O que impulsionou a prodigiosa expansão da economia mundial capitalista nos últimos quinhentos anos não foi a concorrência entre os Estados como tal , mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez maior do poder capitalista no sistema mundial como um todo. A idéia de uma concentração cada vez maior do poder capitalista no moderno sistema mundial está implícita num padrão assinalado por Karl Marx em O CAPITAL .Ao estudar o impulso que esteve na origem da expansão do capitalismo moderno, Marx, assim como Weber , atribuiu grande importância ao papel desempenhado pelo sistema de endividamento nacional, do qual Gênova e Veneza foram pioneiras no fim da Idade Média : ''O endividamento nacional , a alienação do Estado --- seja ele despótico, constitucional ou republicano ---- imprimiu sua marca na era capitalista ... Como pelo toque de uma vara de condão , a dívida pública confere ao dinheiro estéril capacidade de multiplicar-se e com isso transforma-o em capital , sem a necessidade de que ele se exponha aos problemas e riscos inseparáveis de seu emprego na indústria ou até na usura. Os credores do Estado , na verdade, não dão coisa alguma, pois a soma emprestada é transformada em títulos públicos, fáceis de negociar , que podem continuar funcionando em suas mãos tal como o faria o dinheiro sonante '' (Marx ). Tendo concentrado sua atenção nos aspectos domésticos da acumulação de capital , Marx não destacou a importância, sempre reiterada , das dívidas nacionais num contexto de um sistema de Estados que, lutando pelo poder, disputam entre si a ajuda dos capitalistas. Para Marx, a alienação dos ativos e das receitas futuras das nações foi apenas um aspecto da ''acumulação primitiva '' ---- a ''acumulação prévia '' de Adam Smith, ''uma acumulação que não resulta do modo de produção capitalista , mas é seu ponto de partida '' (Marx ). No entanto, Marx reconheceu a importância permanente das dívidas nacionais, não como a expressão da competição inter-estatal , mas como um meio de cooperação intercapitalista ''invisível '', que ''iniciou '' repetidas vezes a acumulação de capital no espaço-tempo da economia mundial capitalista , desde seu início até os dias do próprio Marx : ''Com a dívida nacional surgiu um sistema de crédito internacional , que amiúde oculta uma das fontes da acumulação primitiva deste ou daquele povo. Assim, as vilanias do sistema veneziano de ladroagem formaram uma das bases secretas da riqueza da Holanda, a quem Veneza, em sua decadência, emprestara grandes somas em dinheiro. O mesmo se deu entre a Holanda e a Inglaterra. No início do século XVIII, a Holanda deixara de ser a nação preponderante no comércio e na indústria. O empréstimo de imensas somas de capital , especialmente para sua grande rival, a Inglaterra, tornou-se então um de seus principais ramos de negócio. E o mesmo vem acontecendo hoje entre a Inglaterra e os Estados Unidos '' (Marx, O Capital ) . Marx porém não reparou que a sequência de nações capitalistas dominantes, esboçada nessa sua passagem , era formada por unidades dotadas de dimensões, recursos a e poderio mundial sempre crescentes. Todos esses quatro Estados ---- Veneza, as Províncias Unidas (Holanda ) , O Reino Unido e os Estados Unidos ---- foram grandes potências de sucessivas épocas durante as quais seus grupos dominantes desempenharam , ao mesmo tempo, papel de líderes dos processos de formação do Estado e de acumulação capital . Vistos em sequência , esses quatro grandes Estados parecem parecem ter sido grandes potências em ordenamentos muito diferentes e cumulativos. Assim, vemos que a expansão do poder capitalista nos últimos quinhentos anos esteve associado não apenas à competição inter-estatal pelo capital circulante , como enfatizou Weber , Mas tbm à formação de estruturas políticas dotadas de capacidade organizacionais cada vez mais amplas e complexas para controlar o meio social e político em que se realizava a acumulação de capital em escala global. Nos últimos quinhentos, essas duas condições fundamentais da expansão capitalista foram continuamente recriadas em paralelo. Todas as vezes que os processos de acumulação do capital em escala global, tal como instituídos numa dada época, atingiram seus limites , seguiram-se longos períodos de luta inter-estatal , durante os quais o Estado que controlava ou passou a controlar as fontes mais abundantes de excedentes de capital tendeu tbm a adquirir a capacidade organizacional necessária para promover, organizar e regular uma nova fase de expansão capitalista, de escala e alcance maiores que o anterior. tudo que posso dizer é que (sem dúvida ) a conquista dessas aptidões organizacionais resultou muito mais de vantagens de posicionamento, na configuração espacial cambiante da economia capitalista mundial , do que da ''inovação '' em si. Braudel chegou mesmo a dizer que a ''inovação não desempenhou papel algum nas sucessivas mudanças espaciais que alteraram os centros dos processos sistêmicos de acumulação : ''Amsterdam copiou Veneza, tal como Londres viria posteriormente a copiar Amsterdam e como Nova York, um dia, copiaria Londres ''. Obviamente, esse processo de imitação foi muito mais complexo do que está indicado na simples sequência que venho esboçando. Cada sequência esteve associada a uma ''revolução organizacional '' nas estratégias e estruturas do agente preponderante da expansão capitalista.
K.M.
O longo horizonte temporal necessário para descrever e avaliar as consequências desse processo e o que é mais importante para nosso objetivo específico e atual : a centralidade da ''força'' na determinação da forma como se distribuem custos e benefícios entre os participantes da economia de mercado.Adam Smith não usou o termo ''capitalismo'', que só foi introduzido no vocabulario das ciencias sociais no século XX, mas sua avaliação de que a ''superioridade da força '' foi o mais importante fato a permitir a permitir que o Ocidente conquistador se apropriasse da maioria dos benefícios ---- e impusesse ao não-Ocidente conquistado a maioria dos custos ---- da economia de mercado ampliada que se estabeleceu em decorrência dos chamados ''descobrimentos'' aponta no mesmo sentido de avaliação braudeliana de que a fusão entre o Estado e o capital foi o ingrediente vital da emergência de camada claramente capitalista por sobre a camada da economia de mercado e em antítese a ela. No esquema de Smith só é possível manter os lucros em larga escala, por um prazo indefinido , através de práticas restritivas escoradas no poder estatal , que cerceiam e rompem o funcionamento ''natural '' da economia de mercado. Nesse esquema, como no de Braudel , a camada superior de comerciantes e fabricantes ''que comumente emprega os maiores capitais e que, por sua riqueza , atrai para si a maior parcela de consideração pública ...'' (A. Smith ) ...é o verdadeiro ''anti-mercado '', o ''contre-marché '' de Braudel.
ResponderExcluirK.M.