016, 0:39 - LINK PERMANENTE
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Dois anos atrás, um executivo do setor de alumínio na Califórnia contratou um piloto para sobrevoar a cidade mexicana de San José Iturbide e tirar fotos de uma fábrica remota no deserto. Ele fez uma descoberta surpreendente. Quase um milhão de toneladas de alumínio guardadas em uma fortaleza cercada por arame farpado. O estoque, avaliado em uns US$ 2 bilhões e equivalente a cerca de 6% de todo o alumínio estocado no mundo — suficiente para produzir 77 bilhões de latas de cerveja —, rapidamente virou uma obsessão para a indústria de alumínio americana.
Agora, a descoberta virou uma nova fonte de tensão nas relações comerciais entre Estados Unidos e China. Executivos americanos dizem que o alumínio misterioso era parte de um esquema de um dos homens mais ricos da China para burlar as regras do comércio global.
Jeff Henderson, diretor de operações do Conselho de Extrusores de Alumínio dos EUA, um grupo do setor, diz estar convencido de que a China Zhongwang Holdings Ltd., gigante chinesa de alumínio controlada pelo bilionário Liu Zhongtian, tentou evadir tarifas americanas ao enviar alumínio aos EUA através do México para disfarçar suas origens.
Liu, um membro do Partido Comunista chinês, nega a acusação. “Isso não tem nada a ver comigo”, disse ele durante uma entrevista dada ao The Wall Street Journal em junho numa fábrica de sua companhia em Liaoning, na China. Ele disse que nem saberia estabelecer um negócio no México, brincando que, “nesse tipo de lugar, há um monte de assassinos com armas”.
Vários documentos examinados pelo WSJ, juntamente com entrevistas de pessoas que fizeram negócios com Liu, suscitam dúvidas sobre seu relato. Eles mostram que toneladas de alumínio foram desviadas para o México a partir da China por meio de uma rede de empresas controladas por parentes ou outras pessoas ligadas a Liu.
O Departamento de Comércio dos EUA informa que está investigando a origem real do metal mexicano, em resposta a uma série de queixas comerciais feitas pela indústria de alumínio dos EUA contra a China.
O boom da produção industrial chinesa tem reordenado drasticamente o mercado global de alumínio. Alimentada pelo acesso a energia elétrica barata e isenções de impostos, a produção de alumínio da China dobrou entre 2010 e 2015. Com a desaceleração da demanda local, houve uma alta nas exportações para os EUA. Em 2015, o país importou 40% do alumínio que consumiu, comparado com 14% em 2010. Até o fim deste ano, só cinco fundições de alumínio estarão operando nos EUA, ante 23 em 2000.
A Alcoa Inc., maior fabricante de alumínio dos EUA, está se dividindo em duas, separando suas lucrativas unidades de fabricação de peças das problemáticas operações de alumínio. No ano passado, o líder executivo da Alcoa, Klaus Kleinfeld, disse que exportações ilegítimas da China foram “o principal causador” da queda dos preços do alumínio.
A ascensão de Liu como magnata do alumínio teve início em 1993, quando ele começou a transformar sua empresa de um pequeno participante do setor na China num dos maiores produtores do mundo. O principal negócio da China Zhongwang é a produção de “extrusões” de alumínio: tubos, vergalhões e chapas usados em produtos acabados, como geladeiras e automóveis. Em maio de 2009, Liu abriu o capital da empresa na bolsa de Hong Kong, mantendo uma fatia de 74% e captando US$ 1,26 bilhão numa das maiores ofertas públicas iniciais de ações no ano.
Em 2009, as exportações de extrusões de alumínio da China aos EUA mais do que dobraram ante 2008, para 192 mil toneladas. Os preços das extrusões importadas caíram 30% nos EUA em relação ao ano anterior, segundo a Global Trade Information Services (GTIS), firma que monitora o comércio mundial.
A explosão das exportações levou o Departamento de Comércio a concluir que várias companhias, incluindo afiliadas da China Zhongwang, estavam vendendo alumínio a preços injustos, ao mesmo tempo em que recebiam subsídios em casa. Em 2010, o órgão impôs tarifas punitivas sobre certas importações, como as feitas pelas “empresas do Grupo Zhongwang”.
As exportações da China Zhongwang cessaram e seu lucro em 2010 caiu 26% em relação ao ano anterior. Ela nunca respondeu a perguntas do governo americano sobre suas práticas comerciais, informou o Departamento de Comércio. Ela também não respondeu aos vários pedidos de comentário para esta matéria.
Por volta da mesma época, um empresário jovem e ambicioso, Po-Chi “Eric” Shen, de Cingapura, começou a comprar imóveis no México. Ele se estabeleceu em um terreno perto de San José Iturbide, a quase 260 quilômetros da Cidade do México. Lá, uma firma que Shen ajudou a criar, a Aluminicaste Fundición de México, elaborou planos de construir uma fábrica de US$ 200 milhões para fundir alumínio em metal bruto.
Shen tinha ligações com o clã Liu. Ele era amigo do filho de Liu, Liu Zuopeng. A mulher de Liu se tornou membro do conselho de uma de suas empresas, a Scuderia Development, segundo documentos públicos. Outra empresa de Shen, a Scuderia Capital, emprestou US$ 200 milhões à China Zhongwang em 2008, de acordo com um prospecto da China Zhongwang.
No México, Shen estava implementando um plano audacioso, dizem pessoas a par do assunto. Uma rede de empresas comerciais poderia encaminhar milhares de toneladas de alumínio da China para o México, onde uma fábrica o fundiria para envio aos EUA , evitando restrições comerciais e tirando proveito de benefícios do Nafta, o Tratado Norte-americano de Livre Comércio.
Em uma entrevista, Liu disse que não tinha envolvimento com a Aluminicaste e não ajudou Shen a financiar a fábrica.
Shen, em várias entrevistas ao WSJ, descreveu extensos laços comerciais com Liu. “Liu e eu tínhamos uma relação comercial muito complicada que não era de empregador nem de empregado, investidor ou investido”, disse.
No papel, a era das exportações tinha acabado para a China Zhongwang. Em seu relatório de 2011, a empresa informou que 96% da receita vieram de vendas dentro da China, ante 56% em 2010.
Na verdade, negociadoras chinesas que compravam o alumínio da empresa revendiam boa parte do produto para uma trading de Cingapura chamada GT88 Capital, segundo registros das transações e pessoas a par do assunto. O proprietário da GT88 era a Aluminicaste, de Shen.
Em 2011 e 2012, as importações de extrusões de alumínio do México dispararam. A maior parte do metal era entregue pela trading de Shen em Cingapura para a empresa de logística da Aluminicaste, segundo registros das exportações monitorados pela Panjiva Inc., firma de dados de comércio de Nova York.
Rumores sobre a empresa e o estoque gigantesco passaram a circular entre os produtores nos EUA. “Ninguém de fato sabia o que acontecia”, diz o executivo que encomendou as fotos aéreas da fábrica, Mike Rapport, que dirige uma firma de extrusão de alumínio na Califórnia.
Em 2013, a Aluminicaste foi transferida para o filho de Liu, que se tornou seu diretor-presidente, mostram documentos corporativos no México.
Liu diz que não fez parte de nada disso. “Neste assunto, eu não o ajudei”, disse em uma entrevista. O jovem Liu não respondeu a pedidos de comentários.
Shen abriu um escritório luxuoso em Dallas. Ele comprou casas caras, carros raros e um jato Gulfstream de US$ 10 milhões, segundo registros de um tribunal de Dallas. Ele também comprou uma Ferrari 1963, avaliada em US$ 32 milhões, e US$ 70 milhões em diamantes raros. Muitas compras foram para uso comercial ou investimentos, segundo Shen.
Mas ainda havia uma peça faltando. Pessoas a par do assunto dizem que a Aluminicaste precisava de um comprador nos EUA para refundir seu produto e prepará-lo para a venda no país. Para resolver o problema, Shen começou a preparar o terreno para uma fábrica de US$ 1,5 bilhão em Barstow, na Califórnia.
Shen disse a autoridades da cidade que tinha apoio do bilionário fundador da China Zhongwang, Liu, e que tinha acabado de construir uma grande fábrica de alumínio no México, diz Oliver Chi, na época administrador adjunto de Barstow.
No fim de 2013, Shen convocou uma reunião entre as autoridades locais e Liu em Irvine, Califórnia, diz Chi. Liu disse ter reservas sobre o projeto porque as empresas chinesas recebem assistência financeira substancial do governo, o que ele duvidava que ocorreria nos EUA, diz Chi, que participou da reunião.
Numa entrevista, Liu disse que participou da reunião para discutir “questões ambientais, não para discutir investimentos”.
Enquanto isso, contratempos se acumulavam. Caminhões e metais foram roubados da fábrica no México, atrasando entregas, dizem ex-empregados da Aluminicaste. A empresa não conseguiu obter os benefícios do Nafta, uma vez que as autoridades americanas concluíram que o metal vinha da China.
Diante dos crescentes problemas financeiros da Aluminicaste, parceiros de Liu acusaram Shen de má gestão dos fundos da firma, dizem pessoas a par das alegações e documentos judiciais.
Eles se mobilizaram para apreender os bens de Shen. Gestores da empresa que era dona do edifício do escritório em Dallas, a DFW Maple Leaf Partners, transferiram os ativos para a mulher de Liu, mostram documentos corporativos.
Shen nega qualquer irregularidade. Seu advogado, Dean Kajioka, da Kajioka & Associates, diz que Shen concordou em entregar seus bens depois que ele foi “ameaçado fisicamente” por pessoas ligadas a Liu. Um porta-voz da China Zhongwang disse que Liu não quis comentar sobre a alegação.
Para Henderson, provar que a China Zhongwang e Liu estavam por trás do alumínio mexicano virou uma obsessão. Em outubro de 2015, seu grupo comercial entrou com uma ação de 600 páginas no Departamento de Comércio, alegando que Liu está usando firmas afiliadas para burlar regras antidumping dos EUA.
Apesar dos contratempos, Liu ainda pensa grande. Em agosto, uma empresa controlada por ele e afiliada à China Zhongwang fechou a compra da produtora de alumínio americana Aleris Corp. por US$ 1,1 bilhão, o que seria o preço mais alto já pago por uma firma chinesa por uma empresa de metais americana.
Hoje, a Aluminicaste está sob nova gestão e o filho de Liu não é listado como dono. Charles Pok, um advogado da Califórnia que diz que agora ajuda a administrar a empresa, nega qualquer ligação entre a fábrica mexicana, a China Zhongwang e Liu, seu proprietário.
Mas Liu disse, em uma entrevista, que Pok trabalha para ele pelo menos desde 2004. Mais tarde, Pok admitiu que Liu é seu cliente, mas que não podia discutir o assunto devido à relação entre advogado e cliente.
Pok também assumiu uma série de funções que antes eram de Shen. Em janeiro de 2015, ele foi nomeado presidente da Eighty Eight Investments AG, holding suíça da GT88, a trading de Cingapura que exportava alumínio para o México.
Já a pilha gigantesca de alumínio diminuiu de tamanho, segundo autoridades da cidade, vizinhos e ex-empregados da Aluminicaste. Agora, há planos de enviar o metal para uma fábrica no Vietnã controlada pela Global Vietnam Aluminum Co., segundo pessoas a par do assunto. Um diretor da Vietnam Global, Jacky Cheung, é o novo presidente da Aluminicaste. Cheung não quis comentar.
O Vietnã já viu um salto nas importações de alumínio da China. Segundo a GTIS, o envio de extrusões da China ao Vietnã subiu 1.000% em 2015, para US$ 1,9 bilhão. Henderson prevê que muito desse alumínio acabará nos EUA.
Fonte: WSJ
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